O que já se sabe sobre coleta de íris no Brasil e os riscos à privacidade

A coleta de íris em troca de criptomoedas levantou um intenso debate sobre privacidade e proteção de dados no Brasil. A prática era conduzida pela Tools For Humanity, empresa responsável pelo projeto World ID, que utilizava o escaneamento da íris para criar uma identidade digital global. No entanto, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) decidiu proibir a oferta de recompensas financeiras para aqueles que se submetessem ao processo, alegando que a prática comprometia a validade do consentimento dos usuários.

A decisão levou à suspensão temporária do serviço no país, anunciada pela própria empresa. Em nota, a Tools For Humanity afirmou: “A World respeita a decisão da ANPD. Como a ANPD está ciente, será necessário tempo para cumprir com a sua ordem. Para permitir que a World conclua as mudanças em coordenação com a ANPD e garanta conformidade durante esse processo, estamos voluntariamente e temporariamente pausando o serviço de verificações.”

Segundo Felipe Carteiro, sócio de Direito Digital no Rayes & Fagundes Advogados, a decisão da ANPD reflete um entendimento consolidado sobre a proteção de dados sensíveis. “Em meu entendimento, a decisão da ANPD demonstrou coerência com a interpretação estabelecida pela autarquia quanto à impossibilidade de coletar dados pessoais sensíveis, especificamente dados biométricos, mediante oferecimento de recompensa. A ANPD concluiu que vincular a coleta de dados ao recebimento de uma compensação financeira compromete fundamentalmente a validade do consentimento, que deve ser ‘livre, informado e inequívoco’”, explica o especialista.

O World ID funciona convertendo os dados biométricos em um código criptográfico, que, segundo a empresa, não pode ser revertido para reconstruir a imagem original da íris. Isso, de acordo com Carteiro, reduz o risco para os brasileiros que já participaram do processo de coleta. “Os riscos para os brasileiros que já participaram do processo são relativamente limitados, considerando a estrutura tecnológica e os protocolos de segurança descritos pela Tools For Humanity em seu White Paper.”

A decisão da ANPD sobre coleta de iris

A suspensão das atividades ocorreu após o Conselho Diretor da ANPD indeferir um recurso da empresa que solicitava um prazo adicional de 45 dias para implementar mudanças no aplicativo e interromper a oferta de compensação financeira. A decisão foi publicada no Diário Oficial da União, reforçando o compromisso da autarquia com a proteção de dados pessoais.

Anteriormente, a ANPD já havia proibido temporariamente a World de oferecer qualquer forma de pagamento, incluindo criptomoedas, para as pessoas que fornecessem sua biometria. A medida foi tomada após relatos de que participantes desconheciam completamente o propósito do projeto e se cadastravam apenas pelo valor pago.

A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) classifica a íris como dado biométrico sensível, exigindo que seu tratamento ocorra com consentimento “livre, informado e inequívoco”. No entendimento da ANPD, ao oferecer pagamento pelo dado, a empresa comprometia essa premissa, principalmente para pessoas em situação de vulnerabilidade.

Participantes podem processar a empresa?

Felipe Carteiro esclarece que, apesar da controvérsia, não há indícios de que os brasileiros que forneceram seus dados possam mover ações indenizatórias contra a Tools For Humanity. “No Brasil, todos aqueles que se sentirem lesados podem recorrer ao Poder Judiciário. Entretanto, não identifico elementos que possam sustentar ações indenizatórias em larga escala nesse caso. Não há, pelo menos por ora, dano efetivo causado aos participantes, de maneira que, segundo a jurisprudência do STJ, não haveria cabimento de demandas indenizatórias contra a empresa, mesmo após essa decisão da ANPD.”

A Tools For Humanity reafirmou seu compromisso em colaborar com a ANPD e informou que seus espaços físicos continuarão operando no Brasil para fornecer informações e esclarecimentos ao público.

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