Dívidas milionárias desafiam novas gestões em Canoas, Novo Hamburgo e São Leopoldo

Com novos gestores eleitos sob a promessa de mudança e crítica às administrações anteriores, Canoas, Novo Hamburgo e São Leopoldo enfrentam desafios financeiros significativos. Segundo os atuais administradores, as três maiores cidades da região acumulam dívidas expressivas, mas com diferenças substanciais entre os valores informados.

Canoas, a maior delas, apresenta um quadro crítico, enquanto Novo Hamburgo e São Leopoldo, cidades irmãs em tamanho populacional e história, também lidam com altos débitos com diferenças significativas entre elas. As abordagens para enfrentar essa realidade, no entanto, variam de acordo com cada gestão.

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Prefeito de Novo Hamburgo, Gustavo Finck, decretou calamidade financeira no dia 19 de março | abc+



Prefeito de Novo Hamburgo, Gustavo Finck, decretou calamidade financeira no dia 19 de março

Foto: Dário Gonçalves/GES-Especial

Novo Hamburgo

Em Novo Hamburgo, a gestão atual, sob comando do prefeito Gustavo Finck (PP), afirma ter herdado uma dívida que chega perto de R$ 200 milhões, com um déficit particularmente grave na saúde. Para enfrentar esse quadro, a administração decretou estado de calamidade financeira por seis meses, com o objetivo de ajustar o orçamento e garantir a continuidade dos serviços essenciais.

Em uma análise mais aprofundada, a Prefeitura de Novo Hamburgo revela que a principal parte da dívida está concentrada na área da saúde, com R$ 56 milhões em débitos, além de R$ 117,5 milhões de obrigações financeiras a curto prazo. Outros setores como Meio Ambiente (R$ 10 milhões), Desenvolvimento Social (R$ 4 milhões), Transporte Coletivo (R$ 3 milhões) e Cultura (R$ 1,7 milhão) também enfrentam dificuldades financeiras.

“A soma dos valores chega a cifra de R$ 152 milhões. Quando é diminuído o valor de R$ 35 milhões da educação (verba Fundeb que estava em caixa da última gestão), chegamos aos R$ 117.581.866,99. Este valor está apontado no Tribunal de Contas do Estado (TCE) como insuficiência financeira”, informa a Prefeitura, salientando ainda não foram totalmente apurados valores das secretarias de Desenvolvimento Econômico; de Obras Públicas e Infraestrutura e de Esporte e Lazer.

A previsão de arrecadação de R$ 2 bilhões para o ano de 2025 foi considerada superestimada pela administração atual, que projeta uma receita real de R$ 1,4 bilhão, levando em conta os cortes e a insuficiência financeira já apontada pelos órgãos de controle, como o Tribunal de Contas do Estado (TCE).

O decreto de calamidade financeira permite à prefeitura suspender despesas e renegociar pagamentos, além de buscar o apoio de esferas superiores do governo. O prefeito Gustavo Finck tem intensificado o diálogo com o governador Eduardo Leite e com representantes federais para conseguir mais repasses financeiros e tentar reverter o quadro.

Ex-prefeita critica gestão atual e o decreto de calamidade

A ex-prefeita de Novo Hamburgo, Fátima Daudt (MDB), contesta as declarações do governo de Gustavo Finck (PP) sobre as dívidas da Prefeitura, que somariam R$ 200 milhões. Em um vídeo publicado nas redes sociais, Fátima acusou a atual administração de disseminar informações falsas, alegando que suas contas não foram aprovadas, quando na verdade, segundo ela, foram aprovadas por unanimidade pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE).

Prefeita de Novo Hamburgo, Fatima Daudt | abc+



Prefeita de Novo Hamburgo, Fatima Daudt

Foto: Dário Gonçalves/GES-Especial

Fátima defendeu sua gestão, destacando que, apesar das dificuldades financeiras, sempre manteve as contas em dia, sem atrasos nos pagamentos, sem greves e sem escândalos. A ex-prefeita enfatizou que, mesmo enfrentando um déficit, a Prefeitura cumpriu com suas obrigações e que a atual administração está usando o decreto de calamidade como justificativa para um “calote” nos fornecedores, o que ela considera inconstitucional e irresponsável.

Ela também ressaltou que sua administração deixou mais de R$ 30 milhões em caixa, além de uma previsão de arrecadação de R$ 50 milhões com o IPTU de 2025, valor que já foi superado. Por fim, a ex-prefeita afirmou que o decreto de calamidade financeira não se sustenta e criticou a atual gestão por não focar em soluções concretas, mas sim em reclamações.

São Leopoldo

O prefeito de São Leopoldo, Heliomar Franco (PL), apresentou o quadro financeiro da cidade, destacando que a Prefeitura enfrenta um passivo de R$ 276,4 milhões em dívidas, restos a pagar, parcelamentos vencidos e serviços não realizados. Além disso, há um débito de R$ 227,6 milhões referentes ao Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Servidores Municipais de São Leopoldo (IAPS), sendo R$ 25 milhões já vencidos, o que gerou o bloqueio do Certificado de Regularização Previdenciária (CRP) e impacta a captação de recursos e financiamentos. Ou seja, R$ 504.111.623. Mais de meio bilhão de reais em dívidas.

Após contabilidade fechada em 31 de janeiro, números caíram de R$ 506 milhões (foto) para R$ 504 milhões  | abc+



Após contabilidade fechada em 31 de janeiro, números caíram de R$ 506 milhões (foto) para R$ 504 milhões

Foto: Laura Piffero

Outro ponto crítico é a situação do Hospital Centenário, que acumula R$ 25 milhões em dívidas com fornecedores e R$ 11 milhões pendentes com o Instituto de Desenvolvimento, Ensino e Assistência à Saúde – IDEAS. O prefeito também contestou a existência de R$ 30 milhões em caixa deixados pela gestão anterior, de Ary Vanazzi (PT), afirmando que o saldo real era negativo em R$ 3 milhões logo na primeira semana do novo governo. “Sem contar os restos a pagar que são mais de 100 milhões”, disse Heliomar.

Principais componentes da dívida:

  • Restos a pagar: R$ 85,8 milhões
  • Parcelamento do IAPS (abril a dezembro de 2024): R$ 25,9 milhões
  • Anulações de empenho da Prefeitura: R$ 60,4 milhões
  • Anulações de empenho do SEMAE: R$ 19,1 milhões
  • Anulações de empenho da Saúde: R$ 2 milhões
  • Precatórios a pagar do SEMAE: R$ 21,6 milhões
  • Despesas não empenhadas da SMURB: R$ 38 milhões
  • Despesas não empenhadas com a Ideas (saúde e Hospital Centenário): R$ 11,3 milhões
  • Despesas não empenhadas com a Sidi no Hospital Centenário: R$ 5,9 milhões
  • Despesas não empenhadas com a Fundação de Saúde: R$ 5,9 milhões
  • Subtotal: R$ 276,4 milhões
  • Parcelamentos históricos do IAPS: R$ 227,6 milhões
  • Situação herdada: R$504 milhões

Diante desse cenário, o prefeito implementou um plano de reequilíbrio financeiro com medidas de contenção de despesas e reestruturação orçamentária. Entre as principais ações estão a criação de um novo fluxo de caixa, um planejamento tributário mais eficiente, a revisão de contratos administrativos e a implementação de um rigoroso controle de despesas com pessoal. “Eu sabia que a situação seria crítica, mas não imaginava que seria tanto. Mas quero deixar bem claro: São Leopoldo tem jeito, nós vamos reconstruir nossa cidade”, afirmou.

Além disso, foram editados oito decretos municipais para disciplinar gastos e otimizar receitas. Entre eles, destacam-se normas para limitação de despesas, quitação de restos a pagar, controle de gastos com pessoal e otimização da arrecadação municipal. “Não está previsto adotar o Decreto de Calamidade como Novo Hamburgo, pois já foram publicados oito decretos de ajuste financeiro e orçamentário em São Leopoldo. Esses decretos estabelecem diretrizes para a gestão fiscal e financeira do município em 2025, garantindo maior eficiência na alocação de recursos e no controle de despesas”, afirma o secretário da Fazenda, Roberto Calazans.

Apesar das dificuldades, o secretário da Fazenda afirma que áreas essenciais, como saúde, educação, segurança e assistência social, terão prioridade nos investimentos. A infraestrutura, por sua vez, será mantida conforme a disponibilidade de recursos vinculados. Quanto à realização de eventos, a administração municipal adotou um controle orçamentário rigoroso, o que possibilitou a viabilização do Carnaval deste ano, evento que, segundo Calazans, foi um grande sucesso.

“Estamos adotando um rigoroso controle orçamentário e financeiro através de um novo fluxo anual implantado na Secretaria Municipal da Fazenda. Além disso, trouxemos a experiência da Junta de Coordenação Financeira e implantamos em todas as secretarias o Plano Orçamentário Anual, com controle dos principais contratos e ações efetivados pelos órgãos. Reduziu-se o empenho por estimativa. Também foi implantado o Planejamento estratégico na Administração Tributária, trazendo novos fiscais para o corpo da Fazenda”, finaliza Calazans.

Contraponto do ex-prefeito Ary Vanazzi

O ex-prefeito Ary Vanazzi (PT) contesta as informações divulgadas pela atual administração sobre a situação financeira do município. Segundo ele, os dados apresentados são inverídicos e não refletem a realidade deixada ao final de sua gestão.

Vanazzi afirma que sua administração deixou a cidade com mais de R$ 1 bilhão em investimentos e R$ 500 milhões em projetos, obras e contratos aprovados pelo Governo Federal, além de R$ 34 milhões em caixa provenientes de recursos livres e vinculados à Educação, Saúde e demais áreas. O ex-prefeito também destaca que o município recebeu uma parcela extra do ICMS, de R$ 1,8 milhão, e recursos do IPVA, valores que, segundo ele, podem ser comprovados nos extratos bancários.

Ary Vanazzi | abc+



Ary Vanazzi

Foto: Valentin Thomaz/Prefeitura de São Leopoldo

“Reflexo disso é que a atual gestão vem dando continuidade às obras, ações e projetos que deixamos organizados e planejados, com recursos garantidos. Caso contrário, não haveria condições para sua execução”, argumenta Vanazzi. Ele também critica a falta de novas iniciativas da administração de Heliomar Franco: “Nenhuma nova ação ou projeto é de autoria da nova gestão. Dá a impressão de que vão trabalhar os quatro anos com os recursos e projetos que deixamos”, disse.

Sobre os restos a pagar, o ex-prefeito explica que referem-se a despesas da Educação e da Saúde, provenientes de processos licitatórios em andamento até o dia 31 de dezembro ou de compromissos assumidos pelas secretarias, cujas notas fiscais chegaram em janeiro. Além disso, enfatiza que obras como a revitalização da Avenida Independência, a reconstrução da Avenida João Corrêa e reformas de escolas já tinham recursos assegurados para sua continuidade.

Com relação ao orçamento, Vanazzi destaca que, quando assumiu em 2017, o orçamento do município era de R$ 700 milhões e que, ao final de sua gestão, foi entregue um orçamento de R$ 1,8 bilhão. “Essa confusão sobre o orçamento comprometido de R$ 504 milhões faz parte do funcionamento normal da máquina pública. Demonstra desconhecimento sobre gestão pública ou uma tentativa de manipular a opinião pública”, afirma.

Sobre a dívida do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Servidores Municipais (IAPS), Vanazzi diz que os valores foram apresentados de forma distorcida. Ele explica que se trata de uma dívida histórica, de longo prazo, que se intensificou no governo anterior ao seu e que, durante sua gestão, foi feito um único parcelamento, que estava sendo pago regularmente até as enchentes de maio de 2024. “A cota patronal e dos servidores está absolutamente em dia até dezembro”, garante.

Por fim, o ex-prefeito rebate as acusações de anulação de empenhos de serviços realizados, alegando que apenas empenhos não executados foram anulados para encerramento do orçamento, conforme prática administrativa comum. Ele também nega qualquer falta de transparência no processo de transição e reforça que toda a receita do IPTU entrou em 2025, sem antecipações.

“Finalizamos com a certeza de que toda a nossa conduta de governo foi pautada pelos princípios da legalidade, da ética e por todos os preceitos normativos”, conclui Vanazzi.

Canoas

A nova administração de Canoas apresentou um balanço da situação financeira do município, destacando os desafios herdados e as medidas que estão sendo tomadas para sanear as contas. O governo municipal afirma ter um déficit financeiro de aproximadamente R$ 440 milhões, que inclui dívidas com fornecedores, despesas realizadas para enfrentamento das enchentes de 2024 e pendências do Hospital Universitário (HU). Somente os compromissos relacionados à enchente somam R$ 190 milhões, enquanto os débitos do HU com fornecedores e funcionários ultrapassam R$ 90 milhões.

Panorama foi apresentado nos primeiros 30 dias de gestão | abc+



Panorama foi apresentado nos primeiros 30 dias de gestão

Foto: Vinicius Medeiros

Além disso, a administração anterior, segundo a atual, deixou cerca de R$ 500 milhões em licitações abertas sem previsão de fonte de recursos, exigindo renegociação para evitar a paralisação de obras. Para 2025, o orçamento também apresenta um déficit de R$ 380 milhões, totalizando um impacto financeiro superior a R$ 1,3 bilhão nas contas públicas.

Diante desse cenário, a Prefeitura de Canoas adotou medidas emergenciais para reduzir despesas e aumentar a eficiência da gestão. Entre as iniciativas, está a revisão de contratos e a implementação de uma reforma administrativa que já gerou uma economia de R$ 12 milhões. A Prefeitura também busca apoio do governo federal para a liberação de recursos destinados às obras de reconstrução pós-enchente. “A situação em que herdamos o nosso município não é difícil de resolver. É complicada, mas não é difícil resolver com muita austeridade, muita responsabilidade”, afirmou o prefeito Airton Souza.

De acordo com o secretário municipal da Fazenda, João Portella, a meta é reduzir o déficit orçamentário para cerca de R$ 150 milhões. “Estamos trabalhando no aprimoramento da gestão, reavaliando contratos e adequando à disponibilidade orçamentária e financeira. Os setores de Saúde e Educação são prioridades do governo e não serão atingidos, enquanto as demais áreas podem sofrer ajustes na execução dos contratos”, disse.

Na avaliação da equipe da secretaria da Fazenda de Canoas, a principal causa para o endividamento é o desajuste entre receita e despesa, provocada por uma crescente atribuição que é repassada tanto pela União quanto pelo Estado aos Municípios. “Boa parte das cidades enfrentam esta realidade e precisam cobrir com seus próprios recursos aquilo que deveria chegar do Estado e da União. Os repasses para a Saúde, por exemplo, acabam sendo muito menores do que o necessário”, destaca Portella.

Somado a isso, conforme o secretário, ainda estão os investimentos feitos no período de calamidade a partir dos prejuízos ocasionados pela enchente histórica em maio do ano passado. “Na ocasião foram empenhadas despesas que até o momento não tiveram os recursos repassados pelo Governo Federal e a atual gestão trabalha para que esses valores cheguem o mais rápido possível”, finaliza.

O que diz a gestão anterior

A gestão de Jairo Jorge (PSD) afirma que, ao final de 2024, havia um déficit financeiro de R$ 166 milhões, além de um passivo de R$ 127 milhões relacionado à tragédia da enchente. Segundo o ex-prefeito, o valor apontado pela atual administração, de R$ 193 milhões, corresponde ao total empenhado e não ao valor efetivamente executado.

A ex-gestão também destaca que solicitou ao Governo Federal R$ 253 milhões para cobrir despesas emergenciais, mas recebeu apenas R$ 155 milhões, restando R$ 98 milhões sem cobertura. Somando o déficit financeiro e os valores pendentes da enchente, o total seria de R$ 293 milhões, número inferior ao déficit de 2020, que foi de R$ 360 milhões em valores atualizados.

Jairo Jorge | abc+



Jairo Jorge

Foto: Paulo Pires/GES

Além disso, Jairo Jorge argumenta que o déficit orçamentário de 2025, previsto na Lei Orçamentária do Município, é de R$ 364 milhões, semelhante ao déficit de 2021, que chegou a R$ 320 milhões em valores atualizados. No total, considerando déficit financeiro, passivos da enchente e orçamento, o montante chegaria a R$ 657 milhões. No entanto, a comparação com 2021 mostraria que o déficit não teria aumentado significativamente em relação à gestão anterior.

Plano de pagamento e equilíbrio fiscal

A ex-administração afirma que havia um plano para, caso Jairo Jorge fosse reeleito, reduzir o déficit ao longo de quatro anos, com corte de despesas e recuperação de receitas junto aos governos federal e estadual. Segundo o ex-prefeito, Canoas perdeu R$ 80 milhões anuais devido ao programa Assistir, do Governo do Estado, que reduziu repasses para o Hospital Universitário e o HPS.

As estratégias envolviam reestruturação administrativa, maior eficiência nos gastos, combate à sonegação e atração de novos investimentos. O ex-prefeito também questiona a inclusão de determinadas dívidas nos cálculos da atual gestão, como os valores destinados às obras dos diques. Segundo ele, o Governo Federal destinou R$ 7 bilhões ao Estado para essas obras, e Canoas deixou R$ 70 milhões em caixa para execução. “Cabe a quem venceu as eleições governar, dialogar com os governos federal e estadual e continuar as obras”, disse Jairo.

Por fim, Jairo Jorge ainda elogia o atual secretário da Fazenda, João Portella, que ocupava o cargo em sua gestão, e critica a narrativa de “herança maldita”, afirmando que governar exige assumir responsabilidades e buscar soluções. “O atual secretário é uma pessoa extremamente séria e competente. Não ouvi dele afirmativas equivocadas. Infelizmente, há pessoas mais preocupadas em atacar o governo anterior do que assumir a responsabilidade de governar. Quem ganha a eleição tem que estar preparado para o desafio. Essa questão da herança maldita está totalmente ultrapassada, mas infelizmente tem gente que cai nesse conto”, finaliza.

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