O relambório lambe-cus (Por Miguel Esteves Cardoso)

No Governo britânico, a começar por Keir Starmer, há uma acirrada competição para ver quem é que tem mais lata e lábia para desdizer todos os insultos que dirigiram a Donald Trump.

De Trump disseram cobras e lagartos, pensando que estava para sempre afastado do poder. Mas entretanto duas coisas embaraçosas aconteceram: tanto os trabalhistas no Reino Unido como Trump nos EUA foram reeleitos.

E, de repente, o ministro dos Negócios Estrangeiros, David Lammy, que tinha dito que Trump era um sociopata neonazi que odiava mulheres, diz que Trump é uma pessoa muito amistosa, muito engraçada, muito calorosa, e que é um prazer estar com ele.

Peter Mandelson, que era a cobra-chefe de Tony Blair e que agora é o embaixador britânico em Washington, disse de Trump que era “um perigo para o mundo”. E agora? Agora, por um passe de magia, o mundo parece ter mudado, porque já não é, levando Mandelson a pedir desculpa por ter falado tão precipitadamente e tão injustamente sobre o pobre Donaldo.

Em Lisboa, numa noite calma, é possível ouvir um ruído insistente que chega de Londres: é o craque-craque dos ministros do Governo britânico a comer as palavras. Dirão em particular que não têm remédio, porque têm medo de que Trump se queira vingar.

Mas é o que se diz em público que conta: é esta a parte da lição que os políticos fingem não saber, à força de fazer tudo às escondidas.

Desdizer o que se disse só para engraxar o Presidente dos EUA é mais desprezível por ser tão descarado. Que mensagem é que isto dá aos aspirantes a políticos?

Mesmo que Trump fosse estúpido, jamais acreditaria nesta súbita mudança de opinião. Mas já conseguiu o que queria: pôs os ingleses a mentir. Mostrou o que pode o poder. Mostrou que o poder é como a violência: altera o comportamento dos outros, tornando-os mais obediente aos interesses do poderoso.

Que interessa agora que os ministros britânicos digam aos amigos que obviamente continuam a achar que Trump é um sociopata?

(Transcrito do PÚBLICO)