O raio salva-vidas dos carros

Estamos acostumados a ouvir falar de raios como causadores de óbitos, em especial nas tempestades do verão que terminou ontem. Mas há um raio que salva-vidas, o raio de rolagem, uma das medidas da geometria de direção de todos os carros. O desenho mostra o que é o raio de rolagem (scrub radius em inglês). O tipo de raio de rolagem de efeito benéfico é o negativo.

O raio de rolagem dos carros é a distância entre o prolongamento imaginário do eixo de direção, em torno do qual a roda esterça, e o ponto de contato do pneu no solo. O desenho mostra isso bem. Sua importância é influir diretamente no comportamento dos carros.

Chamo-o de salva-vidas porque foi ele que resolveu um sério problema do freio dos carros quando este, por motivo de segurança, passou a ter dois circuitos hidráulicos a partir de meados dos anos 1960. Antes era um circuito para os quatro freios e isso significava que uma falha hidráulica causava perda repentina e completa dos freios acionados pelo pedal.

Acontece que o carro ter dois circuitos hidráulicos, independentes, um circuito dianteiro e outro traseiro, só resolveu o problema em parte. Se o veículo perdesse os freios traseiros, problema menor, já que os freios mais importantes de qualquer carro são os dianteiros. Mas perder esses freios é desastre quase certo, pois além de aumentar muito a distância de parada, há a tendência de o carro rodar, fazer o que se chama de cavalo de pau.

A solução para esse problema veio dispondo os dois circuitos hidráulicos em diagonal, um para uma roda dianteira com uma traseira diagonalmente oposta, outro ao inverso. Desse modo, falha hidráulica num dos circuitos garantiria freio numa roda dianteira.

Só que essa solução tinha um efeito colateral. A puxada de direção para o lado da roda freada seria muito forte, difícil de controlar. O remédio veio com o “salva-vidas”, o raio de rolagem negativo, surgido pela primeira vez no Audi 60 em 1965, logo depois da Volkswagen adquirir, da Daimler-Benz, a Auto Union. Há quem diga que a primazia do raio de rolagem negativo de rolagem cabe ao Oldsmobile Toronado de 1966, mas o importante aqui não é discutir ou apurar a história, mas o benefício proporcionado pelo raio de rolagem negativo.

A solução permitiu que, mesmo que só uma roda dianteira, em conjunto com a roda traseira diagonalmente oposta, freasse, o carro freava reto, sem tendências perigosas. O efeito do raio de rolagem negativo anulava totalmente a assimetria da força de frenagem numa só roda dianteira.

Fica mais fácil entender o efeito do raio de rolagem se, num carro qualquer, soltarmos um dos terminais da barra de direção na manga de eixo e empurrarmos o carro. Se a roda esterçar por si só para fora é porque o raio de rolagem e positivo. Se ela “fechar”, o raio de rolagem é negativo.

No Brasil, o raio negativo de rolagem chegou com o Volkswagen Passat em junho de 1974, fazendo par com o duplo-circuito hidráulico dos freios em diagonal. Eu testei a segurança esvaziando completamente um dos circuitos, simulando uma falha hidráulica, e fiz várias freadas fortes em alta velocidade. O carro não desviava.1 mm sequer.

A única diferença era o curso do pedal de freio maior que o normal, característica de todo cilindro-mestre duplo quando ocorre falha hidráulica num dos circuitos. Que todos tenham ciência disso e não se apavorem se ao pressionar o pedal de freio ele baixar um pouco, pois o carro continua a ter freio, embora com metade da sua eficiência.

Lembrete importante: sendo o raio de rolagem uma medida, ela se altera caso as rodas sejam trocadas por outras de características diferentes que mudem o ponto de contato dos pneus com o solo, alterando ou mesmo anulando essa medida. Os especialistas em rodas conhecem esse importante aspecto chamado off-set da roda.

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