
Museu em casa dentro da sede da agremiação tem ainda fotografias, troféus, discos, vídeos e obras de arte que ajudam a contar a história de um símbolo da cultura carioca. Cacique de Ramos ganha Centro de Memória
Uma quadra do Rio onde se cruzam histórias de valor incomensurável do carnaval, do samba e da própria Zona Norte da cidade vai ganhar em abril seu centro de memória. No local, o público vai ver de perto relíquias que ajudaram a construir a história do Cacique de Ramos ao longo de mais de sete décadas.
Entre os itens que ficarão em exposição permanente no centro a partir de 15 de abril estão o primeiro pandeiro de Bira Presidente, um repique de mão de Ubirany, um tantã de Sereno e um banjo de Arlindo Cruz, expostos em frente a uma reprodução de uma das famosas tamarindeiras da quadra.
O repique de mão e o tantã foram introduzidos no samba por componentes do Cacique no grupo Fundo de Quintal, projeto que nasceu na quadra do bloco. Já o banjo foi trazido ao Cacique por Almir Guineto, mas Arlindo deu sequência à tradição ao substituí-lo.
O Centro de Memória vai funcionar em uma casa dentro da sede do Cacique, na Rua Uranos, em Ramos. Foi nas ruas do bairro que três famílias da região – Nascimento, Oliveira e Aymoré – decidiram formar um grupo para brincar o carnaval nos anos 1960.
“Nessa época, o sonho deles era poder brilhar na Rua Nossa Senhora das Graças, em Ramos”, explica o coordenador do Centro de Memória, o historiador Walter Pereira Júnior. Ele conta que, a partir de 2018, quando existia uma pequena exposição de fotos na parte de trás do Cacique, a ideia do Centro de Memória foi amadurecendo.
“O Cacique é detentor de vários patrimônios afetivos, simbólicos – a sua musicalidade, a interação recreativa entre seus componentes, as contribuições que deu ao samba. E sendo um patrimônio, a gente entendia aqui no Cacique que precisava de um espaço para trabalhar a preservação dessas memórias e levá-las para o presente e para outros públicos, para que não fosse uma história restrita ao passado. Na verdade, a gente quer um passado vivo que interaja com quem tá chegando. Então, a gente começou a formar acervo, guardar peças, elementos, coleções, arquivos pessoais”, explica.
O g1 visitou o local e viu a exposição fixa do centro de memória, dividida em núcleos nos cômodos da casa dentro da quadra, que mexem com a memória afetiva de amantes do samba e do carnaval de várias idades – tudo dividido por cortinas de miçangas nas cores do bloco.
Música e fé
Instrumentos históricos de membros do Fundo de Quintal e referência à tamarindeira no Centro de Memória do Cacique de Ramos
João Ricardo Gonçalves/g1
Logo na entrada, é possível ver um estandarte, um “pede passagem” – faixa comum em agremiações carnavalescas do Rio ao longo do século passado – e fantasias dos primórdios do Cacique confeccionadas pelo artista plástico Romeu de Vasconcelos.
Nesse espaço também há capas de discos raros do Cacique antes da fundação do Fundo de Quintal e informações sobre o início do bloco e sua rivalidade com o Bafo da Onça, do Catumbi.
Sala no Centro de Memória do Cacique de Ramos sobre espiritualidade do grupo e foto com Beth Carvalho rezando no local
João Ricardo Gonçalves/g1 e Reprodução
Outro núcleo é dedicado à religiosidade do bloco. “Ele tematiza a relação do caciquismo com as várias espiritualidades, os vários sagrados que são parte das práticas da instituição e também da sua comunidade”, explica Walter. O Cacique foi fundado por famílias que tinham relações com a umbanda e o candomblé, tendo como zeladora espiritual durante muito tempo, Conceição de Souza Nascimento, a mãe Conceição, que é mãe do Bira e do Birani.
Além disso, o grupo dialoga também com o catolicismo: é ligado a São Sebastião e recebe, durante a trezena de São Sebastião, a imagem do santo. Na exposição, é possível ver uma imagem de São Sebastião e uma foto icônica de Beth Carvalho, madrinha do Fundo de Quintal, rezando para o padroeiro. A sala com o santo foi montada de uma forma que o visitante quase se sente dentro da imagem.
Um terceiro núcleo, que fala da musicalidade do Cacique, traz uma réplica da tamarindeira e os instrumentos históricos, assim como referências a membros e ex-membros do bloco e do Fundo de Quintal, que nasceu em pagodes na quadra. Nesse espaço também são lembrados artistas que foram influenciados pelo Cacique e há exibição de vídeos históricos da agremiação.
Espaço em homenagem a Bira Presidente no Centro de Memória do Cacique de Ramos
João Ricardo Gonçalves/g1
Na mesma sala há um espaço sobre Bira Presidente, fundador e presidente, com direito ao sapato com o qual o sambista dança seu famoso “miudinho”.
Em outra sala, há troféus e homenagens de várias agremiações ao Cacique – de escolas de samba, como a madrinha Mangueira, a blocos como a Banda de Ipanema – além de outras instituições.
O ambiente ainda guarda referências ao Cacique no Carnaval, como memórias do desfile que foi enredo na Sapucaí, e citações ao bloco no imaginário social brasileiro. Uma mini-exposição com itens de Carlos Vergara sobre o Cacique também foi montada ali e a ideia é que no futuro outros artistas plásticos também cedam itens.
Serviço
Centro de Memória do Cacique de Ramos
Estandarte histórico do Cacique de Ramos
João Ricardo Gonçalves/g1
Referências à Mãe Conceição e à espiritualidade do Cacique de Ramos no Centro de Memória
João Ricardo Gonçalves/g1
Álbuns do Cacique, de antes da criação do Fundo de Quintal
João Ricardo Gonçalves/g1
Fantasia histórica do Cacique de Ramos exposta no Centro de Memória do bloco
João Ricardo Gonçalves/g1
Itens de Bira Presidente no Centro de Memória do Cacique de Ramos
João Ricardo Gonçalves/g1
Placas da Mangueira em homenagem ao Cacique
João Ricardo Gonçalves/g1
Fantasia usada em desfile da Mangueira sobre o Cacique
João Ricardo Gonçalves/g1
Saiba como o Cacique de Ramos criou a roda de samba como ela é conhecida hoje