PROJETO COMPROVA: Entenda caso de advogado impedido de entrar em julgamento do STF

Contextualizando: Após um advogado ser impedido de entrar na sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) que julgava denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outras sete pessoas, começaram a circular posts dizendo que o órgão feriu o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), segundo o qual advogados podem entrar livremente em qualquer julgamento. O advogado em questão, Sebastião Coelho, é o defensor de um dos acusados de envolvimento na tentativa de golpe, mas que não compõe o mesmo núcleo cujas denúncias estavam sendo analisadas no dia. O Comprova contextualiza o caso.

O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa, apartidária e sem fins lucrativos liderada e mantida pela Abraji – Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo | abc+



O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa, apartidária e sem fins lucrativos liderada e mantida pela Abraji – Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo

Foto: Projeto Comprova

Conteúdo analisado: Posts que questionam caso de advogado impedido de acompanhar julgamento no STF. Os conteúdos citam o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), dizendo que isso não poderia ter ocorrido.

Onde foi publicado: X.

Contextualizando: No dia 25 de março, o advogado Sebastião Coelho foi detido por desacato (e liberado em seguida) após ser proibido de entrar na sala em que ocorria o julgamento da denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outras sete pessoas por tentativa de golpe de Estado, na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF).

Nas redes sociais, Coelho contou ter tentado entrar no local, mas disse ter sido impedido. O advogado afirma que isso não poderia ter ocorrido porque ele era “parte do processo”, referindo-se a seu cliente, Filipe Martins, ex-assessor especial de Assuntos Internacionais do ex-presidente Bolsonaro e um dos denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Martins foi citado na petição (PET) 12100, a mesma de Bolsonaro, mas seu julgamento está previsto para abril.

O STF afirma que ele foi impedido de entrar pois não havia se credenciado previamente para acompanhar o julgamento. Considerando a repercussão gerada pelo caso, com posts acusando o STF de ter violado o Estatuto da OAB, o Comprova contextualiza o cenário com o que dizem o estatuto, a OAB, o STF e outros advogados.

OAB

A lei que dispõe sobre o Estatuto da OAB diz, em seu artigo sétimo, ser direito do advogado ingressar livremente nos locais abaixo:

a) nas salas de sessões dos tribunais, mesmo além dos cancelos (divisórias) que separam a parte reservada aos magistrados; b) nas salas e dependências de audiências, secretarias, cartórios, ofícios de justiça, serviços notariais e de registro, e, no caso de delegacias e prisões, mesmo fora da hora de expediente e independentemente da presença de seus titulares; c) em qualquer edifício ou recinto em que funcione repartição judicial ou outro serviço público onde o advogado deva praticar ato ou colher prova ou informação útil ao exercício da atividade profissional, dentro do expediente ou fora dele, e ser atendido, desde que se ache presente qualquer servidor ou empregado; d) em qualquer assembleia ou reunião de que participe ou possa participar o seu cliente, ou perante a qual este deva comparecer, desde que munido de poderes especiais.

Em nota, a OAB Nacional comunicou que acompanha com atenção os desdobramentos da sessão e que “os fatos narrados serão apurados com responsabilidade”. A instituição ainda destacou que “todos os advogados com processos pautados tiveram garantido o pleno exercício da sustentação oral – uma prerrogativa basilar da advocacia e do devido processo legal”. O órgão também esclareceu que recebeu a representação de colegas que relatam cerceamento de defesa e informou que tratará do tema junto ao STF.

Supremo

Procurado por e-mail, o STF afirmou que Coelho “foi detido pela Polícia Judicial do Supremo Tribunal Federal em flagrante delito por desacato e ofensas ao tribunal” e que “o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, determinou a lavratura de boletim de ocorrência por desacato e, em seguida, a liberação do advogado”.

Ainda segundo o órgão, “havia orientação de credenciamento prévio por parte de advogados para participar da sessão da Primeira Turma”. “Aos advogados das partes e às partes é permitido acesso livre, mas os demais tinham que encaminhar os nomes. Por isso, o desembargador aposentado foi encaminhado para acompanhar o julgamento em telão instalado na Segunda Turma, mas se recusou.”

Coelho afirma que era advogado da parte, mas seu cliente não estava sendo julgado naquele dia. Questionado sobre isso, o STF afirmou que, “embora seja o mesmo processo (PET 12100), o acusado que o ex-desembargador defende, Filipe Martins, não faz parte do Núcleo 1 (ou Núcleo Crucial), cuja denúncia foi analisada esta semana”, afirmou o STF.

Martins faz parte do Núcleo 2, que deve ser julgado em 29 e 30 de abril.

Interpretação

Consultados pelo Comprova, advogados divergem sobre o caso. Pedro Paulo de Medeiros, criminalista e conselheiro federal da OAB, reforça que o Estatuto da Ordem diz que os advogados podem entrar em qualquer repartição, “mas tem que interpretar a lei”.

De acordo com ele, deve-se interpretar o estatuto de acordo com medidas de segurança. “Sabemos dos riscos e ameaças a que os ministros do Supremo estão submetidos, então, precisa haver precaução, por isso o cadastramento prévio”, diz ele. “Além disso, ele (Coelho) não era advogado de nenhum cliente que estava sendo julgado.”

Já o também criminalista Fernando Capano tem outra interpretação. “O que me parece muito difícil de aceitar é que ele é um advogado regularmente nomeado nos autos para tutelar os interesses de um dos réus. E não é um processo julgado de maneira compartimentalizada. São grupos distintos, em sessões distintas, mas é um processo só”, diz.

Para Capano, Coelho não poderia ter sido impedido de entrar na sala. “Vamos supor que eu sou advogado nomeado nos autos e o processo está sendo julgado. Eu, obviamente, tenho interesse até mesmo em avaliar qual é o tom adotado pelos ministros, e eu sou impedido de adentrar a sessão? Isso me parece um problema gravíssimo.”

Ameaças

Às vésperas do julgamento de recebimento da denúncia contra Bolsonaro, o STF registrou um aumento no número de ameaças feitas à Corte. A maioria dos ataques ocorreu por meio da central telefônica do tribunal e por e-mail. Conforme apuração do blog da jornalista Malu Gaspar, no jornal O Globo, o clima de hostilidade levou a Ouvidoria do STF a recomendar a criação de um plano de segurança especial para o julgamento.

O STF é alvo de constantes intimidações. Entre o atentado de 8 de janeiro e o início de novembro de 2024, a Corte recebeu ao menos mil ameaças por diferentes meios. No dia 13 de novembro do ano passado, o chaveiro Francisco Wanderley Luiz, conhecido como Tiu França, morreu após explodir um artefato em si mesmo na Praça dos Três Poderes, em frente ao STF. Menos de 24 horas depois do ataque, o tribunal recebeu pelo menos oito e-mails em acordo com a ação do homem-bomba.

O Advogado

Sebastião Coelho é magistrado aposentado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) e do Tribunal Regional Eleitoral do DF (TRE-DF).

Ele renunciou ao cargo de corregedor em 2022 e, em 2024, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) abriu processo administrativo disciplinar contra Coelho por suspeita de incitação a atos golpistas da época em que ele ainda estava na ativa.

Segundo o CNJ, Coelho renunciou “ao cargo de corregedor eleitoral em agosto de 2022, três dias após o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes assumir a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)”. Ainda de acordo com o órgão, ele “fez discursos contrários ao ministro, afirmando que Moraes incitou guerra em seu discurso de posse” e “participou de uma série de eventos políticos no acampamento montado após as eleições de 2022 no Quartel-General do Exército, em Brasília”.

O Comprova tentou contatar Coelho e Edson Marques, advogado que o acompanhava durante o julgamento, mas não houve resposta até a publicação deste texto.

Fontes consultadas: O Comprova entrou em contato com a OAB, STF e os advogados citados acima.

Por que o Comprova contextualizou este assunto: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições. Quando detecta nesse monitoramento um tema que está sendo descontextualizado, o Comprova coloca o assunto em contexto. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Para se aprofundar mais: Sobre o mesmo caso, o Estadão Verifica publicou que Coelho foi detido em flagrante e liberado, não preso por ordem de Alexandre de Moraes. O Comprova já mostrou que é enganoso um post que afirma que Moraes atropelou a competência do Superior Tribunal Militar ao decidir que cabe ao STF julgar os militares envolvidos nos atos de 8 de janeiro em Brasília. Outras duas verificações mostraram que não é verdade que o presidente Lula (PT) armou a invasão e que o atentado não foi uma “farsa”. Na seção Comprova Explica você pode ler também que a Operação Shadow não mostra que há organização criminosa dentro do STF.

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