Gaza: por que não se chama genocídio a um genocídio?(por Ana Sá Lopes)

O número foi “atualizado” este domingo: 50 mil mortos em Gaza. Netanyahu prossegue o genocídio, quebrando o cessar-fogo em nome da sua sobrevivência política agora com um aval superior: Donald Trump já promete limpar a Faixa de Gaza e fazer dali “a Riviera” e dá a luz verde total ao criminoso israelita para a extinção dos palestinos.

A “nova Europa” – França, Reino Unido e Alemanha – fez um comunicado onde se mostrou “chocada” com o ressurgimento dos ataques a Gaza. Mas não irá além disso, como o não foi o Conselho Europeu reunido na semana passada: todo e qualquer opositor da política do governo israelita será acusado de “antissemitismo”. As palavras são sempre cuidadosamente medidas.

Afinal, Keir Starmer expurgou do Partido Trabalhista todos os que se opunham à política do Estado de Israel – como o antigo líder trabalhista Jeremy Corbyn, reeleito nas últimas eleições pela sua circunscrição londrina como independente.

A Palestina está no fim da cadeia alimentar da possibilidade de empatia internacional. Choramos pela Ucrânia, mas depois já não sobra nada para Gaza. É como se existisse uma desumanização dos palestinos que, aos olhos do Ocidente, são olhados como há dois séculos se olhavam os escravos.

O que Trump defende é exatamente o mesmo que o ministro da Segurança de Israel, Ben Gvir, de extrema-direita – que saiu e agora, com o regresso dos ataques, reentrou no Governo. É uma Faixa de Gaza sem palestinos, seja por migração ou por extermínio, como se está a ver.

Várias agências da ONU e algumas ONG, como a Amnistia Internacional, já se referiram ao que se está a passar em Gaza como um “genocídio”. Até o Papa Francisco, num livro publicado no fim de 2024, alude à palavra “genocídio”, sem a decretar expressamente. Mas Francisco afirmou ser preciso apurar se a mortandade em Gaza “tem as características de um genocídio” e “se enquadra na definição técnica formulada por juristas e organismos internacionais”. E, ao mesmo tempo, fala do extermínio dos judeus pelos nazis, o genocídio dos arménios, o genocídio do Ruanda e dos cristãos no Médio Oriente.

Se Joe Biden sempre apoiou Israel e descartou todas estas acusações, Donald Trump eleva a discussão sobre Israel-Gaza para um novo patamar, instituindo um novo McCarthismo, nome cunhado depois do senador Joseph McCarthy denunciar uma “rede de espiões e membros do Partido Comunista” no Departamento de Estado, tendo sido corresponsável pelas perseguições a uma quantidade enorme de “suspeitos de comunismo” em todas as áreas, da cultura à política, nos anos 50 nos Estados Unidos.

Tendo em conta que, para Trump, defender a Palestina e combater a política de guerra de Israel é igual a defender o Hamas e os atos terroristas contra israelitas, a perseguição e a deportação dos imigrantes acusados de “apoiar terroristas estrangeiros” já está em curso. Mahmoud Khalil, defensor dos direitos dos palestinos, foi preso e, apesar de ter residência permanente nos Estados Unidos e de a sua mulher ser cidadã americana, Trump diz que a presença de Khalil nos Estados Unidos “é contrária aos interesses nacionais e política externa” do país. Há outros cidadãos ameaçados de deportação.

Omer Bartov, por enquanto, não é um deles. Nascido e criado em Israel, antigo combatente nas forças armadas israelitas, especialista em Holocausto e genocídio, o historiador escreveu no verão passado no The Guardian um ensaio sobre como o perturbou a sua última visita a Israel, em 2024, onde foi ver a família e amigos e conhecer a neta.

Omer Bartov – que, depois do 7 de outubro, tinha negado que Israel estivesse a cometer genocídio – escreveu nesse texto: “Já não acredito nisso. Fiquei convencido que, depois do ataque a Rafah em 6 de maio de 2024, não é possível negar que Israel comete crimes de guerra, crimes contra a Humanidade e ações genocidas.”

A comunidade internacional, ao optar por não ver o que se está a passar, é obviamente cúmplice. Trump já sabemos que é.

(Transcrito do PÚBLICO)

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