A velhice é boa (por José Sarney

O tempo destrói tudo, mas também constrói. É dele que se faz a vida. Sempre gostei dos velhos e sempre pedi a Deus para chegar à velhice. Muito se fala que os medicamentos descobertos pela ciência e o estilo de vida são responsáveis pela longevidade. E se relacionam muitas pessoas que envelheceram e continuam trabalhando e mantendo seu estilo de vida. Com isso agradam às suas famílias, que se reúnem para receber e retribuir afeto e carinho.

No Brasil, segundo o IBGE, são 780 mil pessoas com mais de 90 anos; comigo, 780.001, sendo as mulheres a maioria, número que tende a crescer nos próximos anos.

Vejo com grande satisfação que os nonagenários (ou quase) estão ativos no cenário político, econômico, artístico mundial, plenos de vigor.

A minha querida amiga Fernanda Montenegro, no auge dos seus 96 anos, minha colega da Academia Brasileira de Letras, onde sou decano, está aproveitando sua glória de grande atriz que domina não só o teatro, mas também o cinema, a literatura, a televisão e continua cumprindo inclusive com seus deveres sociais. Ela está vivendo uma emoção inédita: ver a filha, também Fernanda — a Nanda, a Fernandinha, a gloriosa Fernanda Torres —, brilhar como a primeira atriz brasileira a ganhar o Globo de Ouro (prêmio para o qual ela foi indicada em 1999) e ainda ser alvo da mobilização do país inteiro para que alcance o Oscar — o orgulho não é só dela, mas de todo o povo brasileiro. E o coração de Fernanda Montenegro? Como está? Deve estar repleto de alegria e plenitude.

Tive a felicidade de ser amigo da Fernanda mãe e considero ter sido também do pai, Fernando Torres, intelectual, ator e premiado diretor de teatro: um grande homem de uma empatia pessoal rara.
Agora, nesta semana recebo uma carta do meu amigo, o nonagenário Jean Chrétien, ex-primeiro-ministro do Canadá, dizendo ao povo canadense que estava comemorando seus 91 anos com muita satisfação, mas que, sobretudo, protestava contra as declarações de Trump de que o Canadá devia se incorporar aos Estados Unidos.

Eu conheci o estadista Jean Chrétien no InterAction Council, uma organização internacional de ex-Chefes de Estado e de Governo, de que sou membro, em companhia de Bill Clinton, Jimmy Carter, Raúl Alfonsín, Felipe González, Takeo Fukuda, Helmut Schmid, Miguel de la Madrid, Lee Kuan Yew e muitos outros, onde recebemos, como convidados, estadistas de renome como Henry Kissinger, Robert McNamara.
Agora, devemos louvar aqui Tancredo Neves, que, quase octogenário, aos 76 anos, deu sua vida pelo Brasil, herói e mártir da Democracia.

E lembrar os velhos guerreiros que nos deixaram saudades e exemplo de coerência de vida, como o velho Ulysses Guimarães (falecido em atividade aos 76 anos), que dizia: “Sou velho, mas não sou velhaco.”
E os da estirpe dos nossos João Amazonas, Luís Carlos Prestes e Giocondo Dias (também falecidos em atividade, respectivamente, aos 90, 92 e 74 anos), considerados os fora da lei nos tempos das ditaduras.
Quero citar Julio Sanguinetti, ex-Presidente do Uruguai que, nos seus 89 anos, em plena atividade, em breve estará no Brasil para participar comigo das comemorações dos 40 anos da Democracia.

Não vamos esquecer o Papa Francisco, lutando contra quedas em sua peregrinação mundial, pregando o Evangelho; o excepcional Rubens Ricupero, nos seus 87 anos, com a cabeça brilhante, escrevendo memórias, fazendo conferências, um dos maiores pensadores do Brasil de todos os tempos; aos 88 anos, Jorge Gerdau, o empresário do aço, firme no trabalho, lutando agora com as tarifas do Trump; o meu amigo Fernando Henrique Cardoso, com 93 anos. E temos ainda o mestre Ives Gandra e o bom humor de Ary Fontoura, aos 91 anos — com cinco milhões de seguidores no Instagram —, a dizer: “Neste ano não quero saber de gente mal-humorada, nem mão-de-vaca e nem de gente que não toma umas biritas.”

Não esqueçamos o nosso saudoso Roberto Marinho, falecido em total lucidez aos 99 anos. Ouvi, na festa em que ele comemorava seus 90 anos de idade, o Arnaldo Niskier fazer-lhe uma saudação: “Dr. Roberto, quero aqui estar nos seus 100 anos.” Roberto lhe respondeu: “Arnaldo, não limite a vontade do Criador.”

Para terminar, mas sem acabar, vamos citar Laura Cardoso, com 96 anos; Lima Duarte, com 94 anos. E muitos mais…

Na verdade, ser velho é bom. Eu sou um velho feliz pela graça de Deus de viver tanto, cumprindo o destino em que Deus encheu minhas mãos de estrelas.

Outro dia, disse ao Presidente Lula: “Presidente, velho como eu só quer duas coisas: apreço e carinho.” E vou vivendo como parte desses nonagenários, agradecendo ao Criador a graça da vida.

Bobbio, o grande politicólogo italiano, ao definir sua velhice, disse: “A velhice é muito boa, mas com um grave defeito: dura muito pouco.”

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