Trump aos olhos de Tarcísio (por Marcos Magalhães)

“Lute, lute, lute” – essas eram as três palavras, escritas em inglês, que acompanhavam uma foto de Donald Trump no palanque em que o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, renovou seu apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro, no domingo, em Copacabana.

Para ele, não é novidade. Tarcísio não hesitou em colocar sobre a cabeça um boné da campanha de Trump de 2024, em que o agora novamente presidente dos Estados Unidos prometia fazer a “América grande novamente”.

Mas agora é diferente. Por um lado, o bilionário americano já começa a mostrar o que entende por uma grande América. Por outro, o governador do estado mais rico do país começa a se aproximar da cabeceira da pista em direção a um voo presidencial.

No palanque em defesa de Bolsonaro, tremulavam as mesmas bandeiras de listras e estrelas que sempre estiveram em seus comícios, junto a bandeiras de Israel e do Brasil, além das camisas amarelas e do discurso em defesa do patriotismo (qual?).

Parece que nada aconteceu nesses pouco mais de dois meses da nova administração em Washington. E, no entanto, o mundo está quase de cabeça para baixo. Da economia à geopolítica, Trump parece disposto a não deixar pedra sobre pedra do que o precedeu.

Por isso, a bem da transparência política aqui ao lado de baixo do Equador, convém fazer algumas perguntas a Tarcísio. Seria interessante conhecer as respostas de quem é apontado como virtual candidato das elites econômicas a presidente da República, em 2026.

Vale começar pela economia. Trump anunciou altas tarifas a dois países da América do Norte com os quais compartilha uma área de livre comércio – Canadá e México. Ameaça também impor altas taxas a produtos europeus, como o vinho.

Pode sobrar também para o Brasil. O comércio bilateral tem crescido bastante, e alcançou US$ 80,9 bilhões em 2024. Pela primeira vez as exportações brasileiras chegaram a US$ 40,3 bilhões. Houve praticamente um empare na balança comercial.

Trump, porém, já andou reclamando que o Brasil impõe muitas tarifas às exportações dos Estados Unidos, deixando o país de sobreaviso. A principal preocupação é com as exportações de produtos industriais, responsáveis por 78% do total vendido aos EUA.

Então surge a primeira pergunta: como reagiria Tarcísio, caso venha a ser eleito presidente, se Trump vier a impor altas tarifas às exportações brasileiras?

Segundo o boné usado pelo governador, o presidente dos Estados Unidos quer fazer a “América grande novamente”, por meio de tarifas a outros países. Inclusive o Brasil.

Outra pergunta diz respeito à política externa. Já no início do governo, Trump fraturou a aliança ocidental e fez duras críticas a países europeus, como França e Alemanha.

Por outro lado, ignorou a Ucrânia e estendeu a mão ao presidente da Rússia, Vladimir Putin, em nome do fim da guerra de que já dura mais de dois anos na Europa Oriental.

Nos principais países europeus, a reação tem sido de perplexidade. Pelas palavras de Trump e de seu vice, J.D. Vance, eles percebem que os dois lados do Atlântico têm, agora, visões bem diferentes do que sejam os valores ocidentais.

O Brasil seguiria a rota de Trump, caso Tarcísio se torne presidente? Ele endossaria, por exemplo, os movimentos de Vance em defesa da extrema-direita europeia, saudosa dos tempos do nazismo? Ou permaneceria fiel à defesa da democracia e dos direitos humanos, segundo determina a tradição europeia?

Vance tem sido ponta de lança na guerra cultural promovida por Trump em seu início de mandato, com ameaças a manifestações e investigações de universidades que promovem ações afirmativas de raça ou gênero.

Valeria o exemplo para o Brasil? Ou, em outras palavras, as universidades brasileiras precisariam, desde já, se preocupar com uma onda de perseguição como não se vê desde o fim do regime militar?

Ainda é preciso lembrar o desmonte do Estado americano promovido pelo principal assessor do novo presidente americano – o megamilionário Elon Musk. Os cortes já atingiram inclusive a ajuda dos Estados Unidos aos países mais pobres do planeta. Algo a ser elogiado?

Por fim, um pequeno exercício de futurologia. Poucos momentos serão mais importantes para o Brasil, neste ano, como a realização da conferência sobre o clima, a COP 30, em Belém do Pará. O sucesso da iniciativa seria fundamental para a diplomacia brasileira.

Uma das maiores ameaças a esse sucesso, porém, será o comportamento da delegação dos Estados Unidos. Agora mais uma vez sob influência negacionista, Washington dificilmente vai patrocinar um acordo contra a mudança climática.

Trump gosta de frases com verbos repetidos. “Drill, baby, drill”, diz ele quando quer estimular a busca pelo velho petróleo, apesar das ameaças ao planeta. “Fight, fight, fight”, pede aos seguidores quando quer apoio a suas propostas.

Os cidadãos dos Estados Unidos já sabem pelo que querem lutar os simpatizantes de Donald Trump. O que precisamos saber agora é como poderão se comportar, uma vez no poder, os seguidores entusiasmados nos trópicos do imprudente presidente americano.

 

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.

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