Facções se associam de olho em lucros bilionários, diz pesquisador

São Paulo — A globalização de escalas logísticas, decorrentes do aumento do comércio internacional legalizado, formal, fez também com que as organizações criminosas acompanhassem o ritmo de expansão de negócios ao redor do mundo. Isso se reflete nas relações comerciais, nessa caso criminosas, entre grupos brasileiros, latino americanos e europeus.

“A internacionalização não é um papel solitário de uma organização criminosa. Ela precisa entrar em acordo com outras”, pontuou em entrevista ao Metrópoles Roberto Uchôa, pesquisador da Universidade de Coimbra e conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Para ilustrar, ele usou o Primeiro Comando da Capital (PCC) como exemplo.

Atualmente a facção paulista é o maior fornecedor brasileiro de cocaína para países europeus e africanos, graças às relações comerciais mantidas com produtores — na Colômbia e Bolívia, por exemplo — e com máfias europeias, como a italiana e também nos Balcãs, responsáveis por receber e disseminar as cargas milionárias pelo continente europeu.

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Foram apreendidas 6,5 toneladas de cocaína

Arsenal ilegal era composto também por pistolas e revólveres
Armas usadas em guerra estavam em bunker
Preso já respondia por tráfico internacional de armas
PCDF prende líder do Comando Vermelho responsável pela morte de sete membros do PCC
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Droga apreendida com criminosos

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Foram apreendidas 6,5 toneladas de cocaína

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Arsenal ilegal era composto também por pistolas e revólveres

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Armas usadas em guerra estavam em bunker

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Preso já respondia por tráfico internacional de armas

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PCDF prende líder do Comando Vermelho responsável pela morte de sete membros do PCC

Material enviado ao Metrópoles

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Spotify Comando Vermelho CV PCC

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Criminosos saíram do Brasil

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Suspeitos presos em ação

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Além disso, os grupos criminosos perceberam ser melhor se unir e deixar de lado antigas rusgas, como no caso do PCC e do Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro. As duas facções teriam selado um “acordo de paz“, de olho nos lucros do tráfico de drogas internacional. “Trabalhar em conjunto é muito mais lucrativo do que a disputa por rotas e logística de frotas”, destacou o pesquisador.

A parceria transnacional entre grupos criminosos pôde ser constatada após apreensão de 6,5 toneladas de cocaína, no início da semana passada, em um narcossubmarino, no qual havia tripulantes do Brasil, Colômbia e Espanha.

Seguindo o PCC

Roberto Uchôa acrescentou que o CV está “seguindo os passos do PCC” na internacionalização de suas atividades. No início dos anos 2000, o PCC travou uma guerra com facções rivais, em especial o CV, para controlar o envio de droga pelos cargueiros que atracam em Santos, no litoral paulista.

Em entrevista ao Metrópoles, em 2023, o promotor Lincoln Gakiya afirmou que o controle do tráfico pelo maior porto do país assegurava a hegemonia da facção paulista. O desgaste em manter territórios e operações, concorrendo com outros facções, porém, mostrou ser desvantajosa. Isso, ao menos por hora, foi interrompido, aparentemente, como mostram investigações recentes.

“Essa aliança [entre PCC e CV] faz sentido. É o ‘pulo do gato’, porque o mercado [de drogas] interno corresponde a 30% do faturamento do CV, que ganha atualmente mais com o controle de territórios [no Rio de Janeiro] do que vendendo cocaína. A facção, em outras palavras, adotou a prática feita pelas milícias [venda de gás, internet ilegal, entre outros serviços]”.

O próprio PCC, como já pontuou Lincoln Gakiya ao Metrópoles, também prioriza o tráfico internacional, via marítima e aérea, o que garante lucros bilionárias à maior facção criminosa do Brasil. Somente no porto de Santos, a organização paulista fatura, por ano, ao menos R$ 10 bilhões.

Recorde de produção

Relatório Mundial sobre Drogas da Organização das Nações Unidas (ONU), do ano passado, indica que o tráfico de cocaína bateu recorde em vendas, decorrentes da alta demanda pela droga. Até 2022, segundo o levantamento, havia 23 milhões de usuários no mundo, quando 2,7 mil toneladas da droga foram produzidas — representando alta de 20% em relação ao ano anterior.

“O aumento prolongado da oferta e da demanda de cocaína coincidiu com um aumento da violência […] e um aumento dos danos à saúde nos países de destino, incluindo Europa Ocidental e Central”, diz trecho de nota da ONU.

O gigantesco volume de vendas resultou no enriquecimento das organizações criminosas, ao ponto de as apreensões pontuais, feita pelas polícias pelo mundo, não impactarem financeiramente os grupos marginais.

Um painel da Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas (Cicad), da Organização dos Estados Americanos (OEA), mostra que, para causar prejuízo ao tráfico, é necessário a apreensão de mais de 90% dos estoques das organizações criminosas.

“Há rotas com lucros altíssimos e uma demanda na Europa e na África, em crescimento absurdo. Tem também uma rota de expansão para a Oceania, onde o valor [da droga] é maior ainda, dez vezes mais”, afirmou Roberto Uchôa.

Em outras palavras, o atual modelo de combate às organizações criminosas seria como “enxugar gelo”, mencionaram fontes policiais ouvidas pela reportagem.

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