A musa da anistia proposta para beneficiar Bolsonaro e os golpistas

Sabe-se quase nada sobre a cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos que virou símbolo do bolsonarismo na luta pela aprovação do projeto de lei que concede anistia aos envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro. O que se sabe é só pela sua boca. Ninguém se interessou em investigar se ela diz a verdade ou não.

Débora nasceu em Irecê, na Bahia, há 39 anos. Mora em Paulínia, a 117 km da capital paulista. É mãe de dois filhos, um com sete anos e o outro com dez. No sábado 7 de janeiro de 2023, em Campinas, ela tomou um ônibus com destino a Brasília. Pagou R$ 50 pela passagem. A viagem mudaria sua vida.

O que ela foi fazer em Brasília? Passear. Viajou sozinha? Não se sabe. Sabe-se apenas que ao desembarcar em Brasília,ela foi vista no acampamento em frente ao Quartel-General do Exército, onde dezenas de pessoas clamavam por um golpe para derrubar o recém-empossado presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Por que ela foi para o acampamento se seu objetivo era conhecer Brasília e admirar seus monumentos? Não se sabe. Por que do acampamento ela saiu com os manifestantes que ao chegarem à Praça dos Três Poderes invadiram e vandalizaram os prédios do Congresso, Palácio do Planalto e Supremo Tribunal Federal?

Talvez imaginasse que, como ela, os manifestantes estivessem ali também a passeio. Ela contou à Polícia Federal, em novembro do ano passado, que não invadiu nenhum dos prédios. No momento em que contemplava a gigantesca estátua da Justiça em frente ao prédio do Supremo, um homem branco e  alto a abordou.

O dito homem, que ela não conhecia, já havia começado a pichar a estátua com a frase “perdeu, mané”. O “p”, de perdeu, até já estava na estátua. Então o homem pediu-lhe a gentileza de completar a frase por ele. E foi o que ela inocentemente acabou fazendo. Valeu-se para isso de um batom vermelho que carregava dentro da bolsa.

Concedo a palavra a Débora, conforme seu depoimento à Polícia Federal:

“Quando me deparei lá em Brasília com o movimento, eu não fazia ideia do [valor] financeiro e simbólico da estátua. Quando eu estava lá, já tinha uma pessoa fazendo a pichação. Faltou talvez um pouco de malícia da minha parte, porque ele começou a escrita e falou assim: ‘Eu tenho a letra muito feia, moça, você pode me ajudar a escrever?’. E aí eu continuei fazendo a escrita”.

“Lembro que uma semana antes, meu filho fez uma pergunta sobre escrita em muro e eu falei isso é ilegal, não se faz porque é uma poluição visual’. E eu fiz todo um texto para ele sobre isso, e eu não sei o que aconteceu comigo naquele dado momento, pelo calor da situação, de cometer esse ato [a pichação]. Eu me arrependo muito, muitíssimo, e eu jamais faria isso”.

Débora está presa desde 17 de março de 2023. Ao concluir seu depoimento, ela pediu perdão por atentar contra o Estado democrático de Direito, disse que ficar presa fez com que enxergasse que “o país depende de hierarquias que precisam ser respeitadas” e afirmou que nunca mais se envolverá em manifestações políticas, pois pegou “um pouco de repulsa”.

“”Isso me deixou traumatizada porque não me representa, não é o que eu sou. Sou uma pessoa totalmente disciplinada, que sempre seguiu a lei rigorosamente. Nas minhas contas pessoais, no meu convívio social, nunca infringi uma lei”.

Ela foi denunciada pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, em maio do ano passado. É acusada de ter participado “de atos de estrago e destruição de bens especialmente protegidos por ato administrativo”. Não é, portanto, sobre o batom e a pichação. É sobre a tentativa de golpe e de abolição violenta da democracia.

A Primeira Turma do Supremo começou na última sexta-feira (21) o julgamento de Débora. O ministro-relator Alexandre de Moraes votou pela condenação a 14 anos de prisão, e o ministro Flávio Dino acompanhou o colega. O julgamento foi interrompido pelo ministro Luiz Fux que que pediu mais tempo para estudar o caso.

Fux anunciou que vai sugerir uma revisão da pena para reduzi-la.

Até ontem (27), o Supremo condenou 503 envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro. As sentenças atingem incitadores, executores e financiadores da invasão às sedes dos Três Poderes, em Brasília, e resultam de 1.586 ações penais abertas desde o início das investigações.

Ao todo, 55 pessoas seguem presas provisoriamente, 84 cumprem pena definitiva e 5 estão em prisão domiciliar. Outros 542 investigados firmaram acordos de não persecução penal, medida que se aplica a casos sem violência ou grave ameaça.  Ao assinar o acordo, o investigado evita uma eventual condenação.

Para aderir ao acordo, é necessário confessar os crimes, pagar multa, não reincidir, prestar serviços à comunidade, evitar o uso de redes sociais durante o cumprimento das condições e participar de um curso sobre Estado de Direito e golpe de Estado. O prejuízo estimado com os atos golpistas supera R$ 26 milhões

Débora não aderiu ao acordo. A extrema-direita agradece penhoradamente e espera torná-la a musa da anistia, que uma vez aprovada, beneficiará Bolsonaro. Não será aprovada.

 

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