São Paulo – A Represa Billings celebra 100 anos nesta quinta-feira (27/3). A data marca o centenário da autorização que permitiu que a empresa Light represasse parte dos rios da Grande São Paulo para gerar energia com a construção da Usina Henry Borden, na Serra do Mar.
Hoje, a usina é responsável por fornecer luz mensalmente a quase 4,27 milhões de casas e a Billings tem capacidade para armazenar 1,2 bilhão de m³ de água, segundo a Empresa Metropolitana de Águas e Energia (EMAE).
O centenário da história da represa acontece, no entanto, em meio à luta da população que vive ao redor do reservatório pela preservação das águas e do seu entorno.
Os vizinhos da represa reclamam das toneladas de lixo e esgoto presentes na Billings, criticam a cor esverdeada da água e o cheiro forte de esgoto, que embrulha o estômago em trechos como o do Mar Paulista, no bairro Pedreira, zona sul de São Paulo.
Os loteamentos clandestinos, que desmatam áreas verdes ao redor do reservatório, e as favelas em que moradores não têm acesso ao saneamento básico são outros problemas na região.
Para combater a poluição das águas e o desmatamento ao redor da represa, os vizinhos da Billings se tornaram verdadeiros guardiões do reservatório nos últimos anos, com iniciativas que vão desde o plantio de mudas e projetos de conscientização ambiental até ações judiciais para cobrar órgãos e governos pelo cuidado com a gigante das águas na zona sul.
Meninos da Billings
Uiara de Sousa Dias, de 45 anos, é uma das protetoras do reservatório no Parque Residencial Cocaia, bairro do Grajaú, zona sul da capital. Ela preside a organização Meninos da Billings, que promove turismo, esporte e educação ambiental na represa. A ONG foi criada, em 2014, por Ferruge, marido de Uiara que morreu assassinado, em 2022.
Agora à frente da ONG, ela organiza passeios com crianças de escolas da região e explica, ao lado do colega e vice-presidente da ONG, William da Silva, a importância do descarte correto do lixo para evitar a degradação da Billings.
Nesta quarta-feira (26/3), o grupo promoveu um mutirão de limpeza no local com estudantes da Escola Estadual Eurípedes Simões de Paula. Centenas de materiais plásticos, resíduos de metal e vidro foram retirados das margens da represa. “A gente sempre faz as ações e sempre tem lixo”, conta Uiara.
A ativista afirma, no entanto, que parte considerável dos resíduos não foi jogada ali por moradores do bairro. “Não é só a comunidade, tem grandes empresas [que descartam irregularmente], tem muita gente responsável”.
União no Jardim Apurá
Em outro braço da Billings, no Jardim Apurá, também na capital, vizinhos da represa se uniram para proteger as margens do reservatório, plantando árvores entre a água e o limite da rua. A ação ajuda a preservar e evita que os terrenos sejam alvo de loteamentos clandestinos — que se espalharam pelo bairro nos últimos anos.
Nas cercas construídas ao redor das árvores plantadas, placas sinalizam a quem passa por ali que o espaço não é lugar para lixo.
A comunidade também se engajou para que pessoas mais vulneráveis que viviam rente ao corpo d’água pudessem ter acesso à moradia em locais adequados. Também buscou a criação do chamado Parque dos Búfalos — em um terreno onde fincaram, por conta própria, 10 mil mudas de árvores –, e criou um grupo de brigadistas para combater as queimadas que volta e meia aparecem nas áreas verdes vizinhas à represa.
Wesley Silvestre, 37 anos, é um dos nomes que lideram as ações, por meio da oëkobr, organização dedicada à conscientização ambiental e ao desenvolvimento sociocultural do bairro.
Ele diz que a região do Jardim Apurá é uma das mais afetadas pela poluição na represa, por causa da proximidade com o Rio Pinheiros, que joga água suja na Billings. “Essa mancha de poluição se estende por cinco quilômetros”.
O líder comunitário culpa o estado pela situação do território e questiona a falta de ação para combater os loteamentos clandestinos que crescem aos montes. “Se a gente estivesse nos anos 1990, era uma coisa. Hoje, tem até drone para fiscalizar”, disse Wesley, que trabalha há mais de uma década em busca de soluções para o bairro.
Guardião de quatro décadas
Na cidade de Diadema, a poucos quilômetros dali, Virgílio Alcides de Farias, de 70 anos, é outro que briga há tempos pela represa. Há 40 anos, ele ajudou a fundar o Movimento em Defesa da Vida do Grande ABC, que atua pela preservação da Billings e a conscientização ambiental dos moradores.
“Infelizmente, aquilo que a gente dizia em 1985, a gente continua dizendo até agora”, afirma.
Para questionar os responsáveis pela poluição, o ativista até voltou à escola. “De tanto receber resposta que eu achava que tava errada, mas não tinha competência para dizer, fui estudar”. Da escola, ele passou para a faculdade de Direito e terminou com uma pós-graduação em Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Questões Climáticas. Hoje, se define como advogado ambientalista.
Ele diz que os governos precisam cumprir com a lei, que já prevê a conservação dos mananciais, e devem recuperar a vegetação perdida, investindo também em educação ambiental para as próximas gerações.
“A legislação [ambiental], que é ótima, os gestores públicos simplesmente ignoram”. Nesta quinta (27/3), Virgilio entregará uma carta para autoridades na Câmara Municipal de Diadema para cobrar providências para a preservação da Billings.
Também nesta quinta, o documentarista Felipe Cabello, de 39 anos, lança um filme sobre a história da represa. Morador de São Bernardo do Campo, outra cidade banhada pela represa, Felipe costumava pescar na Billings com os avós quando era criança. Foi só mais tarde, quando começou a trabalhar em emissoras de TV, que o cineasta conheceu melhor os problemas do reservatório.
No documentário “Billings 100 Anos”, ele conta como a represa surgiu, conversa com especialistas sobre a situação atual e provoca uma reflexão sobre o que serão os próximos cem anos do reservatório.

Para ele, é preciso entender a história para provocar as mudanças. “A gente precisa olhar para a represa com outros olhos”, diz. O documentarista repete a fala dos outros moradores ouvidos pela reportagem. Para Felipe e os demais, a população como um todo precisa entender a importância da Billings e preservá-la.
“Os próximos 100 anos dependem de nós. A gente precisa conhecer e cuidar para que a represa possa viver outro centenário”, diz Felipe. O lançamento do filme sobre a história da Billings acontece no Teatro Elis Regina, em São Bernardo do Campo, às 19h. A sessão é gratuita.