Império Serrano vestiu a alma e desfilou a história

Na alvorada de um domingo de Carnaval, quando o sol tímido despontava no horizonte carioca, a Marquês de Sapucaí testemunhou um espetáculo que transcendeu o brilho das fantasias e a grandiosidade das alegorias. O Império Serrano, mesmo diante de adversidades que poderiam silenciar o mais potente dos tambores, ergueu-se com a majestade de sua coroa verde e branca, provando que a verdadeira essência do samba reside na alma de sua comunidade.

Dias antes do desfile, um incêndio devastador consumiu quase todas as fantasias da escola, ameaçando sua participação no Carnaval. Mas, como a fênix que renasce das cinzas, o Império Serrano transformou a tragédia em uma demonstração de resiliência e paixão. O presidente da escola, em uma fala carregada de emoção, convocou os componentes a buscarem a verdadeira fantasia dentro de si, afirmando que o brilho do desfile viria da alma de cada imperiano que cruzasse a avenida.

E assim foi. Ao som do samba-enredo “O Que Espanta Miséria é Festa”, uma homenagem ao inesquecível compositor Beto Sem Braço, a escola adentrou a Sapucaí com uma energia contagiante. Sem o esplendor habitual das vestes carnavalescas, os integrantes vestiram-se de coragem e amor pelo pavilhão. Cada sorriso, cada passo sincronizado, cada verso entoado era uma declaração de que o Carnaval vive no coração de quem o faz.

A comissão de frente, representando a feira que inspirou tantas composições de Beto Sem Braço, trouxe a simplicidade e a alegria do cotidiano para o asfalto sagrado da avenida. O primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira, Anderson Abreu e Eliza Xavier, dançou com a leveza de quem carrega não apenas um estandarte, mas a história de uma nação. A bateria “Sinfônica do Samba”, sob a batuta do mestre Vitinho, pulsou como o coração da Serrinha, ditando o ritmo de uma comunidade que nunca perde a fé.

Quitéria Chagas brilhou como um farol na Sapucaí, desfilando com a força de uma deusa e a emoção de uma verdadeira imperiana. Sem precisar de excessos, sua presença arrebatadora traduziu a essência do desfile: garra, amor e devoção ao samba.

O público, em êxtase, acompanhou cada momento com palmas e cantos, formando uma só voz com os componentes. A Sapucaí transformou-se em um grande terreiro, onde a celebração da vida e a superação das dificuldades eram os orixás homenageados. A ausência das fantasias tornou-se um detalhe insignificante diante da grandiosidade do espírito imperiano.

Ao final do desfile, quando os primeiros raios de sol iluminavam a passarela, ficou a certeza de que o verdadeiro luxo do Carnaval está na garra e na união de sua gente. O Império Serrano não apenas desfilou; ele ensinou que, mesmo nas adversidades, a festa é a arma mais poderosa contra a miséria da alma. E que, enquanto houver um tamborim e um coração batendo no compasso do samba, o Carnaval jamais perderá sua essência.

Que este desfile entre para os anais da história como o momento em que uma escola de samba mostrou ao mundo que a verdadeira fantasia é aquela que vestimos por dentro, e que nenhuma chama é capaz de apagar o fogo que arde no peito de quem vive o samba. Salve o Império Serrano, gigante pela própria natureza, que nos lembrou que a alma do Carnaval é forjada da paixão de sua comunidade.

Eu estava lá, entre milhares, chorando do início ao fim, testemunhando o máximo da cultura brasileira transformada em resistência – como é o povo de Madureira e da Serrinha. Enfim, o povo brasileiro.

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