Zolgensma no SUS representa uma parte do avanço no tratamento da AME tipo 1

A incorporação do Zolgensma (Onasemnogene abeparvoveque) ao Sistema Único de Saúde (SUS) representa um passo fundamental no tratamento de crianças com Atrofia Muscular Espinhal (AME) tipo 1 no Brasil. Desde o anúncio do Ministério da Saúde, em 20 de março, sobre a terapia gênica, levantou-se outro ponto crucial no tratamento da doença: o rastreio da doença no Teste do Pezinho.

A neurologista infantil do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) e Hospital da Criança Conceição (HCC) Michele Becker comenta que a incorporação do Zolgensma impactou positivamente a comunidade médica. “Até então, as famílias apenas conseguiam a medicação através de campanhas exaustivas para arrecadarem o valor para a compra ou através de judicialização. Com a incorporação, o acesso a essa terapia será mais rápido. Considerando a urgência em iniciar o tratamento nesses bebês, essa é uma grande conquista para os pacientes e suas famílias e está sendo muito comemorada”, pontua. 

Além de celebrar a conquista da medicação, Michele pondera que é necessário também incorporar a AME na triagem neonatal através do Teste do Pezinho.  “Essa conquista mudaria a vida dos bebês com AME, por permitir o diagnostico nos primeiros dias de vida e o início do tratamento numa fase ainda pré-sintomática, com a maioria desses bebês se desenvolvendo como crianças sem a doença”, observa a médica.

Lívia Teles recebeu a dose de Zolgensma nos Estados Unidos  | abc+



Lívia Teles recebeu a dose de Zolgensma nos Estados Unidos

Foto: Arquivo Pessoal

O anúncio sobre o Zolgensma foi comemorado também pela comunidade “AME”, comenta advogada Luana Cristine Diehl Teles, mãe da menina Lívia Teles, que protagonizou a luta pelo medicamento no Rio Grande do Sul cinco anos atrás. No entanto, Luana faz algumas ponderações, como sobre os critérios para oferecer a medicação.

Luana entende que limitar o tratamento para crianças até seis meses, como está sendo proposto pelo Ministério da Saúde, deixará um grande contingente de fora. Além disso, ela considera que para alcançar uma eficácia maior no tratamento é preciso que o teste seja feito o mais breve possível.

“A gente sabe que é uma doença que não espera. Assim que recebe o diagnóstico é preciso poder receber a medicação o quanto antes”, comenta Luana, que encabeçou uma campanha para conseguir o medicamento para a filha da rede privada. A criança recebeu o Zolgensma nos Estados Unidos, em agosto de 2020.

O geneticista do Hospital de Clínicas, Leonardo Medeiros, explica que quanto mais precoce é o início do tratamento da AME, melhores são os resultados no desenvolvimento motor dos pacientes. Com tratamento, crianças têm a chance de interromper o avanço da doença, podendo assim conseguir respirar sem ajuda de ventilação mecânica; conseguir sentar; manter movimento de membros superiores, entre outros ganhos. 

“Claro que são pacientes que ainda vão ter limitações físicas e que vão precisar de terapias de reabilitação ao longo da vida. A não ser que o tratamento seja feito antes da doença começar, então isso a gente acha muito importante falar sobre triagem neonatal”, corrobora o médico. Medeiros cita exemplos de pacientes que foram diagnosticados antes dos sintomas, ou por que já tinha irmão com a doença, ou no contexto da triagem neonatal, e que apresentaram desenvolvimento “normal ou muito próximo ao normal”, nas palavras do médico. 

“Foi sancionada uma lei de triagem neonatal e onde Atrofia Muscular Espinhal entrou como uma doença que deve ser incluída em algum momento na triagem neonatal nacional. Ou seja: todas as crianças que nascerem devem ser testadas para AME. Só que esta é uma lei que ainda não está em prática. Existe essa motivação para que a AME entre na triagem neonatal, mas isso ainda não acontece”, completa Medeiros.

Lei aprovada em 2021 amplia testes

Em 2021 foi aprovada uma lei que amplia para 50 doenças o rastreio no teste do pezinho, que inclui a atrofia muscular espinhal. O ingresso das novas doenças ao teste do pezinho, conforme a lei, ocorre de forma escalonada dividida em cinco etapas. O rastreio da AME estaria na quinta e última etapa do Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN).

O Ministério da Saúde foi procurado pela reportagem, na última sexta-feira (27), sendo questionado se existe uma previsão de quando o Teste do Pezinho será ampliado para a abranger o rastreio da AME. Até o fechamento desta reportagem, a pasta ainda não havia respondido ao e-mail.

Acordo com farmacêutica permitiu incorporar Zolgensma

A incorporação do medicamento foi comemorada pelo ministro da Saúde, Alexandre Padilha, ao ressaltar que é a primeira terapia gênica introduzida no sistema público de saúde. “O SUS passa a fazer parte de um pequeno clube de cinco sistemas públicos nacionais no mundo a oferecerem esse medicamento para a sua população”, disse Padilha no dia o anúncio, em 20 de março.

De acordo com o Ministério da Saúde, o Zolgensma será disponibilizado para “crianças de até 6 meses de idade que não estejam com a ventilação mecânica invasiva acima de 16 horas por dia. Este é um dos medicamentos mais caros do mundo.” Para garantir economia e a sustentabilidade do SUS, o Ministério da Saúde negociou com a Novartis – menor preço lista do mundo. O custo médio do Zolgensma é de R$ 7 milhões.

A incorporação do medicamento ao SUS ocorreu por meio de um Acordo de Compartilhamento de Risco baseado em desempenho foi firmado entre a pasta e a empresa fabricante. “Isso significa que o pagamento por parte do Ministério da Saúde está condicionado ao resultado da terapia no paciente, que será monitorado por uma equipe especializada. O acordo representa um passo fundamental para fornecer o medicamento de forma totalmente gratuita aos brasileiros que necessitam”, informou o Ministério da Saúde.

Oferta da medicação pelo SUS 

De acordo com o Ministério da Saúde, os pacientes poderão ser acolhidos e fazer os exames preparatórios nos 28 serviços de referência para tratamento de AME no SUS. O Protocolo Clínico de Diretrizes Terapêuticas, que orienta como será feita a assistência desses pacientes foi publicado no último dia 27.

A partir daí será instalado um comitê para acompanhamento permanente dos pacientes que farão o uso do medicamento de dose única. Para esta etapa, o Ministério da Saúde, em conjunto com a farmacêutica Novartis, prepara a qualificação das equipes desses centros para a realização da infusão. Todos os casos serão assistidos até que o processo seja concluído – o acompanhamento dos resultados será feito por cinco anos.

Os 28 serviços do SUS referência para a realização da terapia gênica para a Atrofia Muscular Espinhal estão localizados em 18 Estados: Alagoas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo. 

A Secretaria Estadual da Saúde (SES) e o Ministério da Saúde foram procurados pela reportagem para explicar como funcionará o serviço de terapia gênica no Rio Grande do Sul, mas até o fechamento desta reportagem ainda não havia tido retorno.  

Sinais da AME tipo 1 surgem nos primeiros meses de vida

Desde os primeiros meses de vida, os bebês passam por avaliações periódicas do desenvolvimento. Entre os aspectos analisados está o tônus (como a firmeza do pescoço, por exemplo), mobilidade dos membros, sustentação do tronco entre outras características típicas do desenvolvimento.

As suspeitas de AME, explica o pediatra João Krauzer, membro da Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul, é a hipotonia (tônus muscular diminuído) e a dificuldade respiratória.

“A criança, em geral usa muito o abdômen para respirar, usa a musculatura do abdômen para respirar. Quando começa um bebê com AME, ele usa muito a musculatura abdominal para respirar e faz uma respiração que a chama de balancinho: há um descompasso entre o tórax e o abdômen”, descreve Krauzer.

O médico explica que os testes iniciais são clínicos e, no momento em que se desconfia de AME, o paciente é encaminhado para neuropediatra e geneticista.

Como funciona o Zolgensma?

Pacientes com AME tipo 1 apresentam mutação no gene SMN 1. E a terapia gênica utiliza um vetor viral que leva até o neurônio motor a medicação que vai “fazer funcionar” a função motora da criança. “Já tem estudos publicados que dizem que  até cinco anos de que essa terapia seguiu sendo efetiva. E estudos ainda não publicados de que, pelo menos, oito a dez anos de eficácia do medicamento. Pode ser que ainda a terapia dure por mais tempo. A expectativa é de que a infusão seja única na vida. Mas como a medicação ainda é muito nova isso é uma informação que a gente vai ter que acompanhar ainda ao longo do tempo para ter certeza”, comenta Medeiros. 

O Zolgensma pode ser aplicado somente até os dois anos de vida. E a medicação também traz efeitos colaterais, principalmente para a função hepática. 

Lívia segue se desenvolvendo cinco anos depois

Em outubro, a menina Lívia Teles completa 7 anos. Moradora de Teutônia, no Vale do Taquari, hoje Lívia vai à escola, brinca com as amigas e faz terapias que colaboram para o seu desenvolvimento motor. A rotina que a criança tem hoje só foi possível graças ao Zolgensma, afirma a mãe da menina, Luana Teles. “Eu digo que tinha uma Lívia antes e uma Lívia depois do Zolgensma.” A afirmação de Luana, para começar a explicar o desenvolvimento da filha, se refere à qualidade de vida que a criança obteve depois de receber a dose do medicamento, na época chamado como “o mais caro do mundo”, em agosto de 2020.

Naquela época, medicamento ainda não era oferecido no Brasil. A família ingressou na Justiça para buscar auxílio e também fez extensas campanhas para conseguir bancar o tratamento. Na época o custo total estava avaliado em R$ 9 milhões. A aplicação do medicamento ocorreu em Boston, nos Estados Unidos. 

“Ela tem tido qualidade de vida. Claro que ela teve perda de neurônios até ela efetivamente receber a medicação”, conta Luana sobre a filha. “É importante dizer que dá para viver com a AME, e eu acho que o Zolgensma trouxe isso para a Lívia”, afirma. Luana também fala que desde a aplicação do medicamento, a filha não precisou mais ser internada, o que antes do tratamento ocorria de três a quatro vezes por ano.

“Ela tem tido avanços mais lentos mas segue tendo. Eu acho que a nossa maior vitória nisso tudo é a qualidade de vida”, finaliza Luana, ao dizer também que a filha teve efeitos colaterais logo após a aplicação da terapia, afetando a função hepática. Lívia precisou fazer tratamento com corticoides, mas se recuperou bem. 

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