Novo ciclo político? (por Antônio Carlos de Medeiros)

O ex-presidente José Sarney reascendeu o debate sobre os nossos dilemas institucionais, focalizando as deficiências do nosso sistema eleitoral e da nossa legislação partidária.

O debate entrou na Agenda Política. Veio em boa hora. Nosso desequilíbrio institucional tem efeitos perversos em nosso processo de desenvolvimento.

Ao mesmo tempo que o Brasil comemora 40 anos do retorno da democracia, são cada vez mais nítidos os sinais de prenúncio do fim do ciclo político de 1988.

Este prenúncio já desafia a Nação brasileira a restaurar o sistema político e reconstruir instituições adequadas para fortalecer os mecanismos de representação política. Dando conta da heterogeneidade estrutural na sociedade brasileira.

Em sociedades heterogêneas cujas linhas de conflito requerem algum tipo adequado de representação proporcional, como é o caso brasileiro, o atual sistema eleitoral proporcional uninominal é uma fórmula vencida e descolada da cultura e da realidade políticas.

A ideia é retomar e aperfeiçoar os Projetos de Lei que já dormitam nas gavetas do Congresso e propõem o sistema eleitoral distrital misto, como na Alemanha. Um dos projetos é, por exemplo, o do ex-senador José Serra.

Recentemente, com a nova realidade da “partidocracia” das Emendas parlamentares no Congresso, têm ficado mais nítidos os problemas do sistema atual. E a crescente oligarquização dos partidos, atingindo em cheio o coração da democracia representativa.

Contribuem para afastar cada vez mais a sociedade da Política e para impedir a formação de maiorias estáveis de governo. Estamos andando para trás em matéria de Política. Ela virou uma espécie de Concerto dos Três Poderes, distantes da sociedade. Elites com elites.

Conversam entre eles (eles com eles), mas se afastam da sociedade. Democracia (des)representativa de elites. Caldo de cultura para populismo sebastianistas. E para o declínio – em curso – do número de democracias no mundo.

Não há agenda e projeto de futuro no Brasil. Este é o efeito mais perverso da (des)representatividade.

Vem daí a importância da sociedade e das elites políticas endereçarem pautas de nossos dilemas institucionais recorrentes. Começando pela pauta proposta por José Sarney há poucos dias: reforma do sistema eleitoral e revisão da legislação partidária, para além da tramitação, em curso do novo Código Eleitoral.

Olhando para as experiências das democracias no mundo inteiro, o melhor sistema, o que garante maior proporcionalidade, é o proporcional de voto misto, de inspiração alemã, chamado de distrital misto.

É a opção que apresenta a maior possibilidade de melhorar a proporcionalidade e a inteligibilidade do processo político-eleitoral, além de tornar os partidos mais fortes e coesos e reduzir o custo das eleições.

Hoje, a ausência de inteligibilidade é causada pelo fato de que o voto dado a um candidato pode ser transferido para outro candidato no qual o eleitor não votou. E, também, pelo elevado número de candidatos para atingir o quociente eleitoral, num “desfile” confuso de candidatos.

Vale simplificar e exemplificar, pois existem nuances que não cabem nos limites deste espaço.

No distrital misto a metade da representação de cada estado é eleita pelo critério de maioria simples, em distritos uninominais, e a outra metade mediante listas partidárias. O eleitor vota duas vezes: no candidato em seu distrito e na lista do partido desse mesmo indivíduo.

Assim, a inteligibilidade decorre tanto do fato de que diminui o número de candidatos, quanto do fato de que o eleitor sabe que pode eleger o candidato “distrital” no qual votou e/ou pode eleger um candidato da lista do partido no qual votou.

A proporcionalidade é garantida porque metade das cadeiras é preenchida pelas listas partidárias preparadas pelos partidos. Por exemplo, se existem 10 cadeiras em disputa num determinado estado, 5 são disputadas em 5 distritos uninominais e as outra 5 são disputadas pelo critério de listas.

Supondo que um determinado partido alcançou 20% do total de votos, ele terá direito a 2 cadeiras, no total. Se ele elegeu um candidato no distrito ele completaria sua bancada com 1 candidato de lista. No final, portanto, a proporção de 20% nesse caso está garantida.

As listas partidárias têm também a vantagem de contribuir para a democracia intrapartidária e para a renovação de lideranças.

E o distrital misto também diminui o custo da indústria das eleições. Se for combinado com a volta das contribuições privadas, tudo resultaria em diminuição de custos do fundo eleitoral e do fundo partidário.

A sociedade brasileira, com baixa aprovação dos Políticos, certamente aplaudiria.

Para 2028 (eleições municipais) e para 2030 (eleições gerais) é possível implantar este sistema.

Em termos macro políticos teria o efeito de iniciar novo ciclo político no Brasil. Aí, sim: democracia representativa.

 

*Pós-doutor em Ciência Política pela The London School of Economics and Political Science.

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