Lei do Feminicídio completa 10 anos com uma morte a cada 2 dias em SP

São Paulo — A Lei do Feminicídio, sancionada pela então presidente Dilma Rousseff (PT), completa 10 anos neste domingo (9/3). Dados da Secretaria da Segurança Pública (SSP), disponíveis de abril de 2015 a janeiro de 2025, mostram que 1.518 mulheres foram vítimas do crime no estado de São Paulo – o que representa uma taxa de uma morte a cada 2,3 dias.

Os anos mais letais são os do último biênio, com 221 feminicídios em 2023, e 253 casos em 2024. Uma dessas vítimas é a empresária Brenda Bulhões, morta a tiros pelo ex-namorado aos 26 anos no dia 29 de novembro do ano passado, no Guarujá, litoral de São Paulo.

Ao Metrópoles, a mãe de Brenda, Elisangela da Silva, 52 anos, relatou a dor de perder a filha para um crime bárbaro.

“É uma tristeza sem fim não ter nossa filha aqui. Não poder escutar o sorriso dela, não poder sentir o abraço dela, porque um homem acha que é possível matar uma pessoa porque ela disse ‘não, não quero mais você’. E aí, a gente volta no século passado, porque a gente não pode dizer não”, disse.

Feminicídio em números

Os números mostram que, ano a ano, os homicídios do tipo estão se tornando mais frequentes. Entre abril e dezembro de 2015, quando os registros começaram a ser feitos, a SSP registrou 38 casos de feminicídio em São Paulo.

A título de comparação, até o fim de janeiro deste ano, ao menos 22 mulheres foram mortas por conta do gênero – ou uma morte a cada 1,4 dia.

Os números da secretaria mostram ainda que a maior parte desses homicídios acontecem dentro de casa – não obrigatoriamente na residência da vítima, conforme mostram os boletins de ocorrência obtidos pela reportagem.

Dos 1.042 casos de feminicídio cometidos entre abril de 2015 e dezembro de 2022, 668 (64,1%) ocorreram dentro de casa.

Os dados também mostram que 4 em cada 10 mulheres vítimas de homicídio em decorrência do gênero em SP são pardas e pretas.

Dos mesmos 1.042 casos de feminicídio cometidos entre abril de 2015 e dezembro de 2022, 353 vitimaram mulheres pardas; 67 eram mulheres pretas e 579 eram mulheres brancas. A porcentagem de pardas e pretas é de 40,3%.

A SSP não disponibiliza informações detalhadas sobre o local do crime ou a raça da vítima entre os anos de 2023 e 2025. Um pedido sobre esses dados foi feito, via Lei de Acesso à Informação (LAI), mas não houve resposta até a última atualização desta reportagem.

Subnotificação

A advogada Tatiana Naumann, especialista em casos de violência doméstica e familiar contra a mulher e membro da comissão de Direito das Mulheres do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), alerta para uma subnotificação dos casos de violência de gênero.

“Muitas vezes, as mulheres têm medo do agressor ou têm uma dependência econômica, ou, em muitos casos, não têm conhecimento sobre o que é um crime e o que não é. Acham que a hipótese dela não vai ser concedida a uma medida protetiva, por exemplo. Algumas coisas levam a esse panorama”, disse.

Por isso, para a especialista, os números reais podem ser maiores dos que os apresentados oficialmente.

Recrudescimento da lei

Ao mesmo tempo, na visão da advogada, o recente recrudescimento da lei tem potencial para amedrontar e inibir os agressores. Em outubro de 2024, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou uma lei que endurece a pena para quem cometer o crime de feminicídio. Agora, a prisão pode ser de até 40 anos.

“A gente chama de caráter repressivo do direito penal, que é o agressor ter medo daquele crime, da prisão, das consequências do crime. Então, nesse particular, essa lei é muito eficaz, porque aumentou muito a pena”, avalia.

Tatiana lembra que, antes da Lei Maria da Penha, que condena crimes de violência doméstica, os casos de violência contra mulher eram considerados como “de menor potencial ofensivo”. “Muitas vezes tinha a penalidade apenas de cesta básica”, afirmou.

O efeito das medidas protetivas

Assim como os casos de feminicídio, a concessão de medidas protetivas em SP também vem aumentando ao longo dos anos.

Segundo o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), foram concedidas 103.519 medidas protetivas no estado apenas ano passado, o que representa uma elevação de 860% em relação a 2015.

As medidas são dispositivos da Lei Maria da Penha e servem para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar. Com isso, preveniriam também casos de feminicídio. No entanto, em muitos casos, esse mecanismo não é suficiente.

Morta na frente de casa

A cozinheira Elaine Domenes de Castro foi morta aos 53 anos, na última quarta (5/3), na frente do prédio em que morava com os filhos, em Campos Elíseos, na região central de São Paulo.

O assassino, identificado como Rogério Benedito Gonçalves e indicado à polícia pela filha mais velha da vítima, também era um ex-companheiro que não aceitava o fim do relacionamento.

A jovem lembra da mudança no comportamento da mãe após o início do namoro. “Ela sempre foi muito trabalhadora, estava sempre sorrindo e brincando, era difícil ver ela triste ou para baixo. Até que ela conheceu o Rogério”, disse Bianca Domenes Tintel ao Metrópoles.

Ao tentar terminar o namoro, Elaine passou a ser sumariamente ameaçada. Ele ameaçava principalmente matar os quatro filhos da mulher caso ela não aceitasse reatar a relação. Por conta dessas ameaças, a cozinheira passou a se mostrar sempre triste e preocupada. “Ela sofria muito calada para nos proteger”, disse a filha da vítima.

Após ser agredida fisicamente, Elaine pediu uma medida protetiva de urgência, que foi concedida pela Justiça. O fato, no entanto, não coibiu Rogerio, que matou a ex-companheira com um tiro na nuca.

“Ele insistia para ela tirar o BO [boletim de ocorrência]”, disse Bianca. “O medo de perder um dos filhos era maior. Tenho certeza que se um de nós tivesse morrido, ela não suportaria carregar essa culpa”.

Importância de denunciar

Apesar disso, Tatiana estimula que as mulheres denunciem as ameaças, agressões e perseguições praticadas.

Ela recomenda, especialmente, que a vítima vá acompanhada de uma advogada à delegacia, visto que muitos registros são feitos por policiais homens, o que pode coibir o registro da violência.

A especialista aponta ainda a importância de manter registradas as provas de agressão, ameaça e perseguição – sejam e-mails, mensagens, fotos e gravações.

Com medida protetiva de urgência concedida, Tatiana destaca que é fundamental denunciar qualquer tipo de descumprimento.

“Se ele estiver no local, tem que ligar 190 para ele ser preso no local mesmo. Se ele deixou o local, [é preciso] fazer um registro de ocorrência e informar o descumprimento de medida protetiva. Nesse caso, ele [também] vai preso”, disse a advogada.


Como denunciar violência contra mulher

  • Casos de violência contra mulher devem ser denunciados através do disque 180.
  • O Ministério Público de São Paulo (MPSP) possui a Ouvidoria das Mulheres, com opções de denúncia identificada, sigilosa e anônima.
  • O Portal de Atendimento SP156, da Prefeitura de São Paulo, recebe denúncias através do disque 156 e do chatbot no WhatsApp, por meio do telefone (11) 3230-5156.
  • O aplicativo SP Mulher Segura, disponível para os sistemas iOS e Android, reúne monitoramento de agressores, registro de ocorrências e botão do pânico para mulheres com medidas protetivas vigentes.
  • Em todo o estado, existem 141 Delegacias de Defesa da Mulher (DDMs) territoriais, além de delegacias com plantão policial com salas DDM e um portal online, com funcionamento 24 horas.
  • A Cabine Lilás é um serviço exclusivo da Polícia Militar para atendimento de mulheres vítimas de violência doméstica ou familiar. Essas cabines funcionam dentro do Centro de Operações da Polícia Militar (Copom), com atendimento feito exclusivamente por policiais femininas. A triagem é feita pelo 190.
  • A Casa da Mulher oferece atendimento psicossocial, socioassistencial e jurídico para mulheres em situação de violência em todas as suas formas (psicológica, moral, patrimonial, física ou sexual). Há casas em todas as regiões da capital paulista.
  • O Posto Avançado, na cidade de São Paulo, oferece atendimentos e possíveis encaminhamentos à rede de enfrentamento à violência contra a mulher. Há postos nas estações Santa Cecília (Linha 3 Vermelha) e Luz (Linha 1 Azul), além do terminal de ônibus Sacomã.
  • A Casa da Mulher Brasileira, também na cidade de São Paulo (Rua Vieira Ravasco, 26, Cambuci), atende 24 horas por dia e oferece serviços integrais e humanizados para mulheres em situação de violência.

 

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