O que Trump quer (por Leonardo Barreto)

O desafio de compreender os objetivos da política tarifária apresentada por Donald Trump é significativo. Para fazer frente a ele, é útil recorrer a um texto escrito pelos jornalistas Brian Schwartz e Greg Ip, do Wall Street Journal, que foi publicado na última quinta (3) e que faz um relato fundamentado sobre as convicções econômicas do presidente americano, seu plano geral e os riscos que os EUA enfrentam no caminho que começou a ser trilhado.

A matéria mapeia a trilha de formação do pensamento econômico de Trump. Segundos os articulistas, ela é completamente assentada sobre a sua experiência no mercado imobiliário, o que afeta decisivamente sua percepção do seu país como o “maior marketplace do mundo” que outros países precisariam pagar para acessar.

Em 1988, eles dizem, em um talk show com a apresentadora Oprah Winfrey, Trump disse: “Esqueça nossos inimigos — os inimigos com os quais você não consegue falar tão facilmente. Eu faria nossos aliados pagarem sua parte justa. (…) Deixamos o Japão entrar e despejar tudo em nossos mercados. Não é livre comércio. Se você for ao Japão agora mesmo e tentar vender algo, esqueça…”.

Nessa lógica, o preço acessível de bens de consumo nos Estados Unidos é um indicador de acordos comerciais mal-feitos na medida em que um celular muito barato importado da China tem um custo embutido de perda de fábricas e de bons empregos que deixaram os EUA.

O todo do pensamento econômico de Trump pode ser resumido na seguinte equação: desenvolvimento = tarifas + redução do déficit fiscal + desregulamentação da economia + redução de impostos.

E sua aposta é que medidas compensatórias que reduzirão o peso fiscal e regulatório do Estado serão capazes de equilibrar o processo inflacionário e o efeito supressor da atividade econômica gerado pelas tarifas.

Completa a equação a existência de uma base de legitimidade dessa proposta que é baseada na lembrança nostálgica da economia e que está refletida nos discursos de Trump sobre a tristeza que dá em ver antigas fábricas fechadas e caindo aos pedaços. Esse sentimento é compartilhado por muitos eleitores há bastante tempo.

Os pontos de risco para o sucesso da política econômica de Trump são pelo menos três.

O primeiro é que a receita aplicada irá, na visão dos jornalistas, interromper um período recente de melhora da economia (e experimentar uma recessão, possibilidade que o próprio Trump reconhece);

O segundo é a possibilidade de perder suporte popular até as eleições de meio de mandato em razão da piora da economia. Uma derrota pode retirar sua maioria no Congresso;

O terceiro é contrariar conglomerados empresariais que levaram suas cadeias de produção para a Ásia e que, embora tenham apoiado Trump na sua maioria, esperavam uma ação mais moderada da sua parte.

Por isso, na estratégia do Republicano, a velocidade é tida como o componente que definirá a vitória ou o fracasso. É preciso fazer tudo antes que a oposição e os lobbies se organizem e, nesse sentido, arroubos populistas sobre invadir outros territórios e a drástica reforma administrativa podem ser distrações da mídia “enquanto a boiada passa”.

Será dificílimo o caminho de Trump. Como os jornalistas lembram, enxergar tarifas como vetores de ineficiência faz parte do receituário republicano. Além disso, fechar o mercado americano significa renunciar a influência internacional que fez parte da doutrina de segurança dos EUA desde a Segunda Guerra.

Com tantos componentes estruturantes e legítimos, é possível entender o “tarifaço” não como blefe ou gesto populista/eleitoreiro, mas como uma tentativa real de mudança de paradigma com efeitos em escala mundial.

É à luz do maior ou menor sucesso desse reposicionamento das placas tectônicas que os líderes mundiais e grupos empresariais devem montar seus planos de voo.

 

Leonardo Barreto é doutor em Ciência Política pela Universidade de Brasília

Adicionar aos favoritos o Link permanente.