Jovem com doença rara mortal passa por 36 médicos antes de diagnóstico

Causada pela mutação em um gene específico, a ataxia de Friedreich (AF) é considerada uma doença rara e estima-se que apenas 15 mil pessoas no mundo vivam com a condição — cerca de 700 delas estão no Brasil, tornando o país o segundo com mais diagnósticos do distúrbio.

Foi por esse número pequeno, mas expressivo, que Renan Treglia, 24 anos, descobriu ter a doença degenerativa. Aos 16 anos, o então adolescente começou a ter sintomas estranhos. Se desequilibrava facilmente, não conseguia carregar um copo de água sem entornar e tinha muita dificuldade para cortar legumes e cozinhar, um de seus hobbies. Os sinais logo evoluíram para tombos constantes.

A ataxia de Friedreich é uma condição neurodegenerativa que reduz a coordenação muscular e motora progressivamente e diminui a expectativa de vida. O distúrbio causa danos progressivos ao sistema nervoso e os sintomas podem evoluir para perda auditiva, problemas de fala e deglutição e deficiência visual. A média de idade de óbito entre pacientes é de apenas 37 anos.

“Após cerca de 11 anos do inícios dos sintomas, esses pacientes vão para a cadeira de rodas e na sequência evoluem com perda também de função dos braços, de controle do tronco. É uma doença que tem um impacto muito significativo na mobilidade e também naturalmente na sobrevida dos pacientes que são afetados”, explica o neurologista Marcondes França Júnior, professor e chefe do setor de neurogenética e neuromuscular do Hospital das Clínicas da Unicamp.

A saga pelo diagnóstico

“Primeiro, procuramos um ortopedista. Nossa suspeita era que um pé quebrado anos antes estava causando o desequilíbrio. Cheguei a fazer um ano de fisioterapia para me ajudar com a marcha, até que o fisioterapeuta nos chamou e disse que o problema devia ser neurológico”, lembra Renan.

Foi aí que começou a saga pelo diagnóstico. Renan e a família procuraram um neurologista, que decretou que o problema era mesmo ortopédico. O ortopedista descartou problemas ósseos, e o encaminhou para outro neurologista. Entre idas e vindas, o jovem se consultou com 36 especialistas.

O caso só caminhou quando a sogra de Renan comentou sobre os sintomas do genro no trabalho e um colega os reconheceu como sendo os mesmos da filha. Giovanna Boscolo tinha sido diagnosticada com a doença e sugeriu que Renan tentasse uma consulta com o neurologista que atendia seu caso.

Em outubro de 2020, um exame genético confirmou o diagnóstico de ataxia de Friedreich no jovem. “Foi um baque muito grande, a gente não acreditava. É uma doença muito rara, meus pais entraram em depressão porque se sentiam culpados. Eu tive muitas crises de ansiedade, de depressão, faço até hoje acompanhamento com psiquiatra. É algo muito difícil para mim”, conta o jovem.

Renan precisou aceitar que alguns planos nunca seriam realizados. O sonho dele era ser piloto de avião: fez o curso para aviões particulares mas, quando estava ingressando no treinamento para piloto comercial, os sintomas se agravaram e foi necessário pausar os estudos para buscar o diagnóstico. “Uma pessoa com ataxia não pode ser piloto. Pensar nisso me afeta muito. Eu tinha planos para o futuro que precisaram ser adaptados”, lamenta.

Imagem mostra homem em cadeira de rodas com uma das mãos segurando um aspirador de pó - Metrópoles
Ataxia de Friedreich: condição neurodegenerativa reduz a coordenação muscular e motora progressivamente

Ataxia de Friedreich: doença rara e complicada

A mutação responsável pela doença atinge um gene que codifica a frataxina, uma proteína que regula o ferro nas mitocôndrias — sem quantidade suficiente da substância, acontece o acúmulo de ferro nas células e um estresse oxidativo que causa a neurodegeneração.

“Em última análise, é uma doença que acontece porque os tecidos são incapazes de produzir energia, e com isso há um processo de desgaste e degeneração. Os tecidos que demandam mais energia são os do sistema nervoso, coração e glândulas em geral. Por isso, são os que mais sofrem nessa doença”, explica França Júnior.

A ataxia de Friedreich não tem cura, e os sintomas vão evoluindo e piorando pouco a pouco. O tratamento disponível atualmente é limitado, e se restringe a medidas de reabilitação, como fisioterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional. Alguns pacientes usam medicamentos para controlar sintomas, como dores, cãibras e espasmos musculares. Mas nada disso atenua o processo de morte dos neurônios.

Hoje, Renan tem dificuldade para caminhar e medo de cair, se apoiando sempre no pai ou na namorada. Ele conta que faz pilates e musculação com uma especialista em exercícios para pessoas com deficiência e, por isso, os sinais não progridem tão rápido quanto em outros pacientes.

“Nas fases mais avançadas da doença, o paciente sofre com dificuldade para respirar por causa de fraqueza das musculaturas respiratórias”, explicou a neurologista Ana Cláudia Pires, do Hospital DF Star, da Rede D’Or, em entrevista anterior ao Metrópoles.

Nova esperança

É complicado desenvolver medicamentos para doenças raras, já que os pacientes são poucos, os médicos não conhecem a condição e a criação de tecnologias demora. Ainda assim, existe um remédio para a ataxia de Friedreich, a omaveloxolona. O medicamento já foi aprovado pelo FDA dos Estados Unidos e está em análise na Anvisa.

“O remédio não é a cura, mas pode estabilizar a doença e até fazer os sintomas retrocederem em dois anos. Para a gente com ataxia, isso é muito. Se estabilizar como estou, já ficaria muito feliz. Caminho com dificuldade, mas consigo seguir a minha rotina”, explica Renan.

França Junior explica que o remédio atua nas mitocôndrias, tentando otimizar a capacidade de produção de energia. Os resultados não são curativos, mas mostram um retardamento da progressão da ataxia de Friedreich.

“É um primeiro medicamento que vai realmente mudar o curso evolutivo da doença. Acho que é um importante passo para essa enfermidade, que até então não tinha tratamento. Representa uma primeira esperança para os pacientes”, garante o especialista.

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