Desagregação profunda (por Ricardo Guedes) 

Maurício Romão, que em conjunto com Adriano Oliveira e Maurício Garcia fundaram e coordenam o grupo “Pesquisa em Debate”, do Recife, hoje em todo o país, recentemente escreveu o artigo “Desaprovação de Governantes no mundo contemporâneo”, com o impressionante score de avaliação dos governos em pesquisa mundial em 22 países, da aprovação média positiva em 38,8% dos governantes, e a desaprovação média negativa em 51,7%, apontando os seguintes fatores: (a) a crise de representação das economias liberais; (b) o acirramento da polarização; (c) cada cidadão julgando o governo pela sua demanda específica, e não pela sua totalidade; (d) o indivíduo como protagonista de suas informações e desejos no mundo digital; (e) as posições políticas, exacerbadas pela religião, desemprego, percepção de direitos, e outros fatores; (f) a desorganização das bases produtivas e de distribuição decorrentes do COVID; (g) o desequilíbrio fiscal, na tentativa, por parte dos governantes, de atender às díspares demandas sociais. Uma verdadeira desagregação.

O mundo complica-se economicamente. O PIB sobe, e as diferenças sociais aumentam. Segundo o “World Inequality Report”, de 1980 para cá os 10% mais ricos aumentaram sua participação no PIB do mundo, enquanto os 50% mais baixos diminuíram a sua participação. Hoje, 2.500 pessoas detêm patrimônio equivalente a 12% do PIB mundial, na concentração das decisões e espiral do conflito.

Após a falência do “socialismo” na solução da igualdade e liberdade social; após a falência das “democracias” na solução da representatividade e distribuição de renda; vem aí o “fascismo”, no descontamento das classes média comprimidas com a representatividade atual e não aceitação de soluções à esquerda, na geração da massa de apoio a líderes radicais de direita, que também não resolverão o problema, porque olham, apenas, para si mesmos, e representam. somente, o grande capital. E as economias enfrentando as crescentes limitações ecológicas, que acirrarão ainda mais a situação. Uma desagregação completa.

Trump, ao presidir os Estados Unidos como se fosse uma S.A., aumenta a desagregação e o conflito, na anteposição às nações que ele considera como “inimigas”, e mesmo contra os interesses do que seriam os seus “aliados” mais próximos. E como disse Napoleão, “Todo homem luta com mais bravura pelos seus interesses do que pelos seus direitos”. E assim vai.

Aqui, abaixo da linha do Equador, vida que segue. Nem o PIB sobe, há 15 anos, e as diferenças sociais mais do que aumentam; estamos longe de um consenso. Equilíbrio fiscal, nem se pensar. No futebol, Alemanha 7 x 1 no Brasil na Copa do Mundo de 2014, Argentina 4 x 1 no Brasil nas Eliminatórias da Copa do Mundo de 2026, nos piores resultados já atingidos, no que parece ser o “novo normal”. Roberto DaMatta compara a pequenez de nossa economia e condições sociais com a grandeza de nossa cultura, como o futebol, a música e nossos valores, que dão a amálgama de nosso país. O que ocorre hoje no futebol brasileiro é indicador de desagregação, na prevalência de interesses corporativos.

Nesta semana, em um shopping, ocorreu de eu escutar uma criança perguntando a outra: “Você acha que o julgamento foi “puro”, ou “impuro”? Pensei, instantaneamente: “Foi nos termos da Lei”; na esperança de alguma razão. Polarização precoce, infelizmente. Que cuidemos de nossas crianças, são somente crianças.

Vã razão.

 

Ricardo Guedes é Ph.D. em Ciências Políticas pela Universidade de Chicago e Autor

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