“Velho normal”: empresas pressionam por trabalho presencial 5 anos após a pandemia

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Quando a pandemia da Covid-19 foi decretada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o mundo mergulhou em um experimento inédito: o trabalho remoto em larga escala. Naquele momento, a maioria das empresas se viu obrigada a enviar seus funcionários para casa, enquanto especialistas previam que o chamado “novo normal” havia chegado para ficar. Porém, exatos cinco anos depois, o que se observa é uma tendência de retorno ao “velho normal”.

Agora, as empresas estão resgatando o modelo 100% presencial ou ajustando a fórmula híbrida, com mais dias no escritório. Segundo a Pesquisa de Tendências 2025, realizada pela Catho, 69% das companhias brasileiras pretendem manter o regime totalmente presencial neste ano. 

O número representa um crescimento de 7,3 pontos percentuais em relação ao ano anterior, reforçando uma virada de chave no mercado de trabalho nacional. A justificativa mais comum para essa decisão? Produtividade e fortalecimento da cultura corporativa.

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A gerente sênior de Recursos Humanos da Catho, Carolina Tzanno, destaca que ainda impera uma crença de que o trabalho presencial facilita a interação entre os colaboradores, permitindo a troca de ideias e a resolução de problemas de forma mais ágil. 

“Quando a produtividade está diretamente ligada à colaboração, o presencial se torna o modelo ideal.”

— Carolina Tzanno, gerente sênior de Recursos Humanos da Catho

A busca pelo equilíbrio 

Ainda que o discurso da produtividade prevaleça entre as empresas, especialistas alertam que o retorno ao presencial tem nuances complexas. Raphael Henrique, gerente regional para América Latina do Top Employers Institute, aponta que o movimento global não necessariamente busca extinguir o remoto, mas sim ajustar o modelo híbrido.

Segundo ele, 85% das empresas brasileiras certificadas pelo instituto já possuem políticas formais sobre o modelo de trabalho — deixando claras suas regras em relação ao presencial, remoto ou híbrido. No entanto, houve uma redução daquelas que permitem home office em tempo integral, enquanto aumentou o grupo que permite apenas um ou dois dias de trabalho remoto por semana. 

Em 2023, 25% das empresas permitiam quatro ou cinco dias de trabalho remoto por semana, mas esse percentual caiu para 20% em 2025. Já o grupo que estabelece somente um ou dois dias de home office aumentou de 35% para 40%.

Segundo Henrique, os números confirmam uma tendência de ajuste no formato de trabalho, com as empresas equilibrando os dias presenciais e remotos. No entanto, ele frisa que a produtividade depende do tipo de cargo e do setor. 

“Muitas empresas implementaram práticas e plataformas para minimizar esses desafios e criar uma experiência mais uniforme para os funcionários. No entanto, questões como rotatividade, engajamento e comunicação ainda são pontos de atenção.”

— Raphael Henrique, gerente regional para América Latina do Top Employers Institute

Mas, além da produtividade, existe a percepção de que o contato físico facilita a troca, a colaboração e a resolução de problemas com mais agilidade. 

A gerente sênior de RH da Catho lembra que, mesmo antes de a pandemia ter sido decretada, muitos escritórios passaram por grandes investimentos nos últimos anos, tornando-se espaços atrativos aos funcionários. “Há empresas com áreas de descompressão, academias e até cabeleireiros”, diz Carolina.

Mas… e a qualidade de vida?

Se de um lado o argumento das empresas gira em torno da produtividade, o dos funcionários vai na direção oposta: qualidade de vida, tempo com a família e menor desgaste físico e mental. 

“O deslocamento diário para o trabalho não é apenas perda de tempo, mas um fator que impacta diretamente o bem-estar dos colaboradores”, alerta Eliane Aere (Lia), presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos de São Paulo (ABRH-SP). Segundo ela, as empresas que não compreenderem essa mudança podem perder talentos para organizações mais flexíveis.

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A pesquisa da Catho confirma esse risco. Embora o presencial esteja crescendo, o trabalho remoto continua sendo uma vantagem estratégica para retenção de talentos, especialmente entre profissionais que valorizam o equilíbrio entre vida pessoal e profissional. 

Vale dizer, ainda, que a geração Z, em especial, tem impulsionado essa transformação: mais do que salários altos, esses profissionais priorizam bem-estar, propósito e participação ativa nas decisões. 

Por isso, os especialistas ouvidos pelo InfoMoney frisam que, se o trabalho 100% presencial não fizer sentido para os planos de um profissional, que “tira” parte do tempo dele apenas para chegar ao escritório, as chances são altas de ele partir para outra oportunidade que seja mais compatível com o seu ideal.

Home office ainda é tabu para algumas lideranças

Por outro lado, há lideranças que ainda encaram esse modelo com desconfiança. Para Antônio André Neto, professor de MBAs da Fundação Getulio Vargas (FGV) e sócio-diretor da Meu Contador Prime, o home office pode funcionar bem em empresas de tecnologia, mas, para funções como RH, financeiro e comercial, por exemplo, a interação física ainda é indispensável.

“No ambiente corporativo, as interações presenciais são essenciais para fortalecer a cultura da empresa, estimular a criatividade e facilitar a resolução de problemas. Muitas das grandes inovações surgem de conversas informais.”

— Antônio André Neto, professor de MBAs da FGV e sócio-diretor da Meu Contador Prime

Sua empresa, que conta com 135 funcionários em Santo André, no ABC paulista, voltou ao modelo 100% presencial, desde que a vacinação contra o coronavírus contemplou todos os colaboradores. Por lá, o híbrido não é regra, mas pode acontecer de um colaborador trabalhar de casa de vez em quando, caso haja um motivo justificável.

No entanto, Neto também critica a cultura das reuniões virtuais excessivas — que, segundo ele, são reflexo de lideranças despreparadas e inseguras. “Estão mais preocupadas em ‘mostrar trabalho’ do que em acompanhar resultados efetivos.”

Volta ao presencial e os limites logísticos (e geográficos)

Só que mesmo que haja interesse no retorno ao escritório, nem todas as empresas estão prontas. Durante a pandemia, muitos espaços físicos foram reduzidos ou readequados, dificultando o retorno de todos os funcionários simultaneamente. Não à toa, algumas empresas precisam recorrer a softwares de reserva de estações de trabalho e escalas presenciais para organizar os times.

Junto a isso, há um novo comportamento urbano que reflete a adoção do modelo híbrido. Dados da Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo (CET-SP) mostram que os maiores congestionamentos hoje acontecem às terças, quartas e quintas-feiras — os dias preferidos para reuniões presenciais. Às sextas-feiras, em contrapartida, ficaram vazias nos escritórios. 

Para a presidente da ABRH-SP, esse movimento mostra que o híbrido já está incorporado na logística das cidades. Inclusive, Lia frisa que o formato ajuda a reduzir a pressão sobre o meio ambiente, causada pelos deslocamentos até os escritórios.

“Quanto mais carros e transporte público lotado nas ruas, maior é a pegada de carbono das cidades. Grandes centros urbanos sofrem com congestionamentos recordes e poluição atmosférica”

— Lia Aere, presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos de São Paulo

Além disso, a volta de modelos completamente presenciais, embora favoreça a inovação por meio de conversas espontâneas, compromete a diversidade de perspectivas ao restringir a participação de perfis diversos. A necessidade de estar fisicamente nos escritórios pode comprometer quem tem dificuldades na mobilidade física ou que foram contratadas estando em outras cidades (ou mesmo estados). 

Segundo a gerente de RH da Catho, o home office ampliou a diversidade física e geográfica nas contratações. “Permitiu a inclusão de profissionais de diferentes regiões e pessoas com deficiência, que poderiam enfrentar dificuldades de deslocamento”, diz Carolina. 

O futuro do trabalho é adaptável

Mesmo diante de divergências, ainda há um consenso entre os especialistas: o futuro do trabalho será híbrido e adaptável. Dados da pesquisa “O Cenário do RH no Brasil”, da ABRH, reforçam essa perspectiva. 

Isso porque 46,2% das empresas já adotam o híbrido, enquanto apenas 7,3% mantêm o remoto integral. Além disso, práticas como segurança e bem-estar dos colaboradores, cultura organizacional e avaliação de desempenho seguem como prioridades nas estratégias de RH.

Já em relação às empresas certificadas pelo Top Employers Institute, muitas já oferecem autonomia para os funcionários gerenciarem sua jornada de trabalho. No Brasil, 31% permitem essa flexibilidade, um crescimento de 4% nos últimos três anos. Em um cenário global, esse percentual sobe para 51%. 

“No entanto, a autonomia sempre vem acompanhada da necessidade de medir desempenho e resultados, garantindo que a produtividade seja mantida”, diz Raphael Henrique, gerente regional para América Latina.

Isso porque os desafios não são pequenos, indo desde infraestrutura física, inclusão digital, lideranças despreparadas e dificuldade em engajar equipes híbridas. Para a presidente da ABRH-SP, superar esses desafios exige um setor de Recursos Humanos mais estratégico. 

“É necessário equilibrar desempenho e bem-estar, mantendo a inclusão como prioridade. Empresas que enxergam o trabalho híbrido dessa forma estarão melhor preparadas para o futuro”, aponta Lia.

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