A fé vigiada: como o regime militar perseguiu líderes religiosos e fiéis durante o período da Ditadura Militar

Depois do golpe de Estado de 1964, a fé também passou a ser vista como uma ameaça para os ditadores do País. Grupos de padres, pastores e leigos foram perseguidos e até torturados e mortos, enquanto membros das instituições também buscavam como se alinhar ao novo governo.

Quando chegou ao cinema para assistir ao filme Ainda Estou Aqui, o pastor luterano Martin Dreher não apenas viveu a experiência dos milhões de espectadores que acompanharam a história de uma família diretamente atingida pela repressão da Ditadura Cívico-Militar, que perdurou no Brasil por 24 anos. Para o religioso, aquele momento também foi de reviver sua própria história de conflito com o regime.

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Bastou um sermão proferido na igreja de Montenegro para que o nome de Martin Dreher começasse a integrar os arquivos do temido Departamento de Ordem Política e Social (Dops). “O texto está falando das dificuldades de um cristão para seguir Jesus, de que surgem situações-limite em que você pode estar sujeito a contar coisas, como aconteceu com o pastor Zwinglio Mota Dias, lá no interior de Minas Gerais, onde o Dops invadiu a casa dele e pediu. Então, esse foi o motivo de o informante me denunciar”, relembra o pastor, que também tem na memória o texto bíblico no qual buscou inspiração para citar o colega perseguido pelo regime.

“Mateus 16, a partir do versículo 24, Jesus diz: ‘Se alguém quer ser meu seguidor, esqueça os seus próprios interesses, esteja pronto para morrer como eu vou morrer e me acompanhe, pois quem impõe os seus próprios interesses em primeiro lugar nunca terá a vida verdadeira’.”

Pastor Martin Dreher carrega na memória relatos vividos nos anos de chumbo | abc+



Pastor Martin Dreher carrega na memória relatos vividos nos anos de chumbo

Foto: Eduardo Amaral/GES-Especial

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Casos como o do pastor Martin não são uma exceção em meio ao regime autoritário que vigorou no País desde o golpe de 1964 até o final da Ditadura Cívico-Militar, com a aprovação da nova Constituição brasileira em 1988. Eles demonstram um lado pouco falado e até reduzido por defensores e, por vezes, até mesmo por detratores do período militar: a perseguição a grupos religiosos e o monitoramento de atividades ditatoriais no interior do Brasil.

Religiosidade perigosa

A empreitada golpista bem-sucedida em 1964 contou com o apoio de membros da Igreja Católica e de outras instituições cristãs em sua institucionalidade. Com o golpe consumado, não faltaram líderes religiosos para apoiarem a ditadura recém-instaurada. Só que, nos mesmos ambientes que serviram como base de apoio à ideologia governamental, também começaram a surgir ações que desagradavam os militares que comandavam o País na época.

E sequer era necessário que essas ações fossem realmente políticas — uma simples leitura da Bíblia poderia ser o suficiente para se tornar alvo das autoridades da época. “Me tornei amigo do vigário católico, mais tarde monsenhor Otto Herbes. E ele dizia: ‘Olha, tu te cuida com as coisas que acontecem aqui’. Isso porque, acho, tinha sido no segundo domingo do Advento, em dezembro de 1975. Uma das leituras previstas era o Cântico de Maria, do Evangelho de Lucas, onde está escrito: ‘Ele derruba dos seus tronos os poderosos’. E veio uma intimação para ele nunca mais ler esse texto em uma missa, vinda da polícia”, relembra o pastor Martin sobre a experiência vivida quando atuou na cidade de Taquara, no Vale do Paranhana.

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Se a perseguição já acontecia de forma bastante efusiva contra as lideranças religiosas, a vida dos fiéis que buscavam exercer sua fé também estava na mira da paranoia ditatorial. Natural de Caxias do Sul, onde vive até hoje, a ex-deputada estadual Marisa Formolo foi uma das jovens que sentiu na pele o peso que qualquer manifestação, se considerada subversiva, seria reprimida o mais rápido possível.

Equipe de coordenação da JEC 1963/64 | abc+



Equipe de coordenação da JEC 1963/64

Foto: Arquivo pessoal

Com uma vivência em grupos de jovens da Igreja Católica quando ainda era uma adolescente de apenas 15 anos, Marisa viu como as tensões políticas externas não deixavam de entrar na igreja. Ela recorda que havia dois lados na instituição religiosa: contra e a favor do regime. Contudo, de acordo com sua memória, na época prevalecia a ideia de construir uma “Igreja transformadora”.

Na prática, isso significava que os jovens que frequentavam grupos como a Juventude Agrária Católica (JAC), Juventude Estudantil Católica (JEC), Juventude Independente Católica (JIC), Juventude Operária Católica (JOC) e a Juventude Universitária Católica (JUC) defendiam que os cristãos deveriam lutar pela democracia e pelo direito à diversidade. “Se Cristo foi morto porque foi considerado um líder político, sua proposta, na essência, é uma proposta bonita”, reflete Marisa.

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Essa leitura dos Evangelhos que sugeria que os cristãos precisavam estar mais alinhados com questões sociais e combater desigualdades, tinha como base a chamada Ação Católica, movimento criado em 1929, ainda no papado de Pio XI, no período pós-Primeira Guerra Mundial. Essa mobilização católica não se restringiu às paredes do Vaticano, mas se tornou uma estratégia para recuperar terreno entre os fiéis.

Nos anos 1960, já sob o pontificado de João XXIII, o movimento ganhou características massivas. Dentro da instituição católica, já se debatia a maior participação dos leigos, o que viria a se efetivar em 1961 com a realização do Concílio Vaticano II, que, entre outras mudanças, acabou com a obrigatoriedade de que as missas fossem rezadas em latim.

Pós-Concílio, organizações como JAC, JEC, JOC, JIC e JUC foram atraindo cada vez mais leigos e levando os debates efervescentes da sociedade para dentro da igreja. Cada uma delas atuava mais diretamente em um setor específico da sociedade, como sugere o nome. No futuro, esses movimentos culminaram na Teologia da Libertação, corrente que teve grande influência na vida política do País.

Os integrantes da JUC, por exemplo, ganharam destaque na União Nacional dos Estudantes (UNE). Por sua vez, a JOC foi bastante influente na criação dos sindicatos de trabalhadores rurais, que se espalharam pelo interior do Estado. Com o advento da Ditadura Cívico-Militar, os movimentos se tornaram uma dor de cabeça tanto para o governo quanto para as autoridades religiosas conservadoras.

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Declaração pós-ditadura

Em abril de 2014, quando o golpe civil-militar completou 50 anos, o Conselho Episcopal Pastoral (Consep) aprovou uma declaração intitulada Por tempos novos, com liberdade e democracia. O texto, assinado pela então presidência da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) alerta as “gerações pós-ditadura para que se mantenham atuantes na defesa do Estado Democrático de Direito.

No documento, a CNBB fala sobre a participação da Igreja durante o regime militar. “Se é verdade que, no início, setores da Igreja apoiaram as movimentações que resultaram na chamada “revolução” com vistas a combater o comunismo, também é verdade que a Igreja não se omitiu diante da repressão tão logo constatou que os métodos usados pelos novos detentores do poder não respeitavam a dignidade da pessoa humana e seus direitos.”

A declaração também recorda os inúmeros brasileiros que participaram da luta pela redemocratização. “Respiramos os ares da liberdade e da democracia. Porém, é necessário superar a injustiça, a desigualdade social, a violência, a corrupção, o descrédito com a política, o desrespeito aos direitos humanos, a tortura… A democracia exige participação constante de todos”, destaca o documento.

Sufocamentos internos

O ano de 1968 chegava ao fim marcado pela força dos movimentos juvenis em boa parte do mundo. Em maio, as ruas de Paris foram tomadas por manifestações que ocuparam fábricas e universidades até culminar em uma greve geral. Nos Estados Unidos, os jovens hippies foram às ruas para se levantar contra a Guerra do Vietnã, ao mesmo tempo em que movimentos negros ganhavam força na luta contra as leis segregacionistas da autoproclamada “maior democracia do planeta”.

Fotos são memórias de Marisa na época da ditadura | abc+



Fotos são memórias de Marisa na época da ditadura

Foto: Arquivo pessoal

Um ano antes da explosão de manifestações ao redor do mundo, o antropofagismo tropicalista já demonstrava que a insatisfação crescente com o regime que comandava o Brasil desde 1964 estava em ebulição. Não demorou para que os ventos de rebeldia e insatisfação juvenil que sopravam no hemisfério norte chegassem às terras abaixo da Linha do Equador. “Era uma época de grandes ideais e idealismos, mas eram os arroubos de adolescentes, em grande parte”, lembra o pastor Martin.

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Em junho de 1968, o centro do Rio de Janeiro foi tomado por manifestantes que saíram às ruas para protestar contra o regime que se dizia provisório, mas já fechava seu quarto ano sem sinais de abertura. Tantos ares de liberdade, fossem na política ou nos movimentos culturais, não ficariam sem resposta dos ditadores. Em dezembro daquele ano, o governo apresentou ao País o Ato Institucional nº 5 (AI-5), que cassou direitos civis da população e proibiu reuniões de pessoas.

A medida atingiu em cheio os grupos JAC, JEC, JOC, JIC e JUC, levando ao fim os movimentos oriundos da Ação Católica ainda naquele ano. Dessa forma, membros da Igreja Católica não hesitaram em seguir os movimentos conservadores, sendo fundamental para abafar os levantes internos. Fundador e ainda presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH), Jair Krischke lembra como boa parte da cúpula católica estava ansiosa para pôr fim àquele incômodo movimento nascido dentro de seus templos. “Foram os próprios bispos que fizeram com que esses movimentos chegassem ao fim”, sentencia Krischke.

Krischke, formado em História pela Universidade Federal do RS, cita como exemplo o que aconteceu com os membros da JOC, que possuíam um prédio doado por organizações alemãs para suas reuniões. “O pessoal da JOC foi brutalmente reprimido e a igreja oficial retirou seu lugar de reuniões”, lembra. O presidente ainda destaca que o espaço sequer era de propriedade da Cúria Metropolitana, ou seja, não pertencia oficialmente à Igreja Católica local.

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Espiões e desconfiança

O AI-5 fez crescer a paranoia dos ditadores, que buscavam inimigos em todos os lugares possíveis. “Quem se preocupa com questões sociais automaticamente vai ser chamado de comunista”, sintetiza o pastor Martin, apontando para a conspiração vigente em tempos de Guerra Fria.

E essa preocupação não se restringia aos grandes centros urbanos. Para criar uma rede ampla de informações, a saída foi fazer de civis espiões a serviço do regime. A estratégia utilizada para não levantar suspeitas em pequenas cidades era usar pessoas já inseridas na comunidade como informantes, fazendo com que os fiéis também rezassem a cartilha do governo.

Foi justamente um desses informantes que transformou o pastor Martin em motivo de preocupação para o Dops da pequena cidade de Montenegro. “Esse informante era o responsável pelo RH do frigorífico Renner de Montenegro e se valia dessa posição para denunciar funcionários da empresa. Ele estava no culto e me denunciou”, relembra o pastor.

Com a ditadura, o exercício da fé passou a ser visto como uma ameaça ao governo. Dentro dos grupos de leigos e religiosos de diferentes denominações, reinava um clima de desconfiança sobre quem poderia estar entregando nomes aos militares. Marisa lembra que, na época da universidade, sempre havia algum aluno estranho, o que gerava receio entre os militantes. “Nunca tive medo de ser torturada, mas de ficar presa, sim. A violência física só não acontecia porque tínhamos a força de pertencemos à universidade e tínhamos o respaldo institucional de estarmos vinculados à igreja”, lembra ela que precisou, inclusive, prestar esclarecimentos aos militares.

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Os motivos que levavam jovens como Marisa a darem explicações ao regime iam de encontro direto à liberdade de expressão. Um dos relatos marcantes foi a publicação de uma edição do jornal Filos, produzido na Faculdade de Filosofia, que distribuiu material considerado “não aprovado” pelo regime ditatorial. “Fomos chamados porque veiculamos textos não autorizados. Lá, éramos tratados com opressão, violência psicológica e repressão, no nosso caso sem violência física. Prevalecia a violência moral”, recorda.

O padre poeta

A paranoia ditatorial somava-se ao que Krischke classifica como um extremo “mau humor”, que colocava pessoas na mira do regime. O presidente do MJDH lembra do caso de um religioso que acabou envolvido em um episódio marcante. “Um religioso fez o curso de Letras na PUC e achava que era poeta. Ele estava no interior por sua congregação e veio a Porto Alegre. Na PUC, havia uma espécie de seminário de poesia, e ele foi. Uma das professoras que lhe havia dado aula o convidou para recitar uma poesia”, conta Krischke.

No palco, o frei franciscano recitou seu poema, cujo um dos versos tratava sobre “a bandeira do Brasil esfarrapada”. O problema é que, na plateia, estava um dos homens do Exército, que não gostou da citação ao símbolo nacional. “Um general não gostou e lá mesmo o admoestou, e o frei foi embora. Cerca de um mês depois, ele voltou a Porto Alegre e estava almoçando com seus irmãos da congregação. Ele saiu, se abaixou próximo a um carro e foi empurrado para dentro. Levaram-no para a Polícia do Exército, e ele acabou na Ilha Presídio. Ele tinha publicado um livro de poesia, que foi recolhido. Não era militante nem tinha envolvimento com política, apenas era metido a poeta.”

Perseguidos e protegidos

Mesmo tendo ingressado na juventude católica na década de 1950, foi a partir de 1964 que Marisa começou a sentir na pele os riscos de lutar por aquilo em que acreditava. “Começamos a ser vigiados, e o bispo Dom Benedito Zorzi fez uma carta para nós e nossas famílias nos nomeando como militantes da Igreja Católica, com o objetivo de nos proteger”, conta.

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Dom Benedito Zorzi (1908-1988) foi o segundo bispo de Caxias do Sul, atuando entre 1952 e 1983. O líder religioso foi um defensor da educação e do conhecimento, sendo um dos principais nomes para alavancar a criação das faculdades de Ciências Econômicas e de Filosofia da Universidade de Caxias do Sul. “Certa vez, fomos chamados para dar depoimento no Dops. Ele ficou sabendo e foi nos defender, pedindo a nossa liberação. O bispo acolheu vários perseguidos políticos”, relembra.

No caso do pastor Martin, o acaso e as relações de uma pequena cidade foram fundamentais para garantir sua segurança após o culto que o colocou como um alvo para o Dops. O culto polêmico em Montenegro chegou aos ouvidos do pastor regional, que, na Igreja Luterana, funciona como uma espécie de bispo regional.

E foi graças a esse pastor que a denúncia contra Martin não teve andamento. “Foi ele que me contou que, em Montenegro, havia um informante e que ele havia me denunciado de imediato para Porto Alegre. Mas, eu tenho um irmão que é coronel na Brigada Militar e esse botou a mão em cima, aparentemente, porque já conhecia o informante”, lembra Martin.

O encontro com o delator

Em uma cidade pequena, é natural que uma denúncia contra um pastor cause um mal-estar entre fiéis. De acordo com Martin, foi tentando evitar isso que a esposa do informante oficial do regime procurou a mãe do pastor. “Na segunda-feira, ela foi visitar a minha mãe e levou um buquê de rosas, pedindo desculpas pelo que tinha feito.”

Uma outra interferência externa, desta vez do pastor oficial da cidade, acabou por aproximar, ao menos por algumas horas, o delator do delatado. “O pároco de Montenegro ficou sabendo do incidente e me pediu que eu fosse visitar e falar com o delator”, conta.

Martin diz não lembrar dos detalhes do encontro com o homem que tentou entregá-lo ao regime ditatorial da época. Mesmo assim, o pastor ainda guarda na memória parte da conversa. “Falei que a minha intenção não tinha sido ofendê-lo, mas o texto previsto para o domingo era aquele. Então, eu disse que o texto requeria que eu falasse dessas coisas. Ele apenas pediu que eu não repetisse isso, porque isso iria colocá-lo em uma situação difícil se não me denunciasse.”

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Tempos depois, o pastor e sua esposa, Walli Dreher, tiveram que encarar mais uma vez a família do informante da ditadura. “Quando foi meu casamento civil, quem dirigiu a cerimônia foi o irmão do denunciante, que era juiz de paz em Montenegro.”

Inspiração para correr riscos

Em meio a esse clima tenso e de eterna desconfiança, é natural questionar o que levava essas pessoas a seguirem um caminho que poderia acabar em prisão arbitrária, tortura e morte. E é justamente na fé que eles explicam os motivos para seguirem em um caminho arriscado. “É papel dos cristãos lutarem pela igualdade. Me lembro da frase do Papa Francisco: prefiro um ateu a um cristão hipócrita. Quem não luta pela superação da desigualdade, pela democracia e pelo direito à diversidade não é cristão. Pois essa não era a visão de Cristo”, afirma Marisa.

Mas, como bem lembra Krischke e reforça o pastor Martin, a luta contra a ditadura não era uma tônica das instituições religiosas. Alguns membros apoiavam o regime, temendo o fantasma comunista. “Foi na Igreja Presbiteriana do Brasil que surgiu o Comando de Caça aos Comunistas (CCC). Vou citar duas vítimas desses comandos: Rubem Alves, o grande pedagogo, que foi pastor presbiteriano e um estudante de teologia. E um que morreu no ano passado, Ziraldo, pai do Menino Maluquinho”, conta Martin.

Quando efetivamente entrou na política partidária, Marisa relata que encontrou um novo espaço para pôr em prática sua fé. “Havia a igreja popular com as Comunidades de Base, a luta pelos Direitos Humanos, as Comissões de Justiça e Paz e a Teologia da Libertação, mas essa igreja avançada foi reduzindo sua força na medida em que a Teologia da Libertação passou a ser questionada e proibida, e assim a instituição expandiu sua força conservadora”, critica.

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Nesse sentido, Marisa e seu grupo lutavam na contramão de uma igreja que caminhava para um tom conservador. “Na nossa Diocese, o Centro de Direitos Humanos, coordenado pelo Pe. Roque Grazziotin e o Centro de Orientação Missionária (COM) fortaleceram o nosso compromisso de cristãos por uma igreja comprometida com a democracia e contra a ditadura”, lembra.

Um dos nomes mais emblemáticos que Marisa já atuou em conjunto é o Bispo Dom Hélder Câmara, que disse a clássica frase: Quando dou comida aos pobres, me chamam de santo. Quando pergunto porque eles são pobres, chamam-me de comunista. “Faço parte de quem criou o Movimento Nacional de Direitos Humanos, e seu grande encontro se deu em Recife na época que Dom Helder era bispo lá”, pondera.

Atualmente, Marisa coordena o Centro de Estudos e Pesquisas de Direitos Humanos, o Fórum de Entidades de Movimento e Pastorais Sociais e a Pastoral da Partilha na paróquia de Lourdes. A ex-deputada estadual acredita que a ala progressista da Igreja Católica perdeu força institucional, mas tem esperança. “A Igreja no Brasil hoje tem o predomínio de uma visão conservadora. Tem católicos que ainda defendem e querem a ditadura, mas tenho esperança que a linha conservadora e fascista das instituições vá perdendo força”, reforça.

Dossiê de religiosos vítimas da ditadura

O cardeal arcebispo de Porto Alegre, Dom Jaime Spengler, recebeu em janeiro deste ano um dossiê sobre religiosos que foram vítimas da ditadura militar no Rio Grande do Sul. O material foi entregue durante uma audiência na Cúria Metropolitana pelo presidente do MJDH, Jair Krischke, que estava acompanhado do jornalista Ademir Wiederkehr, sobrinho do falecido padre Edgar Jotz, preso ilegalmente pelo Dops junto com outros religiosos em 1969, na capital gaúcha.

Na audiência, Jair e Ademir sugeriram ao cardeal, que é o atual presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a criação de uma comissão da verdade para identificar as vítimas da ditadura no âmbito da Igreja, incluindo bispos, padres, freiras, irmãos, leigos, militantes de pastorais e lideranças de comunidades. “O dossiê possui uma série de cópias de depoimentos de padres que estiveram presos nos porões do Dops, além de reportagens publicadas na imprensa, que integram o vasto acervo do MJDH sobre esse período sombrio de prisões ilegais, torturas, mortes e desaparecimentos de brasileiros e brasileiras”, explica Krischke.

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Em 10 de dezembro de 2024, foi instalada a Comissão da Memória e da Verdade na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) para levantar dados sobre os ataques sofridos pela comunidade universitária ao longo da ditadura. Para Krischke, a ditadura perseguiu opositores em todas as frentes. “É preciso manter viva essa memória para que as novas gerações conheçam a verdade dos fatos, a fim de que essa história não se repita nunca mais”, conclui.

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