O Lula liberal e o antipatriota Bolsonaro (por Mary Zaidan)

Enquanto a economia mundial entrava em colapso com o tarifaço de Donald Trump, que, em um misto de insanidade, maldade e capricho, enterrou o modelo de produção global que consolidou os Estados Unidos como a maior potência do planeta, a sintonia política do Brasil era outra. Ou melhor, mantinha-se a mesma que há tempos expõe o digladio barato entre pólos raivosos, impondo a escolha entre o ruim e o menos pior.

O presidente Lula amargou uma semana dura. Depois de colher louros em acertadas visitas de aprofundamento de relações comerciais com o Japão e o Vietnã – antes mesmo de as duas economias serem sufocadas com tarifas para lá de crueis de Trump -, Lula planejava usufruir de uma agenda positiva no Congresso, incluindo a isenção de imposto de renda até R$ 5 mil, forte aceno à classe média. Na viagem, acertou alguns pontos com os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), e da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).

Na sequência, programou o relançamento do governo, sob a aura de um extemporâneo balanço dos seus dois primeiros anos. Tudo deu errado. Um dia antes da cerimônia do “Brasil para brasileiros”, mote do marqueteiro Sidônio Palmeira, alçado a ministro da Comunicação, salvador da popularidade, veio a hecatombe expressa na nova rodada da pesquisa Quaest. Nela, a desaprovação do governo bateu em 56%, 7 pontos percentuais negativos a mais do que o já péssimo resultado de janeiro.

A nota de ânimo veio sábado, com os números do Datafolha que, ao contrário do apontado pela Quaest, indicam o estancamento da queda de popularidade do presidente. Mas a reprovação de 38% ainda é maior do que os 29% que o aprovam. Em ambas pesquisas, Lula seria vitorioso em 2026, ainda que seguido de perto pelo inelegível Jair Bolsonaro, e bem à frente dos sete outros nomes de direita expostos ao embate. Ganha com folga dos governadores de São Paulo, Tarcisio de Freitas (Republicanos), do Paraná, Ratinho Júnior (PSD), de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil) e de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), do deputado fujão Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e do coach Pablo Marçal, também inelegível até que seu recurso seja julgado no TSE.

Já Bolsonaro vai de mal a pior. Se neste domingo na Avenida Paulista ele pode se gabar de reunir uma boa tropa, pouco efeito os seus milhares – e não o milhão que gostaria – farão para colocá-lo de volta ao jogo. Sua autoanistia disfarçada em perdão aos condenados pelo 8 de janeiro de 2023 subiu no telhado. Líderes de partidos considerados aliados desistiram de subscrever a urgência da emenda de anistia, que até pode tramitar, mas por um caminho longo que inclui nada menos do que cinco comissões da Câmara. Ou seja, a anistia flopou, para usar a linguagem das redes sociais que tanto sucesso faz entre o público bolsonarista.

Mas até no ambiente das redes a semana que passou foi atípica. Diante das tarifas de Trump, Lula e os seus transmutaram-se em defensores do liberalismo econômico, sempre condenado pela esquerda. Do outro lado, Bolsonaro se antecipou ao presidente americano, empenhando todo apoio às taxações um dia antes de elas serem anunciadas. O “patriota” escolheu lamber as botas de Trump em vez de defender o Brasil. E cunhou a pérola da semana ao postar que Trump estava “protegendo o país (EUA) contra o vírus socialista”. Parece que o ex pirou de vez.

Esse cenário só aprofunda a gravidade da ausência de alternativas. Ainda que bem posicionados nas pesquisas Quaest e Datafolha, os rivais Lula e Bolsonaro são maciçamente rejeitados; desagradam mais do que agradam. Ainda assim, continuam ocupando o topo das listas de presidenciáveis por falta absoluta de lideranças capazes de romper com a perpetuação  maligna do voto no menos pior.

O vácuo abre espaço para aventureiros de todo tipo, como o destrambelhado Marçal, que disputou a Prefeitura de São Paulo e aparece com pontuação nas listas dos presidenciáveis, o cantor Gusttavo Lima, que por ora recuou da candidatura, e o influenciador Felipe Neto, que se lançou e depois disse ter sido de “mentirinha”.

Trump começou assim. De milionário outsider improvável a presidente dos Estados Unidos, agora pela segunda vez.

O monstro laranja se diverte como um coringa que ameaça Gotham City. Mas não há Batman em parte alguma do mundo para pelo menos congelar o caos. Nessa escala, os problemas no nosso quintal podem parecer banais, mas nem por isso deixam de ser graves. O país continua refém da dicotomia burra entre a esquerda que já foi e a direita que não sabe o que é. Como a reação às tarifas de Trump mostra, nossos líderes podem até inverter a lábia. Mas são os mesmos, fazem as mesmas coisas – ou coisa alguma.

 

Mary Zaidan é jornalista 

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