Déficit de cidade (por Luiz Paulo Vellozo Lucas)

O Brasil tem 5700 municípios e possui 55 mil cidades. O Espirito Santo tem 78 municípios e 256 distritos. Nas regiões metropolitanas as favelas são cidades diferenciadas dentro da malha urbana, onde a desigualdade e a exclusão sócio econômica se expressam territorialmente. Subprefeituras e associações de moradores são estruturas criadas buscando preencher esse vazio institucional e organizar ações e politicas publicas nessas comunidades periféricas,  abandonadas e sem governo. Os resultados são conhecidos.

O estado brasileiro é grande, caro e sem capilaridade. O déficit de poder local e governança é gigantesco tanto nas regiões metropolitanas quanto nos municípios do interior, nas vilas e distritos rurais distantes do dinamismo econômico das grandes cidades. A economia do sertão, como diria Jorge Caldeira, sobrevive esquecida e abandonada com ativos extraordinários escondidos ou muito mal aproveitados.

Desde a criação do BNH e do PLANASA, no inicio do regime militar, a politica urbana foi formulada e executada em nível nacional e tratou da precariedade das cidades brasileiras tendo como foco o déficit habitacional e o sonho da casa própria. O resultado é bem conhecido e inclusive pode ser visto por todos no filme “Cidade de Deus”.

A Constituição de 1988 estimulou a criação de dois mil novos municípios e promoveu uma verdadeira descentralização fiscal mas acelerou a concentração do poder regulatório e normativo na esfera da União. Governos subnacionais dependentes adquirem funcionalidade política no sistema federativo sob o presidencialismo de coalisão. O poder centralizado se vertebra regionalmente nas transferências de recursos voluntários e autorizações burocráticas fidelizando lealdades eleitorais e demarcando o campo da governabilidade. A herança da ditadura militar ultra centralizadora, embala um ciclo de descentralização mal feita na forma de grandes vazios institucionais, conflitos de poder e orfandade para as cidades brasileiras.

A criação do Ministério das Cidades, o PAC e MCMV, são marcas da tentativa de recentralização da politica urbana nos governos do PT, fortemente aderentes ao federalismo de subserviência praticado desde sempre no Brasil. Mecanismos de participação direta, como as conferências de cidades, não são capazes de conferir credibilidade ao arranjo politico administrativo da recentralização petista na politica urbana brasileira, principalmente pelo seu escandaloso aparelhamento político-partidário. O Congresso Nacional, hegemonizado pela politica conservadora, reage ao seu modo fazendo das emendas parlamentares ao orçamento da União a fonte principal de financiamento do investimento em infraestrutura urbana no Brasil e eixo estratégico da luta pelo poder .

O município no Brasil é como dar um sapato de mesmo número para todos, de crianças até jogadores de basquetebol. Porque São Paulo e Dores do Rio Preto são ambos municípios com as mesmas responsabilidades e prerrogativas constitucionais? Porque não temos estruturas de governo local mais leves e baratas para os municípios sem dinamismo econômico, dependentes de transferências até para seu custeio e também para favelas, vilas e distritos rurais? A implantação do voto distrital, simples ou misto, ajudaria a implantar este modelo.

A cidade é um organismo vivo. A maior invenção da humanidade. As pessoas, as forças de mercado, junto com políticas públicas inteligentes, articuladas em modelos de governança funcionais e eficazes podem fazer girar a roda da geração de prosperidade e qualidade de vida em cada território. É preciso aproveitar os ativos locais, produtivos, humanos, ambientais e culturais e ao mesmo tempo enfrentar os passivos de infraestrutura urbana herdados da urbanização desordenada e inconclusa.

Joan Clos, ex-prefeito de Barcelona e ex-diretor da ONU Habitat dizia que é preciso trabalhar para construir boas cidades pois é o único caminho para termos no futuro países desenvolvidos.

 

*Engenheiro, Mestre em Desenvolvimento Sustentável, ex-prefeito de Vitória-ES. Membro da Academia Brasileira da Qualidade-ABQ.

 

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