Quem é o delegado afastado do Deic que tem patrimônio milionário

São Paulo — O ex-diretor do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) Fábio Pinheiro Lopes (foto em destaque) conseguiu blindar cerca de R$ 10 milhões em fazendas, outros imóveis e capital integralizado em dinheiro usando uma empresa de sociedade anônima após ser alvo de um inquérito originado a partir da delação de Vinícius Gritzbach.

Fábio Caipira, como é conhecido, tem mais de 30 anos de Polícia Civil e acumulou patrimônio milionário com serviços de segurança privada a empresas e empresários.

O delegado está afastado de suas funções desde o último dia 20 de dezembro. Ele foi citado por Gritzbach em setembro de 2024, em depoimento no âmbito de sua delação premiada, como um dos delegados para quem teria pago propinas por meio de um advogado que se apresentou como intermediário.

Gritzbach foi executado em novembro de 2024, no terminal de desembarque do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos.

Patrimônio milionário

Foram investigações no Ministério Público e na Corregedoria da Polícia Civil de São Paulo na década passada que revelaram o patrimônio milionário do delegado.

Tudo começou porque Caipira se defendeu e matou dois bandidos armados que iriam assaltá-lo no estacionamento de um supermercado, quando ele estava com um Camaro de R$ 198 mil, em 2012. O inquérito foi aberto para investigar a possibilidade de patrimônio incompatível com o cargo de delegado, que, à época, tinha salário de R$ 9 mil.

Um relatório do Conselho de Controle de Atividade Financeira (Coaf) mostrou que Caipira movimentou R$ 600 mil em espécie para a empresa de outro policial para quem prestava serviços. A empresa chegou a ser um grande player da área de segurança privada e a ter faturamento de mais de R$ 300 milhões anuais.

A empresa afirmou a investigadores que Caipira apenas havia auxiliado no transporte de valores que faziam parte de um adiantamento de suas despesas mensais. Seu dono disse que o delegado da Polícia Civil paulista dava consultoria na área de segurança.

Em outro detalhe da investigação, a mãe do delegado afirmou, em declaração enviada à Promotoria, que havia sido encarregada de lavrar a escritura de uma fazenda que seria vendida por seu filho e que, como o comprador pagou em dinheiro vivo, ela acabou depositando R$ 110 mil em espécie na conta de Caipira.

A apuração sobre o patrimônio de Caipira foi arquivada pelo MPSP em 2024. O Banco Central (BC) e outras instituições financeiras levaram anos para enviar os dados do sigilo bancário do delegado, o que fez a investigação se arrastar por mais de uma década. A Secretaria de Segurança Pública (SSP) afirmou ao Metrópoles que os procedimentos relativos ao caso foram arquivados na esfera disciplinar.

Imóveis blindados

O delegado e sua mulher eram sócios da Santa Helena Participações Limitada, uma empresa de administração de bens pessoais. Em maio de 2024, o casal integralizou ao capital da empresa quatro fazendas em São Paulo e Mato Grosso do Sul, um apartamento e uma vaga de garagem cujos valores somados chegam a R$ 9,4 milhões. Outros R$ 985 mil foram integralizados em dinheiro.

No dia 15 de janeiro, o delegado e sua esposa se retiraram da sociedade da Santa Helena e transferiram todo o capital em dinheiro e imóveis para a S.H. Participações Sociedade Anônima. Nesta modalidade de empresa, os sócios ficam ocultos. Em seu cadastro, a S.H. tem como diretor o filho de Caipira.

Segundo a documentação da empresa, Caipira e sua mulher “expressamente concordam” com a “cessão e transferência das quotas cedidas, renunciando expressamente a qualquer direito de preferência”. O documento foi assinado no dia 17 de dezembro, e o registro na Junta Comercial de São Paulo, feito em 14 de janeiro deste ano.

A blindagem de patrimônio com uso de empresas SA é comum no mundo empresarial, em casos nos quais sócios de empresas tentam se esquivar de bloqueios de bens decorrentes de cobranças de dívidas. Já entre políticos e autoridades públicas, a prática costuma ser utilizada para evitar confiscos em eventuais decisões judiciais envolvendo ações de improbidade administrativa ou penais.

Delação de Gritzbach

Caipira foi afastado do Deic no dia 20 de dezembro de 2024. Ele era chefe do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) quando foi iniciada a investigação sobre a morte do traficante do Primeiro Comando da Capital (PCC) Anselmo Santa Fausta, o Cara Preta, da qual Gritzbach (galeria de fotos) era acusado de ser mandante.

10 imagens

Gritzbach chegou a ser preso, mas acabou liberado

Segundo o Ministério Público de São Paulo (MPSP), Gritzbach teria mandado matar dois integrantes do PCC
O delator do PCC foi preso em 2 de fevereiro deste ano em um resort de luxo na Bahia
Empresário, preso sob suspeita de mandar matar integrantes do PCC, foi solto por determinação do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
Corpo de rival do PCC executado no aeroporto
1 de 10

Antônio Vinícius Lopes Gritzbach voltava de uma viagem com a namorada quando foi executado na tarde de 8 de novembro, na área de desembarque do Terminal 2 do Aeroporto Internacional de São Paulo

Câmera Record/Reprodução

2 de 10

Gritzbach chegou a ser preso, mas acabou liberado

TV Band/Reprodução

3 de 10

Segundo o Ministério Público de São Paulo (MPSP), Gritzbach teria mandado matar dois integrantes do PCC

Reprodução/TV Band

4 de 10

O delator do PCC foi preso em 2 de fevereiro deste ano em um resort de luxo na Bahia

Reprodução/TV Band

5 de 10

Empresário, preso sob suspeita de mandar matar integrantes do PCC, foi solto por determinação do Superior Tribunal de Justiça (STJ)

Divulgação

6 de 10

Corpo de rival do PCC executado no aeroporto

Leonardo Amaro/ Metrópoles

7 de 10

Corpo de rival do PCC morto em desembarque de aeroporto

Leonardo Amaro/ Metrópoles

8 de 10

Delator do PCC foi morto no Aeroporto de Guarulhos

Reprodução

9 de 10

Corpo de rival do PCC morto em desembarque de aeroporto

Reprodução

10 de 10

Reprodução

Executado em frente ao aeroporto de Guarulhos, em novembro de 2024, o delator negava a participação no homicídio, mas assumiu ter lavado milhões de reais em apartamentos para o traficante. Ele disse ter sido extorquido por policiais que investigaram o caso. Um delegado e dois agentes foram indiciados pela Polícia Federal (PF) e denunciados pelo Ministério Público paulista (MPSP).

No caso de Caipira, Gritzbach afirmou que o advogado Ramsés Benjamin Samuel Costa Gonçalves teria se apresentado como uma pessoa com interlocução com o chefe do Deic e dito que, se ele efetuasse o pagamento de R$ 5 milhões em propina, seu passaporte seria devolvido. O delator afirmou ter transferido o valor por meio de dois apartamentos e mais R$ 300 mil em transações bancárias.

A investigação tem lacunas e depoimentos que contradizem o delator. O advogado negou o tráfico de influência, e Gritzbach não entregou documentos de corroboração ou indícios que levem diretamente a Caipira. O caso é investigado pela Procuradoria-Geral de Justiça do MPSP por causa da citação do deputado estadual Delegado Olim (PP).

O que diz Caipira

Procurado pela reportagem, o delegado Fabio Caipira negou relação entre a movimentação na empresa e a investigação do caso Gritzbach. Ele afirma que a movimentação para integralizar o capital na empresa começou desde 2023, antes de sua citação pelo delator do PCC.

À época em que foi afastado do cargo, Caipira disse que conversou com o secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite, após a decisão do afastamento. Segundo o diretor do Deic, Derrite sabe que ele é inocente.

“O Derrite sabe que eu não estou envolvido no caso. O secretário disse que isso era o maior absurdo, a maior injustiça do mundo, mas o governador, por cautela, parece que também iria afastar a corregedora, achou melhor me afastar junto. Só que eu tenho uma história, eu tenho família. O cara vai me jogar num negócio desse? Eu não culpo o governador. Mas, infelizmente, um absurdo acabou virando notícia. Estou puto, me sentindo injustiçado”, afirmou Caipira na Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.