Como um fundo consegue dar crédito barato a empresas que “ninguém quer emprestar”

A reconstrução do Rio Grande do Sul após a tragédia climática que vitimou 183 pessoas e deixou milhares de desabrigados já mobilizou o governo federal, ONGs, empresas e – por que não – o mercado financeiro. Uma das iniciativas vem de um fundo que oferece crédito barato a empresários da região. Com o sucesso do modelo desde o auxílio a negócios afetados pela pandemia de Covid-19, a Estímulo agora planeja um fundo exclusivo para a Amazônia. 

Desde outubro do ano passado, a gestora de investimentos de impacto social empresta de R$ 10 mil a R$ 200 mil a empresários gaúchos que tiveram lojas inundadas, quebras na cadeia de suprimentos por dificuldades logísticas ou redução no faturamento como consequência das enchentes. Não são necessárias garantias para contratar o crédito com juro a partir de 0,99% ao mês – muito abaixo dos 4% que as empresas conseguiriam nos empréstimos tradicionais, garante o CEO. 

  • Leia também: Perdas globais em ações de bancos se intensificam em meio a temores de recessão

Além do crédito mais barato, as empresas com faturamento mensal de R$ 10 mil a R$ 400 mil elegíveis para o financiamento têm seis meses de parcelas reduzidas. 

O fundo Retomada RS é novo, mas o modelo não. Ele segue o exemplo de seu irmão mais velho, o Estímulo Brasil, iniciado em 2021 para auxiliar micro e pequenos empresários afetadas pela pandemia de Covid-19 com taxas a partir de 1,69% ao mês. 

A gestora já emprestou dinheiro a mais de 5 mil empresas consideradas arriscadas, já que precisam de dinheiro para reconstruir seus negócios ou pagar outras dívidas mais caras e não têm ativos para entregar como garantia. Mesmo assim, a inadimplência acima de 90 dias é de 8% no Estímulo Brasil: “a expectativa era perder metade do dinheiro”, diz Vinicius Poit, CEO da Estímulo. 

Blended finance

A chave para os juros baixos está no modelo de blended finance, que combina doações e investimentos de impacto. A história do Estímulo Brasil ajuda a explicar o conceito: o fundo foi resultado de uma ação emergencial no início da pandemia, quando empresários se juntaram para fazer doações. Abilio Diniz e as famílias Feffer (da Suzano), Mattar (Localiza) e Menin (Inter e MRV) integram o grupo de 50 cofundadores que emprestaram R$ 60 milhões para MPEs que precisavam de crédito barato para não quebrar. 

Quando os empresários se reuniram para apurar os resultados da campanha, viram uma inadimplência de 3% e foram convencidos por Diniz a não tomarem as doações de volta. Com isto, nasceu um FIDC (Fundo de Investimento em Direito Creditório). Os cofundadores entraram cotistas subordinados – que só recebem o dinheiro aportado após os resgates das cotas seniores. A gestora captou investidores para as cotas com maior prioridade – estes esperam retorno sobre o investimento. 

  • Leia também: “Brasil e EUA são os países com o pior fiscal do mundo”, diz Stuhlberger

“É um misto entre a filantropia, que serve como a base dos fundos, e investimentos de impacto; com a metodologia, o fundo Brasil transformou R$ 60 milhões em R$ 320 milhões de crédito originado”, explica Poit. 

No fundo que atende o RS, o investimento inicial foi de R$ 40 milhões e contou com a participação da Gerdau, Itaú, Banrisul e outras empresas. O próximo passo no Sul é levantar investimentos via cotas seniores. 

Mesmo para investidores que esperam algum lucro com a operação, o retorno não é tão robusto quanto o oferecido por outros FIDCs, segundo Poit. Ele conta que os fundos vão operar com 50% de cotas subordinadas quando o mercado geralmente trabalha com a proporção de cerca de 20%. “Queremos mostrar para o investidor que é um negócio novo, tem retorno menor, mas ele recebe o impacto mensurado na sociedade e tem colchão de proteção muito maior’. 

Entre os impactos apurados pela gestora está a estatística de crescimento anual médio de 38% no faturamento das empresas atendidas, 54% de participação feminina nos quadros societários, 90% do volume emprestado a empresas localizadas em regiões de baixa renda e 13% de exposição à região da Amazônia Legal. 

Expansão 

Segundo Poit, o crédito para empresas da Amazônia Legal “tira pressão da floresta num contexto de muita atividade ilegal acontecendo por lá”. Ele lembra que os micro e pequenos foram responsáveis pela maior parte das vagas de trabalho criadas no Brasil em 2024 e “se não houver emprego, as pessoas vão trabalhar em garimpo ilegal e extrações irregulares”. 

  • Leia também: Com tarifas, Trump promete renascimento da indústria nos EUA; isso é mesmo possível?

Por isto, a Estímulo decidiu lançar um fundo para atender a região que abrange nove estados brasileiros. A gestora está captando interessados em entrar nas cotas subordinadas. O fundo Amazônia deve ser lançado antes do meio do ano. 

Investimentos de impacto e Selic alta

O volume de crédito concedido pela Estímulo vem crescendo em um contexto de cautela no mercado financeiro. Com a taxa básica de juros em 14,25% – e subindo –, muitos investidores preferem não arriscar e aplicar em títulos públicos ou de empresas grandes. 

Poit admite que o cenário macroeconômico é desafiador e que “os empreendedores dão algum trabalho a mais para pagar”. Ele vê demanda ainda maior pelo crédito barato, mas diz que precisam ser mais seletivos. Os empresários que têm crédito pré-aprovado precisam passar por entrevistas e fornecer informações do negócio para a gestora, que empresta para cerca de 8% das empresas que a procuram. 

A inciativa, porém, nasceu para ser contracíclica, afirma o CEO: “a Estímulo foi feita para emprestar quando ninguém empresta, foi feita para momentos como o atual”. 

Um dos objetivos da gestora é ser vista como referência global em blended finance. A apresentação do modelo em um curso de investimentos de impacto em Harvard foi um dos passos para a conquista, segundo Poit. “Queremos que as pessoas precisem olhar para o Brasil ao analisarem investimentos de impacto pelo mundo”, conclui.

The post Como um fundo consegue dar crédito barato a empresas que “ninguém quer emprestar” appeared first on InfoMoney.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.