Como facções rivais do PCC dão “salves” e mandam matar em cadeia de SP

São Paulo — A cerca de 60 quilômetros da Penitenciária II de Presidente Venceslau, coração do Primeiro Comando da Capital (PCC) no sistema prisional de São Paulo, facções rivais brigam por poder e dão “salves” para matar desafetos. No presídio Wellington Rodrigo Segura, a Cadeia de Montalvão, a hegemonia da maior organização criminosa do estado não prevalece e os presos têm que viver de acordo com as “leis” de outros grupos.

Com capacidade de 693 detentos, a Cadeia de Montalvão tem, atualmente, 1018 presos, segundo dados da Secretaria da Administração Penitenciária (SAP). A unidade recebe pessoas juradas de morte pelo PCC e integrantes de outras facções. Entre elas, a Amigos dos Amigos (ADA) — cujo nome seria uma homenagem à facção carioca — e o Cerol Fino.

No ano passado, a Cadeia de Montalvão registrou pelo menos três homicídios. Em dois dos casos os autores fazem menção à ADA. Um deles envolve uma suposta dissidência do Cerol Fino.

“Geralmente, quando um preso entra no sistema carcerário, perguntam se ele é de algum ‘partido’, aí direcionam para o presídios, porque PCC, ADA e Cerol, por exemplo, não se dão. Mas esses salves para matar rivais acontecem”, afirma o delegado Celso Caldeira, que comandou a Divisão de Entorpecentes de Presidente Prudente entre 2013 e 2020.

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Cadeia de Montalvão

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Cadeia de Montalvão

Reprodução/Google Maps

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Em 3 de maio de 2024, Nadson Fernandes Damasceno, de 27 anos, foi encontrado desacordado na cela em que vivia, com afundamentos na face e na nuca. A suspeita é que sua cabeça tenha sido batida contra o solo diversas vezes. Ele foi levado para o Hospital Regional de Presidente Prudente, mas não resistiu.

Jucinei Alves Ribeiro, de 31 anos, que se declarou como integrante do Cerol Fino, foi apontado como autor do homicídio. À polícia, o preso disse que havia sido apadrinhado por Damasceno na facção e o chamado para dividir a cela.

De acordo com a versão de Ribeiro, a vítima teria traído a Cerol Fino se se filiado à facção ADA. A dissidência teria feito com que ele fosse jurado de morte. Ribeiro, no entanto, afirma que as agressões não tiveram “nada a ver” com briga de facções.

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Jucinei Alves Ribeiro

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Jucinei Alves Ribeiro

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Jucinei Alves Ribeiro

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Meses antes, em 14 de março do ano passado, Anderson da Silva, conhecido como “Carro Roubado” foi brutalmente assassinado, na mesma cela. Três presos foram apontados como autores do crime e disseram que um suposto salve da ADA teria motivado o homicídio.

A vítima sofreu uma série de perfurações com um espeto, foi quase degolada e teve as vísceras retiradas e colocadas em um balde. Os acusados — Ladson dos Santos Pereira, “Zoio de Gato”; Sandro dos Santos, “Pesadelo”; e Diogo Batista da Silva Claudiano, “Corintiano” — disseram que os supostos “pilotos gerais” da cadeia, “Cabelo” e “Ageu”, ligados à ADA, teriam encomendado a morte.

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Cela onde moravam os 21 presos

Banheiro da cela, onde vítima teria sido morta
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Entrada da cela

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Cela onde moravam os 21 presos

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Banheiro da cela, onde vítima teria sido morta

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Ao pronunciar os réus para o Tribunal do Júri, no entanto, o promotor João Paulo Giovanini Gonçalves não levou em consideração as alegações sobre o suposto “salve” da ADA, e levou em consideração a versão de que o crime teria sido praticado em razão de uma briga por chocolate.

“Quando a gente fala que São Paulo só tem uma facção, quer dizer que é a facção que domina, mas tem sempre uns gatos pingados, inclusive de outros estados”, afirma a desembargadora Ivana David, ex-juíza corregedora dos presídios paulistas e especialista em PCC.

“De 180 estabelecimentos prisionais no estado, pelo menos uns 150 são do PCC. Mas tem estabelecimento prisional destinado aos neutros, que não têm facção nenhuma, e integrantes de outras facções”, acrescenta a magistrada.

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Sandro dos Santos

Diogo Batista da Silva Claudiano
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Ladson dos Santos Pereira

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ADA

De acordo com o delegado Celso Caldeira, apesar do nome idêntico, não há indícios de que a facção Amigos dos Amigos de São Paulo tenha relação com a homônima carioca. A ADA de SP foi criada em 22 de agosto de 2003, como uma dissidência do PCC, fundado em 1993.

Em seu estatuto, a ADA paulista prega “ocultismo, liberdade e sabedoria”. Assim como o PCC, a facção defende a “irmandade” do crime organizado, mas ao contrário dos rivais, não permite a saída de seus integrantes.

“Em termos de questões ideológicas, não tem muita diferença. Na teoria, considerando os estatutos, são todas lutando pela contra a opressão carcerária das autoridades, do judiciário e da polícia”, afirma Caldeira.

O delegado afirma que, ao longo dos anos, a ADA estendeu tentáculos para fora do sistema carcerário, seguindo os passos da maior facção do estado. Na região de Prudente, diz Celso Caldeira, a organização conseguiu dominar o tráfico de drogas em algumas comunidades.

“É uma presença pequena. Mas em alguns bairros onde o PCC não conseguiu entrar a ADA dominava. […] Esses grupos conseguem se reorganizar e o organizar financeiramente através do tráfico de drogas”, diz.

Cerol Fino

A facção Irmandade de Resgate do Bonde Cerol Fininho, também conhecida como Cerol Fino ou Bonde do Fininho, ficou conhecida por homicídios brutais praticados contra integrantes do PCC. Seu fundador, o assassino em série Marcos Paulo da Silva, o Lúcifer, rachou com a maior facção do estado em 2013 e então criou seu próprio grupo.

Diagnosticado com psicose, ele confessou – com orgulho – ser o autor de 50 assassinatos dentro de presídios de São Paulo. As vítimas seriam sempre integrantes de facções.

Em maio de 2022, por exemplo, a Justiça de São Paulo condenou três integrantes do Cerol Fininho por dois homicídios – uma das vítimas foi decapitada. Somadas, as penas pelos crimes ultrapassam 132 anos de prisão.

Lúcifer rompeu com o PCC em razão de a facção “ter perdido a finalidade”. Em depoimentos à Justiça, o “exterminador de faccionados” afirmou que, na visão dele, o grupo começou a fugir do que seria o intuito ou o “ideal”: combater a opressão carcerária.

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