“Impacto de zerar imposto de importação de alimentos será mínimo”, diz Matheus Dias

Na tentativa de conter a escalada dos preços dos alimentos, o governo federal anunciou, na última semana, a isenção do imposto de importação sobre produtos como carne, café, açúcar e milho. A medida tem como objetivo reduzir os custos desses itens e aliviar o impacto na inflação, especialmente sobre a cesta básica. No entanto, especialistas demonstraram ceticismo quanto à eficácia dessa estratégia.

O economista Matheus Dias, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre), avalia que a isenção terá um efeito reduzido sobre os preços internos. “Praticamente nenhum dos itens beneficiados é efetivamente importado”, diz. A exemplo disso, ele cita que o Brasil já é um dos maiores produtores mundiais de carnes e café, o que torna a medida pouco relevante. 

Além disso, a questão tributária também gerou reações entre os governadores. Durante o anúncio da isenção de imposto de importação, o vice-presidente Geraldo Alckmin fez um apelo para que os estados sigam pelo mesmo caminho e zerem o Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre itens da cesta básica. 

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O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, rebateu afirmando que o estado já havia zerado o imposto para diversos produtos essenciais desde o início de sua gestão. Outros governadores também se manifestaram, como Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul, reforçou que a isenção já existe para as famílias mais vulneráveis. 

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Para o economista da FGV, a falta de adesão dos estados à proposta do governo federal reduz ainda mais o alcance da medida. Isso porque muitos estados dependem do ICMS como principal fonte de receita e enfrentam dificuldades fiscais, o que dificulta a adoção da isenção ampla.

Junto à resistência política, há ainda dúvidas sobre os impactos reais da isenção tributária. Dias explica que a alta dos alimentos está ligada a fatores mais complexos, como o câmbio e o custo logístico. 

“No ano passado, tivemos um choque cambial significativo, com o dólar chegando a R$ 6 no início deste ano, o que influenciou os preços dos alimentos.”

— Matheus Dias, economista do FGV Ibre

O economista também destaca o custo dos combustíveis e a infraestrutura precária como elementos que encarecem a distribuição dos produtos no Brasil. Por isso, ele defende que soluções mais eficazes para conter a inflação dos alimentos precisam ir além da isenção de tributos — como medidas estruturais, incluindo investimentos em tecnologia agrícola para minimizar os impactos climáticos nas safras e melhorias na logística de transporte para reduzir os custos de distribuição. 

A seguir, confira a entrevista completa do InfoMoney com Matheus Dias, em que ele detalha sua análise sobre o impacto da isenção do imposto de importação e os desafios para o combate à inflação dos alimentos.

Matheus Dias, economista do FGV Ibre. (Foto: Divulgação/FGV)

InfoMoney: Entre os itens da cesta básica isentos do imposto de importação, todos eles são importados e terão os preços impactos?

Matheus Dias: Praticamente nenhum deles é efetivamente importado. Então, acredito que, de imediato, o impacto sobre os preços internos será mínimo.

Se analisarmos detalhadamente os itens da cesta básica que tiveram isenção ou redução de alíquota, vemos que há carnes, tanto bovina quanto de frango. Ainda não temos esse detalhamento por código de importação, mas sabemos que essas carnes são produzidas internamente em grande escala, o suficiente para abastecer o mercado consumidor interno e ainda assim permitir exportações. O Brasil, inclusive, é um grande exportador de proteínas.

Com relação ao café, o país está entre os três maiores produtores do mundo. Não consigo imaginar de onde importaríamos esse produto de forma que uma redução de alíquota de importação compensasse para reduzir preços internos. Ao analisar a lista dos produtos beneficiados, percebemos que nenhum deles é importado de forma significativa a ponto de impactar os preços no mercado interno.

Portanto, acredito que essa medida seja muito limitada no que diz respeito ao controle de preços. A pauta de importações do Brasil, quando isolamos apenas o setor agropecuário, representa menos de 5% do total importado pelo país. Isso já demonstra o quão restrita é essa iniciativa em termos de impacto na redução de preços.

IM: A inflação dos alimentos é tido como o “calcanhar de Aquiles” do governo Lula 3. Uma medida como essa tem força para segurar o preço da comida?

MD: Não, porque o principal vetor de aumento não é o imposto de importação, e sim outros fatores. Temos, principalmente, questões climáticas, além do câmbio, dependendo do tipo de produto. Isso é ainda mais relevante quando falamos de commodities cotadas no mercado internacional, frequentemente em dólar, o que gera impacto direto nos preços.

Vale lembrar que, no ano passado, tivemos um choque cambial significativo, com o dólar chegando a R$ 6 no início deste ano, o que influenciou os preços dos alimentos. Além disso, há outros fatores como logística e custo dos combustíveis, que também compõem o preço final dos produtos.

Portanto, essa questão não se resume apenas ao imposto de importação. Existem variáveis muito mais relevantes a serem consideradas na avaliação da pressão sobre os preços.

IM: Alguns governadores se posicionaram contra a medida, e já anunciaram que não irão reduzir o ICMS desses produtos. Sem esse acordo, a medida surtirá efeito para os consumidores?

MD: Em relação à medida do governo, o pedido é para que os estados colaborem com a redução do ICMS. No entanto, há algumas questões envolvidas. Primeiro, alguns estados já praticam ICMS reduzido para itens da cesta básica. Além disso, muitos estados produtores de alimentos, que poderiam se beneficiar de um maior recadastramento de ICMS proveniente da produção agrícola, são os mesmos que enfrentam dificuldades fiscais.

Temos, por exemplo, o Rio Grande do Sul e Minas Gerais, que enfrentam desafios financeiros e, ao mesmo tempo, são grandes produtores de alimentos. Não se espera que esses estados adotem a medida. Em um panorama nacional, muitos estados dependem do ICMS como principal fonte de receita, o que torna difícil imaginar uma adesão ampla. A medida pode ter um impacto significativo na arrecadação e agravar ainda mais a situação fiscal desses estados.

IM: Pode haver algum “efeito colateral” com a isenção do imposto de importação? E em relação aos estados, cuja arrecadação vem do ICMS?

MD: Muitos estados já aplicam alíquotas reduzidas de ICMS para itens da cesta básica. Como essas alíquotas já são relativamente baixas em comparação com outros produtos alimentícios e não alimentícios, uma redução adicional teria um impacto pequeno. Além disso, os principais fatores que impactam os preços não são necessariamente os impostos, sejam eles de importação ou o próprio ICMS.

IM: São apenas os impostos que estão tornando a alimentação do brasileiro mais cara?

MD: Os impostos, como o de importação e o ICMS, não são os grandes vilões, embora tenham um peso no preço final. Outros fatores têm um impacto muito maior.

A alta dos custos no campo, por exemplo, afeta diretamente os alimentos. Insumos como ração e fertilizantes ficaram mais caros, elevando os custos de produção. Além disso, problemas climáticos reduzem a oferta, e uma menor disponibilidade de alimentos pressiona os preços.

O câmbio também é um fator importante, especialmente para commodities cotadas no mercado internacional. No ano passado, tivemos um choque cambial significativo, com o dólar chegando a R$ 6 no início deste ano, o que influenciou os preços dos alimentos.

Além disso, há questões logísticas. O Brasil, sendo um país de dimensões continentais, tem altos custos de transporte. O preço dos combustíveis e a falta de infraestrutura adequada encarecem a movimentação dos produtos. Tudo isso afeta o preço final dos alimentos.

IM: Existe alguma outra saída para que, por meio de decisões políticas, o preço dos alimentos básicos comece a cair?

MD: O impacto que sentimos agora é resultado de fatores que ocorreram no passado. Eventos climáticos de 2023 e 2024 dificultaram a produção de alimentos e ainda estamos sentindo os efeitos. A forte desvalorização do real no último ano também teve reflexos nos preços. Embora tenhamos visto uma valorização recente, com o dólar em torno de R$ 5,80, o patamar ainda é elevado se comparado a dois anos atrás, quando a moeda estava abaixo de R$ 5.

Para que os preços caiam ou tenham menos impacto no futuro, são necessárias medidas de longo prazo. É preciso fortalecer a produção interna, investindo em inovações que tornem as safras mais resistentes a eventos climáticos adversos e pragas.

Melhorias na infraestrutura de transporte podem reduzir os custos de distribuição, tornando os alimentos mais acessíveis para os consumidores. Por isso, medidas estruturais são a chave para reduzir a volatilidade dos preços no futuro.

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