Caso Vitória: defesa diz que Maicol foi coagido a confessar. Ouça

São Paulo — Dois dias depois do interrogatório, em áudio gravado pela defesa de Maicol Santos — único preso acusado de cometer o crime que matou Vitória Regina –, o jovem alega que foi coagido por um delegado a admitir a autoria do assassinato da adolescente em Cajamar, região metropolitana de São Paulo.

Na confissão, Maicol afirmou ter matado Vitória a facadas pois ela queria revelar o envolvimento de ambos à esposa dele. Ele também admitiu ter agido sozinho. Porém, para a defesa, ele diz que foi coagido a confessar sob ameaça de que os policiais envolveriam a esposa e os familiares dele no crime.

“Eles me chamaram na sala lá em cima e falaram que iam me ferrar de qualquer jeito. Falaram que iam colocar minha mãe na cena do crime, minha esposa, minha família toda se eu não ajudasse. Ai eu inventei uma história e falei pra ele [delegado] que fui eu, pra me livrar e livrar minha família”, afirma na gravação.

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Maicol também alegou que um policial chegou a prendê-lo em um banheiro “sujo”, já que ele “não queria cooperar”. Na gravação, o suspeito afirma não saber o nome do delegado.

A defesa afirma que o áudio foi gravado momentos antes da transferência dele da delegacia de Cajamar para o sistema prisional de Guarulhos. A confissão aconteceu após Maicol ter sido detido, fato que também é questionado por seus advogados.

Reconstituição

A Polícia Civil de Cajamar afirmou na tarde dessa segunda-feira (24/3) que irá fazer uma reconstituição da morte de Vitória Regina de Souza, de 17 anos, para “esclarecer todas as circunstâncias em que o crime ocorreu”.

Os advogados que defendem Maicol questionam o agendamento de uma perícia psiquiátrica do cliente, que foi solicitado pelo delegado responsável pelo caso. Em nota publicada nas redes sociais, o advogado Flávio Ubirajara afirmou “questionar veementemente a conduta adotada pelo delegado que, sem ordem judicial, agendou a realização de uma perícia psiquiátrica”.

Ubirajara questiona ainda as circunstâncias envolvidas na confissão. “A ausência de advogados constituídos no ato, a realização da oitiva durante o período de repouso noturno e a coação psicológica sofrida e relatada pelo investigado são elementos que não podem ser ignorados”, afirma.


A morte de Vitória

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Vitória Regina

Vitória em festa de formatura
Vitória Regina de Souza, de 17 anos
Jovem desapareceu em Cajamar, na região metropolitana de SP
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Corpo de Vitória Regina de Souza, 17, foi encontrado com sinais de tortura e decapitado em Cajamar (SP). Polícia ouviu 14 pessoas envolvidas

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Jovem desapareceu em Cajamar, na região metropolitana de SP

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  • Vitória Regina de Souza, de 17 anos, foi encontrada decapitada e com sinais de tortura na tarde do dia 5 de março, em uma área rural de Cajamar, na Grande São Paulo. Ela estava desaparecida desde o dia 26 de fevereiro, quando voltava do trabalho.
  • Em nota, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) afirmou que o corpo estava em avançado estado de decomposição. A família reconheceu o corpo por conta das tatuagens no braço e na perna e um piercing no umbigo.
  • Imagens de câmeras de segurança mostram a jovem chegando a um ponto de ônibus no dia 26 de fevereiro e, posteriormente, entrando no transporte público. Antes de entrar no coletivo, a adolescente enviou áudios para uma amiga nos quais relatou a abordagem de homens suspeitos em um carro, enquanto ela estava no ponto de ônibus.
  • Nos prints da conversa, a adolescente afirma que outros dois homens estavam no mesmo ponto de ônibus e que lhe causavam medo. Em seguida, ela entra no ônibus e diz que os dois subiram junto com ela no transporte público — e um sentou atrás dela.
  • Por fim, Vitória desce do transporte público e caminha em direção a sua casa, em uma área rural de Cajamar. No caminho, ela enviou um último áudio para a amiga, dizendo que os dois não haviam descido junto com ela. “Ta de boaça”. Foi o último sinal de Vitória com vida.

Confissão de Maicol

Um vídeo obtido pelo Metrópoles mostra depoimento de Maicol à polícia. Nas imagens, ele é questionado por policiais e descreve como deixou o corpo da jovem, que foi encontrado em uma área de mata, após seis dias de buscas. O suspeito afirma se sentir ameaçado pelos detentos e pelo “pessoal lá fora”.

Maicol ainda nega ter raspado ou arrancado os cabelos de Vitória e supõe que, devido ao estado de decomposição do corpo, alguém deva ter arrastado a jovem e, consequentemente, arrancado o couro cabeludo. Ele também negou qualquer envolvimento com facções criminosas — no início da investigação, as autoridades policiais suspeitaram que o crime tivesse ligação com integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC).

As primeiras informações sobre a confissão de Maicol surgiram no dia 17 de março, quando autoridades policiais e da Secretaria da Segurança Pública (SSP) informaram jornalistas sobre a admissão do crime pelo suspeito. Naquele momento, o relato de Maicol ainda não havia sido formalizado.

Diante da suposta sinalização de que Maicol pretendia confessar, a defesa foi chamada à Delegacia Seccional de Franco da Rocha para acompanhar o procedimento. Os advogados afirmaram que foram impedidos de conversar com o cliente e que Maicol não havia confessado o crime.

A defesa, então, acionou a secção de Cajamar da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que enviou representantes ao local. Diante de jornalistas, na porta da delegacia, o presidente da OAB Cajamar, Rafael Adriano da Rocha, negou que tenha havido irregularidades no procedimento, mas garantiu que, até aquele momento, não havia ocorrido a confissão por parte de Maicol.

“Com relação às questões meritórias ao inquérito, não estamos autorizados a passar qualquer tipo de informação. A única questão que nos foi autorizado é que não houve qualquer tipo de confissão”, disse Rafael Adriano, por volta das 20h. Em entrevista coletiva, concedida na manhã do dia seguinte, 18 de março, os delegados Fabio Cenachi, de Cajamar, e Luiz Carlos do Carmo, diretor do Demacro, disseram que a confissão teria ocorrido durante a madrugada, após os advogados de Maicol deixarem a delegacia.

Segundo a polícia, a defesa “abandonou” o cliente como uma manobra para tentar evitar a confissão, já que o investigado precisaria estar acompanhado de um advogado para que o interrogatório fosse validado.

Diante disso, o delegado Fabio Cenachi, responsável pela investigação, teria chamado uma advogada da própria OAB para acompanhar a oitiva.

“A polícia também não pode estar suscetível a manobras da defesa. Se, de repente, ele sabe que aquela peça que vai ser produzida, vai colidir com a linha de defesa apontada, o que faço eu? Viro as costas, vou embora e abandono o réu. Nós estamos suscetíveis a isso. Eu não posso deixá-lo desassistido, mas eu posso sim nomear um advogado, que chama ‘Ad hoc’ [para isto], para o ato. Foi o que eu fiz”, disse Cenachi na ocasião.

Ouvida pela reportagem, a advogada que acompanhou o depoimento de Maicol afirma que conversou com o preso em uma sala reservada e que, na sequência, ele confessou o crime espontaneamente.

Os advogados de Maicol dizem que somente na última quinta-feira (20/3) conseguiram conversar com o cliente. Além disso, a equipe de defesa afirmou ao Metrópoles que “provavelmente” irá pedir a anulação da confissão.

Pedido de habeas corpus

A defesa de Maicol pediu um habeas corpus à Justiça para que o cliente responda às acusações em liberdade. No pedido, os advogados pontuaram o que consideraram mentirosos nos depoimentos de outros investigados no caso, como o fato de Gustavo Vinícius — ex-namorado da jovem — ter dito que não via Vitória havia meses, sendo que, por meio de rastreios telefônicos, a polícia teria apontado a presença dele próximo à vítima.

Além disso, os advogados reforçam que Maicol se apresentou espontaneamente à delegacia e ofereceu seu veículo para ser periciado por três vezes, conduta que, segundo a defesa, não foi levada em consideração pela autoridade policial.

Ainda segundo os defensores, Maicol tem residência fixa, emprego e é réu primário. Eles dizem que nenhuma das testemunhas citou algum tipo de ameaça por parte do investigado e que ele só foi considerado “um suspeito, pois, algumas testemunhas, após verem os noticiários, começaram a elucubrar sobre o ocorrido”.

Por essas argumentações, os advogados acreditam que a prisão de Maicol é dispensável.

Segundo o processo obtido pela reportagem, o juiz João Augusto Garcia, da 5ª Câmara de Direito Criminal, foi designado como relator da solicitação. O caso tramita em segredo de Justiça e caráter de urgência para análise do pedido em liminar.

“Reafirmamos que o devido processo legal deve ser respeitado em sua integralidade. A Constituição Federal e os tratados internacionais de direitos humanos não admitem procedimentos que violem direitos individuais e comprometam a busca pela verdade real. Seguimos vigilantes e adotaremos todas as medidas cabíveis para garantir que Maicol Antônio Sales dos Santos tenha um julgamento justo, sem vícios processuais ou arbitrariedades”, diz a defesa do suspeito.

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