O trinômio do presidente Lula (por Antônio Carlos de Medeiros)

Lula precisa reconquistar capital simbólico: prestígio acumulado pela representação legítima das aspirações predominantes da sociedade.

Às vésperas das alegorias e dos efeitos simbólicos do carnaval brasileiro, o presidente Lula reinicia a reforma ministerial e, ao mesmo tempo, recebe os resultados ruins da nova pesquisa Genial/Quaest: aumento contínuo da desaprovação ao governo Lula.

Em resumo, a Pesquisa mostra que a desaprovação ultrapassa 60% em SP, MG, RJ, PR, RS e GO. Além disso, tanto na Bahia como em Pernambuco, bases tradicionais do lulo-petismo, a aprovação foi superada pela desaprovação pela primeira vez.

É hora de um freio de arrumação e uma chacoalhada no governo e na Agenda. As respostas, reações e novas medidas e ações não podem ser pontuais, fragmentadas e desarticuladas.

Reitero: é preciso pactuar uma Agenda Mínima com o Congresso. Uma reforma acanhada e uma “nova marca” fabricada pelo marketing não resolvem o problema.

A equação do problema é mais complexa. O presidente Lula está diante do desafio de enfrentar a solução de um trinômio. Este trinômio é formado pelos vértices da governabilidade; da governança; e das expectativas. Vértices dialeticamente imbricados.

A governabilidade depende da formação de uma espécie de nova Frente Ampla que possa ter capacidade política de realizar mudanças e fazer entregas para a população. Sem mudanças e entregas não será possível mudar a percepção dos brasileiros que, de forma crescente, desaprovam o governo.

A distância entre a ação do governo e as percepções do povo é o busílis. Que não se resolve apenas com melhoria na comunicação. Todos já sabemos disso.

A governança depende de uma reforma ministerial, para início de conversa. Mas depende também de uma chacoalhada no governo. É preciso governar o governo.

Começando pela definição de uma Agenda Mínima. É preciso criar um núcleo duro de governo que seja ouvido pelo presidente. É preciso acelerar a reforma do RH do governo. E é preciso acelerar o trabalho de melhoria da qualidade dos gastos.

O governo mantém sérios entraves e “gargalos” no processo decisório e no arcabouço institucional das regras de governança – inclusive a proliferação de órgãos de controle e fiscalização que não conversam entre si e que produzem um cipoal de mecanismos concorrentes e paralelos de controle. Para controlar o Leviatã, produziu-se no Brasil um novo Leviatã.

Os desafios fiscais do Brasil têm raízes estruturais. O nosso patrimonialismo está encrustado no Orçamento Geral da União. Sabemos que a “Nova República” da Constituição de 1988 institucionalizou conquistas democráticas, estabilidade econômica e inclusão social.

Nas sabemos também que a democracia brasileira foi sobrecarregada de obrigações e deu passagem à organização e aceitação de demandas e interesses dos mais diversos setores sociais, que geraram direitos legítimos, mas também privilégios adquiridos.

Ampliou-se o inchaço do Leviatã. O Estado não cabe no PIB. Diminuiu-se a capacidade de entrega do Estado e do governo. Por isto, é preciso governar o governo.

E aí vem o terceiro vértice do trinômio. Refiro-me às expectativas econômicas e políticas. Que estão desancoradas. É esta desancoragem que explica, em parte, a distância entre ações do governo e percepção da sociedade.

A ancoragem das expectativas econômicas, também já constatamos todos, passa pela contenção da inflação e pela melhoria da qualidade dos gastos e contenção da dívida pública. Sem esta ancoragem, não se consegue melhorar a taxa de investimentos privados e a manutenção da curva de crescimento do PIB.

A ancoragem das expectativas políticas passa pela pactuação democrática, em curso, entre os Três Poderes da República para equacionar o problema das Emendas parlamentares. Passa também pela melhoria da articulação política do governo e por um acordo de governabilidade até as eleições de 2026.

Este Acordo tem um nome: Agenda Mínima. Para chegar a 2026.

Eleição e sucessão presidencial é assunto para o final de 2025. Antes é preciso chegar lá, em dezembro. Estamos entrando em março e o Orçamento Geral da União nem foi aprovado ainda. Paralisia decisória a esta altura do campeonato. Jogo de soma zero.

O momento do país é muito difícil e intrincado. O problema da inflação é grave, mas não é a causa de tudo.

A questão da percepção tem também a ver com a aceleração da cosmovisão liberal social no Brasil. Vem daí a necessidade de formação de uma “nova” (?) Frente Ampla. Tal como está até aqui, o governo Lula está desconectado da maioria da sociedade brasileira.

 

*Pós-doutor em Ciência Política pela The London School of Economics and Political Science.    

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