“Todos os dias antes de dormir, eu enterro a Pri”, diz Jovita Belfort

O desaparecimento de Priscila Belfort, irmã do ex-lutador de MMA Vitor Belfort, é um dos casos que ilustram o sofrimento dos familiares das mais de 700 mil pessoas que estão desaparecidas no Brasil. Em entrevista ao Metrópoles, Jovita Belfort conta sua trajetória ao longo dos 21 anos de procura pela filha.


Sobre o caso

  • Priscila Belfort desapareceu no dia 9 de janeiro de 2004, após sair para almoçar no centro do Rio de Janeiro.
  • Familiares alegam falhas na investigação.
  • Até hoje o caso segue sem solução.
  • O documentário Volta Priscila foi lançado recentemente em uma plataforma de streaming.

Priscila Vieira Belfort, atualmente com 50 anos, está desaparecida desde os 29 anos e é um dos casos que não só chocou o Brasil, mas que impulsionou mudanças na forma em que as autoridades e o Estado lidam com os inúmeros desaparecimentos que ocorrem por dia. A mãe, Jovita Belfort, conta que, analisando a evolução dos últimos anos, na época do sumiço da filha a polícia não conseguiria resolver o caso.

“A gente não tinha nenhuma ONG e nenhuma política expressiva. A gente tinha no Rio de Janeiro um pequeno grupo dentro do homicídio que trabalhava com essa questão de desaparecimento e busca de paradeiro, mas ela [a unidade] não tinha nem veículo próprio, ela ficava a mercê de sobrar algum veículo do grupo de homicídios”, lembra.

Jovita se apegou a mudar a realidade de outras famílias que vivem o mesmo tormento. Hoje ela faz parte da Coordenação de Desaparecidos, órgão subordinado à Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos, responsável pela implementação de programas para a diminuição do número de pessoas desaparecidas no estado do Rio de Janeiro.

No entanto, ela explica que nem sempre sua trajetória foi assim, assolada pela dor do desaparecimento da filha. Jovita conta que chegou a ouvir do filho, bicampeão do UFC, a frase que marcou seu coração. “Mãe, você não sabe o que é ser órfão de pais vivos. Você está morta, mas eu estou vivo, você tem netos”.

“Aquilo ficou ecoando na minha mente, no meu coração. Então, eu decidi que estava na hora e aquela era a minha missão. Estava na hora de levar isso para as pessoas verem e escutarem o que a minha e diversas outras famílias vivem.”

Ao longo desses 21 anos ela conta que já pensou em todas as possibilidades do paradeiro da filha, e que todas as manhãs é um recomeço da luta. “Toda a noite quando eu vou dormir, eu enterro a Pri. E de manhã eu tenho que desenterrá-la para ter força, para ter esperança e para buscá-la”.

Umas das lutas compradas por ela foi a criação da delegacia especializada em desaparecidos no Rio. “Começamos pela delegacia especializada, porque sem ela não vem as outras coisas. A primeira coisa que você pensa e faz é um boletim de ocorrência quando seu filho desaparece, mas para uma mãe entrar numa delegacia de homicídios, enquanto que você tem a esperança de encontrar seu filho vivo, é completamente desumano”.

Desaparecimento e especulações

Jovita relembra os momentos de desespero dos dias que sucederam o desaparecimento da filha e afirma que a cada especulação aumentava a angústia. “A peregrinação que dura até hoje começou quando ligaram e pediram um resgate para liberar ela. Desse momento em diante, por ter sido uma investigação muito midiática, subimos morros, surgia uma cabeça e um corpo que poderia ser dela… A suposta assassina confessa…”.

Uma das mágoas que ela carrega das investigações é o fato de umas das especulações girarem em torno de uma dívida de drogas. Jovita alega que a filha nunca foi envolvida com drogas, e que falta na mídia a explicação de que essa hipótese surgiu por uma dívida do namorado.

“Na época, só foi visto uma linha, a do tráfico. A vida da Priscila não foi especulada. Antes de desaparecer, ela estava na casa do namorado há mais de 20 dias. Se você me perguntar, como é que foi a vida da Priscila 20 dias antes, eu não sei te dizer. Eu sei o que aconteceu dentro da minha casa, quando ela voltou depois do réveillon, já meia desiludida com o namorado. Eles já estavam meio brigados, e segundo ela, ali já tinha terminado o namoro”, lembra Jovita.

Sobre a hipótese do aborto, ela afirma que a filha jamais tomaria essa decisão sem comunicar as amigas. “Eu tenho casos de pessoas que desapareceram em clínicas clandestinas. As pessoas enterram para não existir registro do crime, mas ela jamais faria nada sozinha sem a presença das amigas”, acredita a mãe

Esperança

O que motiva Jovita todos os dias é saber que em cada mãe que encontra seu filho desaparecido, é um pouco da Priscila que volta.  Ela conta que, a cada avanço nas políticas públicas em prol dos desaparecidos, sente-se motivada em continuar a luta.

Jovita explica que esperar a morte é natural, porque faz parte da vida. Mas o desaparecimento, ninguém espera. “Faz parte da vida a morte, mas desaparecer não. Se fala muito em terrorismo, mas uma família de desaparecido vive com esse terrorismo diário. Imagina por um instante se a pessoa que você mais ama na vida simplesmente some e não aparece mais?”.

“Lógico que, se eu posso escolher o fim da história, eu vou escolher ela viva, mas eu quero uma resposta, inclusive dela morta. Porque aí eu vou dormir sem pensar onde ela está, sem pensar no que aconteceu, se ela está comendo, se ela está bebendo, se ela tá sentindo frio, se ela tem sapato…. É tanta coisa, a minha cabeça vai descansar, o meu corpo vai descansar, meu fígado, meu pâncreas, meu coração, isso tudo vai descansar.”

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