O que é incel, red pill e black pill? Entenda os termos e quem faz parte do grupo sombrio que odeia mulheres

A série Adolescência (2025), da Netflix, está sendo mundialmente comentada, e elogiada, tanto pela direção e atuação quanto pelo roteiro. Ao longo de quatro episódios em um único plano-sequência, ela retrata uma história que, infelizmente, não está somente na ficção.

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Jamie Miller (Owen Cooper) e o pai Eddie Miller (Stephen Graham) em Adolescência (2025) | abc+



Jamie Miller (Owen Cooper) e o pai Eddie Miller (Stephen Graham) em Adolescência (2025)

Foto: Netflix/Divulgação

O britânico Jamie Miller (Owen Cooper), de 13 anos, era apenas um adolescente normal até ser preso por ser o principal suspeito de ter matado uma colega de escola. Enquanto os pais, a polícia e o público tentam entender a verdade, são apresentados alguns termos que podem parecer novidade para alguns, embora não tenham sido criados recentemente. Dentre eles, uma comunidade chamada incel, a qual Miller poderia fazer parte, pelas ideias que compartilhava nas redes sociais. E ele não é o único.

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O que é incel?

O termo incel vem da frase involuntary celibacy (celibato involuntário, em inglês), e existe desde os anos 1990. Atualmente, ele consiste em um grupo formado majoritariamente por homens, na grande maioria heterossexuais, que não possuem uma vida romântica ou sexual mesmo querendo ter uma, e se sentem rejeitados.

Conforme os pesquisadores, os homens que fazem parte do grupo costumam ser inseguros e se consideram geneticamente inferiores aos outros. Na visão deles, as mulheres preferem sair com homens que estão no que acreditam ser “o topo da hierarquia sexual”, ou seja, que são sexualmente mais bem sucedidos. Eles são chamados de “chads” e “alfas”.

Para extravasar a frustração, eles assumem um discurso de ódio, misógino e anti-feminista, geralmente em sites e fóruns, como 4chan e Reddit, onde podem manter o anonimato. E eles não são poucos.

Um estudo publicado em 2023, na revista científica Trends in Cognitive Sciences, alega que existem entre 60 mil e 100 mil incels ativos em fóruns na internet em todo o mundo, com idades que vão dos 18 até os 30 anos de idade.

Porém, é preciso entender que o número pode ser bem maior. Afinal, por estarem em sites onde o anonimato é um dos maiores atrativos, é possível que muitos mintam a idade. Por exemplo, apenas um dos muitos fóruns dedicados aos incels, recebe cerca de 2,6 milhões de visualizações por mês, conforme um estudo da Center for Countering Digital Hate’s (CCDH), publicado em 2022. 

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Red pill, black pill

Neo teve que escolher entre pílula azul e vermelha em Matrix (1999) | abc+



Neo teve que escolher entre pílula azul e vermelha em Matrix (1999)

Foto: IMDB/Reprodução

Os incels não são o único grupo masculino a propagar discursos de ódio contra mulheres. Eles fazem parte de uma manosphere, um termo cunhado nos anos 2000 para denominar um grupo focado em homens e masculinidade. Todos eles têm em comum a filosofia chamada de red pill.

O termo vem do primeiro filme da franquia Matrix (1999), onde Neo, o personagem principal, deve decidir entre tomar uma pílula azul e continuar a ver o mundo de ilusões em que vive, como o conhecemos, ou pegar a vermelha (red pill, em inglês) e tirar o véu para finalmente ver a realidade em que vive.

Na filosofia usada pelos participantes da manosphere, tomar a pílula vermelha é decidir aceitar a “verdade” sobre a masculinidade e ignorar a “opressão” que os homens passam pelas mulheres e pelo feminismo, por exemplo. Mas existe ainda uma terceira: a black pill.

Mercado sexual

Segundo a visão red pill, as relações amorosas são feitas em uma espécie de mercado, onde todos possuem apenas um valor sexual. Nela, o homem é um comprador e a mulher não passa de uma fornecedora. Quanto mais relações o rapaz tiver, maior no ranking ficará posicionado e passará de um “beta” para um “alfa”. No caso do grupo incel, ele é um “chad”.

Já os incels acreditam em uma terceira versão da filosofia, que se chama pílula preta (black pill, em inglês). Ao contrário dos outros grupos, eles não acreditam que ao “enxergarem a realidade” podem mudar as características pessoais para subirem na “cadeia sexual”.

Ainda que as mulheres continuem a serem vistas como inferiores aos rapazes em todos os aspectos, praticamente “criadas” para tentar ficar com os homens considerados alfas e chads, elas jamais ficariam com um membro do grupo incel. Afinal, eles não nasceram com os traços que deveriam para serem considerados atraentes e então não possuem valor sexual. Por conta disso, acreditam que somente lhes resta a solidão.

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Um estudo publicado na Revista Mosaico afirma que a filosofia black pill é criada a partir de “uma versão desesperançosa da realidade”. Ela é adotada pelos incels para explicar o fracasso nos relacionamentos amorosos e pode servir de amparo para as atitudes depressivas que eles têm, como evitar fazer novas relações e sentimentos de autodepreciação.

Já uma pesquisa de 2021 entrevistou 272 incels sobre saúde mental e outros quesitos, inclusive o quão concordavam com a teoria da pílula preta. Deles, cerca de 64% afirmou ter sintomas depressivos e 60% de ansiedade. Quando perguntados se pensavam em machucar outras pessoas, 26% do grupo concordou e cerca 14% disse que “estupraria se pudesse ficar impune”. Inclusive, o número aumentou para 31% quando a nomenclatura foi mudada para “forçar uma mulher a ter relações sexuais”.

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Movimento incel e a violência: Os assassinatos em massa em nome da ideologia

Há incels que defendem que a comunidade não é violenta, apenas é vista somente sob a ótica de crimes cometidos por membros. E eles não estão falando do personagem fictício da série Adolescência (2025).

Em 2021, um jovem chamado Jake Davison saiu de casa e matou cinco pessoas em oito minutos, no Reino Unido. Durante o julgamento, o júri revelou que o jovem de 22 anos expressava idéias extremamente misóginas na internet, constantemente falava sobre a falta de sucesso nos aplicativos de namoro e o quanto não gostava de si mesmo. Além disso, ele era fascinado por serial killers, assassinos em massa e “heróis” da comunidade incel, como Elliot Rodger.

Em 2014, Rodger matou seis pessoas e deixou outras 14 machucadas, usando uma arma e uma faca em um ataque relâmpago, nos Estados Unidos. Antes de falecer, o jovem de 22 anos postou um vídeo no YouTube, onde reclamou que era virgem e nunca havia beijado uma garota. Ainda na gravação, ele justificou o ataque como uma “vingança” contra a sociedade por ter “negado” a ele amor e sexo.

Apesar disso, alguns membros acreditam que usar os fóruns como um local seguro onde os incels possam falar tudo o que pensam pode ajudar a evitar que eles sejam violentos fora da internet. Entretanto, a pesquisa do CCDH revelou que os usuários nos chats da comunidade incel publicam sobre estupro a cada 29 minutos. E as discussões das postagens mostraram que 89% do grupo concorda com elas. Outro estudo, de 2019, mostrou que a maioria do conteúdo compartilhado em um fórum incel eram discursos de ódio homofóbicos e misóginos.

Assim como Rodger e Davison, outros homens cometeram crimes motivados pela ideologia incel, como personagem Jamie Miller. Muitos dos que não tiveram problemas com a polícia, apenas não passaram a linha da violência virtual para a vida real. Ainda assim, todos eles possuem algo em comum, além da sensação de vazio e a solidão: a falta de amor por si e o ódio pelas mulheres.

Fontes: Incels e Misoginia On-line em Tempos de Cultura Digital (2022); The mental well-being of involuntary celibates (2024); Understanding the Dangers of the Incel Movement and Its Harmful Views of Women (2023); Center for Countering Digital Hate’s; Involuntary Celibacy: A Review of Incel Ideology and Experiences with Dating, Rejection, and Associated Mental Health and Emotional Sequelae (2022); The Guardian; BBC; Why isn’t There More Incel Violence? (2023); Societies should not ignore their incel problem (2023); Os Incels, a desesperança e a misoginia: um estudo psicanalítico (2024); Involuntar Voluntary Celibates’ Experiences of and Grie y Celibates’ Experiences of and Grievance over Sexual er Sexual Exclusion and the Potential Threat of Violence Among Those Active in an Online Incel Forum (2021).

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