Do bugio ao papagaio, expansão urbana e desmatamento colocam animais silvestres em risco

De repente, o mato virou cidade. A estrada rasgou a floresta. A lavoura varreu a mata nativa. A semente que alimentava aves e mamíferos rareou. Árvores deram lugar a postes que iluminam um novo mundo. No meio do caminho, animais como os bugios e papagaios cada vez mais encolhidos em seu habitat. As aves migraram para outro canto. Os primatas confundiram galhos com fiação elétrica. O resultado é trágico.

Macacos como os bugios confundem rede elétricas com galhos e árvores | abc+



Macacos como os bugios confundem rede elétricas com galhos e árvores

Foto: Mariano Pairet/PMU

A expansão urbana traz comodidades, mas também consequências. Para espécies características do Rio Grande do Sul, como o bugio-ruivo e o papagaio-charão, provoca mortes, migração e ameaça de extinção. No caso dos primatas, apenas entre 2018 e março deste ano, aconteceram 90 casos de choque elétrico em espécimes no sul de Porto Alegre e Viamão. Cinquenta e dois animais morreram. Os números são do Programa Macacos Urbanos (PMU/Ufrgs), que surgiu em 1993 por iniciativa de estudantes e professores da área de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). Desde lá, o grupo busca alternativas para a conservação do bugio-ruivo em Porto Alegre e Viamão.

Diversas ações de conservação já aconteceram na área. Atualmente, há 20 travessias seguras, chamadas de ponte dossel, que auxiliam no deslocamento dos animais, evitando principalmente atropelamentos e ataques de cães. Mas o crescimento urbano das últimas décadas reduziu ainda mais o habitat dos bugios. Logo, aumentaram os conflitos e as mortes da espécie. E um dos principais riscos tem sido a rede de fiação elétrica.

Voluntária do Macacos Urbanos, Danielle Backes Baccon detalha que os principais fatores que causam estes acidentes são a falta de isolamento em cabos de baixa tensão e nos conectores que ficam junto aos postes e transformadores, além da aproximação da rede de média tensão a galhos de árvores.

“As eletrocussões são um sério problema para a população de bugios de Porto Alegre e municípios vizinhos. Temos registrado mais de um caso por semana, a maioria dos quais leva o indivíduo a óbito”, lamenta o primatólogo Júlio César Bicca-Marques. Professor da Escola de Ciências da Saúde e da Vida da PUCRS, ele aponta que o problema ocorre em outros lugares do Brasil. “Até pequenos saguis morrem eletrocutados nos biomas brasileiros. Milhões de aves e mamíferos morrem todos os anos em linhas de transmissão e postes de energia construídos de forma inadequada ao redor do mundo”, alerta.

Para evitar esta interação perigosa, o Macacos Urbanos defende que as companhias elétricas troquem os cabos de baixa tensão por cabos multiplexados. Ecológicos, eles possuem isolamento e são seguros. Além disso, deve-se proteger os conectores e podar regularmente os galhos das árvores para que não encostem na fiação de média tensão. “Esse trabalho deve ser contínuo. A companhia elétrica precisa vistoriar de tempos em tempos esses locais para evitar novos conflitos. Os galhos crescem e precisam ser podados regularmente, às vezes o isolamento dos conectores estraga, então é de extrema importância que se tenha um acompanhamento regular”, pontua Danielle.

Choque em macacos

Febre amarela é outra ameaça

Bicca-Marques explica que não existem estimativas do tamanho total da população do bugio no Estado. Contudo, afirma que vem diminuindo com o passar dos anos em decorrência da expansão da agropecuária, das cidades e estradas. “Além disso, são altamente sensíveis à febre amarela. Entre 80% e 90% das populações são dizimadas em poucas semanas quando o vírus chega nas matas onde eles vivem.”

O primatólogo adverte que o desconhecimento e as fake news sobre o papel dos bugios no ciclo da febre amarela silvestre (ele não transmite a doença para humanos) podem levar as pessoas a persegui-los em períodos de surtos. “Esse assassinato é um tiro no pé da saúde pública. Por serem muito sensíveis ao vírus, quando ele chega em uma área de mata e começa a matar os bugios, sua morte alerta as autoridades de saúde e elas disparam programas de vacinação das pessoas”, observa o especialista. “Os bugios são como nossos anjos da guarda na luta contra a doença.”

Bugio-ruivo é endêmico da Mata Atlântica e está ameaçado de extinção | abc+



Bugio-ruivo é endêmico da Mata Atlântica e está ameaçado de extinção

Foto: Mariano Pairet/PMU

Uma espécie em risco

Ameaçado de extinção, o bugio-ruivo é um macaco arborícola endêmico da Mata Atlântica, com distribuição no País desde a região sul da Bahia até o Rio Grande do Sul. Também vive na província de Misiones, na Argentina.

Especialistas da União Internacional de Conservação da Natureza elencaram o bugio-ruivo como uma das 25 espécies de primatas mais ameaçadas do mundo no período de 2018 e 2020. Além disso, foi incluída no Plano Nacional para a Conservação dos Primatas da Mata Atlântica e da Preguiça-de-coleira como uma das 13 espécies mais ameaçadas.

Em algumas regiões de distribuição já houve eliminações locais. As principais ameaças são a suscetibilidade ao vírus da febre amarela silvestre, degradação do hábitat natural e a expansão urbana de infraestrutura energética e viária.

“A morte desses animais para o meio ambiente é irreparável, pois são importantes disseminadores de sementes devido à sua alimentação, contribuindo para a recuperação de espécies arbóreas em zonas de fragmentação de florestas. Logo, a sua presença nesses ambientes é de extrema importância para a preservação da Mata Atlântica, que é um dos biomas mais ameaçados”, observa Danielle.

Características do animal

Uma das características bem marcantes da espécie é o seu “ronco”, vocalização que serve como um alerta para outros grupos de bugios ou quando a espécie se sente ameaçada. As fêmeas adultas são marrons e pesam cerca de 4 a 5 quilos, enquanto os machos adultos são ruivos e pesam cerca de 6 a 7 quilos. A alimentação é em sua maioria folhas e frutos da estação, comendo também flores.

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Poucos dos feridos voltam para a natureza

Os resgates dos bugios na área entre Porto Alegre e Viamão costumam ser feitos pelas secretarias municipais do meio ambiente e pelo Comando Ambiental da Brigada Militar. Eles são então encaminhados para tratamento veterinário no Preservas, como é conhecido o Núcleo de Reabilitação e Conservação de Animais Silvestres do Hospital de Clínicas Veterinárias da Ufrgs, ou na Clínica Toca dos Bichos, ambos no município de Porto Alegre.

Dados do Preservas mostram que o custo médio para três meses de tratamento de um bugio sobrevivente é de, aproximadamente, R$ 9 mil. Com tempo médio de vida entre 15 e 20 anos, os custos com o tratamento podem chegar a R$ 250 mil por animal.

Aqueles que sobrevivem ficam debilitados e passam por um longo período de tratamento. “Muitos acabam perdendo membros, principalmente cauda, pés ou mãos, que são os locais mais atingidos pelas descargas elétricas”, lamenta Danielle.

Daqueles que sobrevivem ao tratamento e à reabilitação, alguns conseguem voltar para a natureza, já outros ficam impossibilitados em função das sequelas físicas, sendo encaminhados para o cativeiro.

Não é só o bugio que sofre pela intervenção do homem

Ouriços costumam sofrer com ataques de cães | abc+



Ouriços costumam sofrer com ataques de cães

Foto: Flávio Dutra/Ufrgs

Ao serem resgatados com vida, muitos bugios e de outros animais silvestres feridos são encaminhados para o Preservas. Além dos primatas que sofrem choques elétricos, o local recebe outras espécies com ferimentos provocados por colisões de carros, ataques de cães e até mesmo por agressões propositais feitas pelo homem.

Coordenador do Preservas, o professor da Faculdade de Veterinária da Ufrgs Marcelo Alievi aponta que normalmente o número de óbitos é superior ao registrado pela medicina veterinária doméstica, tendo em vista a gravidade dos casos. Quase a metade dos exemplares morre. Dos recuperados, somente um terço consegue voltar à natureza.

Nos últimos quatro anos, foram mais de 3,8 mil atendimentos a diferentes espécies. Somente no ano passado foram 1.448 atendimentos clínicos, sendo 1.242 animais silvestres de vida livre. Entre a espécie mais encaminhada ao Preservas está a do gambá-de-orelha-branca. “Às vezes, as mães são agredidas e morrem. Os filhotes ficam presos no marsúpio, que é a bolsa que ela tem para cuidar dos recém-nascidos. Daí eles são mandados para cuidados aqui”, relata Alievi. “A imensa maioria morre porque ainda não suporta o fato de não ter o cuidado materno”, lamenta.

Diferentes tipos de pássaros também são levados ao Preservas. Além de traumas sofridos por colisões com janelas e outros tipos de ações, na primavera, muitos filhotes saem do ninho e as pessoas pensam que foram abandonados e encaminham até as autoridades, que repassam ao Preservas.

As saidinhas das tartarugas-tigres-d’água para procurar local para postura também as colocam em risco na região metropolitana. Atropelamentos são frequentes. Graxaim é outro que sofre, assim como o ouriço, que costuma ter como vilões os cães. E nos últimos anos os casos de bugios feridos na rede elétrica entraram para as estatísticas.

Atuação do Preservas

“Não somos o centro do universo”

A expansão urbana desenfreada é apontada pelo coordenador do Preservas como a principal fonte de conflitos que colocam a vida de diferentes espécies em risco. “Os animais ficam mais expostos aos choques, atropelamentos, ataques de cães e até a agressão humana”, pontua Alievi.

Diante da interação quase inevitável com a vida silvestre, o professor da Ufrgs pondera que o cidadão precisa ter consciência que cada espécime tem seu papel no mundo como conhecemos. “Cada um tem sua função. A dispersão de sementes, a alimentação… Um gambá, por exemplo, come baratas e escorpiões, ajuda na dispersão de sementes. Existe uma importância ecológica. Se a gente gera um desequilíbrio, isso se volta contra a natureza e contra a gente”, adverte.

Sem a dispersão de sementes a regeneração de florestas fica comprometida. “E isso é essencial para a proteção de nascentes de água potável, redução da temperatura, proteção do solo, sequestro de carbono da atmosfera para amenizar a crise climática e tantos outros serviços ecossistêmicos que usufruímos sem pagar um único centavo e sem valorizarmos adequadamente”, contextualiza o primatólogo Bicca-Marques, que lembra ainda do papel marcante do bugio na cultura do Rio Grande do Sul, onde surgiu um ritmo musical com seu nome.

Diante deste cenário, Alievi defende que é preciso que a sociedade e o poder público façam sua parte para ajudar nesta preservação. “A construção de estradas precisa ter vias para circulação destes animais, para que não sejam expostos a atropelamentos. A fiação da rede elétrica deve estar protegida. E a sociedade como um todo tem que se dar conta de que não somos o centro do universo, precisamos ter respeito em relação a este convívio”, pontua o veterinário.

Bicca-Marques considera que este tipo de atitude conservacionista exige uma mudança de perspectiva. “Estamos em um momento da história da humanidade que requer uma transição ecológica e energética urgente. O Brasil tem tudo para ser o líder mundial nessa virada de mentalidade necessária para dar uma chance de sobrevivência não apenas aos bugios, mas a toda a biodiversidade e à própria humanidade. Se continuarmos acomodados, inertes, impotentes, o agravamento da crise climática nos sugará para dentro de um ‘buraco negro’ sem retorno.”

Zoo de Canoas trata e reabilita animais silvestres feridos | abc+



Zoo de Canoas trata e reabilita animais silvestres feridos

Foto: Prefeitura de Canoas/Divulgação

Zoo de Canoas atua na reabilitação e reinserção na natureza

Além do Preservas, o Zoo de Canoas é outro local que atua na reabilitação de animais silvestres feridos. Desde 2005, o zoológico abriga exemplares que não têm mais condições de retornar à natureza, que estão na área de visitação, além de trabalhar para a recuperação e reinserção de diferentes tipos de bichos nos seus habitats.

De acordo com a médica veterinária Carolina Depelegrin, que trabalha no zoológico, os animais são levados pela comunidade em geral e órgãos ambientais vindos não só de Canoas, mas de toda região metropolitana e interior do Estado. Somente no ano passado, 2.059 espécimes receberam atendimentos. A taxa de sobrevivência chegou a 40% e 710 foram devolvidos à natureza. “Eles geralmente sofreram traumas graves, estão muito debilitados e, muitas vezes, foram encontrados apenas um tempo depois do ocorrido, o que pode comprometer ainda mais suas chances de recuperação e reintegração à natureza”, observa Carolina.

Além dos bugios, graxains, gatos-do-mato, gambás, corujas, urubus, gaviões e outros pássaros costumam passar por reabilitação no Zoo de Canoas. A médica veterinária corrobora que choques na rede elétrica, atropelamentos e agressões estão entre os principais motivos. Cita ainda o tráfico de animais, sendo este uma grave ameaça à fauna silvestre. “Gambás e serpentes são especialmente vulneráveis, devido ao medo, à desinformação e ao preconceito que ainda existem em relação a essas espécies”, pontua a veterinária.

Com o crescimento urbano, a especialista aponta que a aproximação da fauna silvestre das cidades em busca de alimento fácil aumenta, assim como os riscos. “Na maioria das vezes, esses animais estão apenas de passagem, e minimizar a interação ajuda a reduzir conflitos e garantir a segurança tanto deles quanto da população.” Investimento em educação ambiental, preservação de habitats naturais, combate ao tráfico de animais e adoção de infraestrutura segura são ações que podem evitar interações perigosas.

Carolina orienta ainda que quem encontrar animal silvestre ferido ou em situação de risco, entre em contato com a equipe do Zoo de Canoas para receber orientações pelo WhatsApp (51) 99787-1078. O acolhimento de animais ocorre todos os dias, inclusive aos fins de semana, das 8h às 17h.

Promotora Annelise Monteiro Steigleder acionou judicialmente a CEEE Equatorial | abc+



Promotora Annelise Monteiro Steigleder acionou judicialmente a CEEE Equatorial

Foto: MPRS/Divulgação

Ministério Público acionou concessionária na Justiça

Provocado pelo Macacos Urbanos, o Ministério Público do Estado, por meio da Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente, ajuizou no ano passado ação civil pública contra a Companhia Estadual de Distribuição de Energia Elétrica (CEEE-D) e a Equatorial Energia – responsável pela CEEE Equatorial.

“A ação civil pública pede que a CEEE Equatorial elabore um plano de ação preventiva, que teria que contemplar tanto a poda das árvores que ficam próximas aos fios, como também a substituição dos cabos por fios multiflexados, que são fios isolados e evitam os choques”, resume a promotora de Justiça Annelise Monteiro Steigleder, que está à frente do caso.

Até o momento, o plano não foi apresentado pela CEEE Equatorial. “O que se tem é a liminar que determina que a cada ocorrência de acidente a CEEE tem um prazo de 48 horas para ir até o local, isolar o fio específico, o transformador e fazer as podas. Mas o plano de ação preventiva, que é um pedido mais amplo, ele ainda não foi julgado”, esclarece a promotora.

Na ação, o MP pede que a empresa seja responsável por custear as despesas com alimentação e tratamento médico-veterinário dos bugios sobreviventes aos choques. A promotora requer, ainda, indenização por dano material irreversível e dano moral coletivo, em valor não inferior a R$ 20 mil por sobrevivente e a R$ 50 mil por animal morto. “A indenização ainda não foi paga porque é justamente um dos pedidos da ação civil pública, que está numa fase bem incipiente. Tem toda uma etapa de produção de provas”, detalha Annelise.

A promotora pontua que a ação se concentra na área entre a zona sul de Porto Alegre e Viamão, onde ficam o Parque Estadual do Irapuã e a Reserva Biológica do Lami. No entanto, os próprios voluntários do Macacos Urbanos informam que o problema não se restringe a esta área do Estado, havendo notificações em municípios de outras regiões gaúchas. “A gente precisaria muito mapear outros conflitos para que possa ampliar o escopo do nosso trabalho”, admite a Annelise.

Petição pública

Preocupados com a situação e em apoio à ação pública da Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente, no final de 2024, profissionais da área do meio ambiente lançaram a petição pública “Brasil: Bugios precisam de proteção contra eletrocussão” no Salve a Floresta, que já está com quase 70 mil assinaturas. 

Aplicativo ajuda a monitorar espécies em áreas de conflito

Para registrar a presença de primatas em zonas urbanas pelo Estado, o Macacos Urbanos desenvolveu um aplicativo de monitoramento chamado “Olha o Macaco” – app.olhaomacaco.com.br. A ideia é envolver a população no registro de avistamento de primatas em áreas povoadas. Além do avistamento, podem ser informados casos de acidentes envolvendo esses animais.

O acesso ao aplicativo é bem simples, bastando ter um smartphone, tablet ou computador com acesso à internet. O app está disponível em uma página da web, podendo ser utilizado sem a necessidade de download. Ele também conta a história do Macacos Urbanos, detalha as espécies de primatas encontradas no Estado e fornece os contatos de emergências caso o animal esteja em risco.

Todos os registros entram no banco de dados do programa e apenas pessoas cadastradas têm acesso a estas informações, que vão servir para desenvolver pesquisas e ações públicas para a conservação.

Ações preventivas podem evitar ferimentos e mortes de bugios por eletrocussão | abc+



Ações preventivas podem evitar ferimentos e mortes de bugios por eletrocussão

Foto: Flávio Dutra/Ufrgs

O que diz a CEEE Equatorial sobre o assunto

Em relação aos incidentes já ocorridos com bugios em Viamão e zona sul de Porto Alegre, a CEEE Equatorial esclarece que segue implementando uma série de medidas de cuidado, como a substituição da rede de baixa tensão por uma rede isolada no trecho mapeado pela ação civil do MP, o que evita choque em caso de contato e confere mais proteção aos animais.

De acordo com a concessionária, dos 24 quilômetros de substituição da rede elétrica por multiplexada nos trechos indicados pela ação civil já foi efetuada a troca de 7 quilômetros. A CEEE defende ainda que as redes de distribuição da companhia obedecem a padrões construtivos, de acordo com as normativas brasileiras, e estão devidamente licenciadas pelos órgãos ambientais competentes.

Ainda conforme a companhia, a empresa segue realizando a poda da vegetação nas regiões mapeadas de forma preventiva, com o intuito de afastar os galhos que estão próximos à rede elétrica, e considera que a ação civil pública está em fase bastante adiantada de negociação com o Ministério Público.

A concessionária defende ainda que solução adequada da questão passa por uma ação conjunta entre distribuidora de energia e os órgãos ambientais licenciadores, destacadamente municípios, especialmente no que se refere à ocupação no entorno dos parques do Lami e Itapuã, que impactam o habitat e o modo de vida dos primatas, contribuindo decisivamente para os incidentes envolvendo redes elétricas, atropelamentos e outros.

RGE afirma que adota medidas preventivas

Concessionária presente em 381 cidades gaúchas, a RGE informa que possui dispositivos sinalizadores de avifauna, em linhas de transmissão, para proteção das redes e preservação de aves migratórias e animais silvestres.

Além disso, a empresa afirma que investe na instalação de redes protegidas e mantém podas regulares para evitar contato das árvores com a rede elétrica. A RGE reforça ainda que faz monitoramento com profissional habilitado em toda a sua área de concessão.

Prefeitura de Porto Alegre diz que age sistematicamente

A Prefeitura de Porto Alegre informa que a Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus) atua sistematicamente nas ocorrências envolvendo bugios. De acordo com o município, os animais são resgatados e levados para tratamento veterinário quando necessário.

Além disso, informa que a Smamus participa, junto ao Ministério Público, das audiências de mediação com a CEEE Equatorial para construção de um plano de ação, “o qual já avançou, mas ainda não está concluído”. Segundo a Prefeitura da capital, identificou-se a necessidade de que seja elaborado um planejamento pela concessionária que contemple tratamento diferenciado para as infraestruturas elétricas localizadas nas áreas vulneráveis de fluxo das populações de bugios.

Procurada, a Prefeitura de Viamão não quis se manifestar sobre o caso.

Nem todos os animais que sobrevivem aos choques conseguem voltar para natureza | abc+



Nem todos os animais que sobrevivem aos choques conseguem voltar para natureza

Foto: Flávio Dutra/Ufrgs

Sema atua na criação de políticas públicas

Por meio de nota, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema) informa que, dentro das suas estratégias de preservação e proteção ambiental, atua na criação de políticas públicas para a fauna silvestre e doméstica. “Atualmente, encontra-se em discussão, na Câmara Técnica de Planejamento Ambiental do Conselho Estadual do Meio Ambiente, a proposição de uma normativa que prevê a adoção de medidas protetivas à fauna silvestre por parte das companhias de energia elétrica no Rio Grande do Sul”, argumenta a Sema, em nota.

Especificamente sobre os bugios-ruivos, afirma que desenvolve, por meio da sua Divisão de Pesquisa, estudos com armadilhas fotográficas para monitorar as populações na zona sul de Porto Alegre e em Viamão, locais com ocorrência desta espécie. Além disso, elabora projeto cuja finalidade é auxiliar financeiramente os locais que atualmente realizam atendimento aos animais silvestres de maneira voluntária, visando, além da contrapartida e valorização dos estabelecimentos parceiros, ampliar os locais de atendimento.

A Sema destaca que participa do Programa de Manejo Populacional Integrado para a espécie, coordenado pelo Instituto Chico Mendes do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (ICMBio). E que trabalha no projeto de Centros Estaduais de Triagem de Animais Silvestres (Cetas), para ampliar a participação do Estado em relação aos conflitos de fauna silvestre.

No âmbito da ação civil pública movida contra a CEEE Equatorial, a pasta informa que está colaborando com o processo no sentido de sugerir caminhos e estratégias para evitar e reduzir os números de bugios eletrocutados. A equipe do Parque Estadual de Itapuã participa das discussões e atua nos resgates e encaminhamento dos exemplares eletrocutados no seu entorno.

A Sema acrescenta que compartilha com município e União a responsabilidade de destinação dos animais atingidos para tratamento, soltura ou encaminhamento para mantenedouros de fauna.

Projeto de lei na Assembleia estabelece política pública sobre o tema

Para ampliar a proteção à fauna, o assunto chegou à Assembleia Legislativa. O deputado estadual Matheus Gomes (PSOL) apresentou projeto de lei 331/2024, após debate com pesquisadores e ativistas de entidades ligadas à proteção do meio ambiente e dos animais. A proposta prevê a criação de políticas públicas para evitar acidentes com animais silvestres em redes elétricas no Estado.

“O bugio entrou no processo como o animal bandeira, mas o projeto de lei que criamos em conjunto abrange os diversos animais que estão constantemente na rede elétrica e passíveis de sofrerem algum acidente”, pontua o parlamentar.

Entre as medidas preventivas propostas estão o isolamento das conexões de cabos multiplexados; a instalação de protetores nos conectores e cabos para proteção adicional, incluindo o protetor preformado de pássaros; a necessidade de fiscalização periódica para identificar e prevenir instalações clandestinas; a execução de podas regulares nas árvores próximas aos postes; e colocação de pontes aéreas.

O deputado acrescenta que o projeto prevê a criação de um plano de adaptação e de um protocolo de prevenção, cujo objetivo é prever um cronograma de ações a serem desenvolvidas pelos responsáveis nas estruturas elétricas já existentes e detalhar o conjunto de procedimentos para o cumprimento da legislação. “Incluímos infrações administrativas caso as medidas e adaptações não forem realizadas”, salienta Gomes.

O deputado espera que a proposta tramite sem contratempos na Assembleia. Se aprovado o projeto, a lei valerá para todas as concessionárias que atuam no Estado.

Travessias seguras minimizam risco de acidentes com macacos | abc+



Travessias seguras minimizam risco de acidentes com macacos

Foto: Mariano Pairet/PMU

Capital terá programa municipal para prevenir choques elétricos

Enquanto o projeto de lei tramita na Assembleia Legislativa, a Câmara de Porto Alegre aprovou proposta semelhante para a capital. A iniciativa do vereador Roberto Robaina (PSOL) cria o Programa de Prevenção de Acidentes Elétricos com Animais.

O programa busca proteger a fauna nativa; promover a modernização das estruturas de rede elétrica, tendo em vista a proteção dos animais; e desenvolver e aplicar adaptações e medidas preventivas, visando impedir a ocorrência de acidentes elétricos.

Entre as ações previstas, estão a colocação de cones ou dispositivos similares na parte superior dos postes de transmissão de energia elétrica localizados às margens de zonas rurais, reservas ou áreas florestadas; a criação de corredores ecológicos para o trânsito de animais silvestres; e a correção de falhas técnicas na instalação e manutenção de equipamentos elétricos e fiações urbanas.

Em caso de descumprimento, a multa pode chegar a R$ 39,7 mil. Os recursos arrecadados com as multas serão destinados para a criação de projetos e campanhas de proteção aos animais.

“Essa é uma iniciativa essencial para preservar a vida do bugio-ruivo, espécie ameaçada de extinção, e de tantas outras que compartilham nosso ecossistema. Devemos exigir das empresas para que não tenhamos um verdadeiro assassinato de animais. O projeto tem como objetivo amenizar este tipo de tragédia”, afirma Robaina.

Situação acontece em outros locais do País e chegou à Câmara dos Deputados

Macaco-prego que sofreu choque elétrico recebeu tratamento no Instituto Vida Livre, do Rio | abc+



Macaco-prego que sofreu choque elétrico recebeu tratamento no Instituto Vida Livre, do Rio

Foto: Instituto Vida Livre/Divulgação

O mesmo tipo de situação que acontece no Rio Grande do Sul tem sido registrado em outros locais do País, como Goiás e Rio de Janeiro. No Rio, o Instituto Vida Livre recebeu nos últimos três anos dezenas animais, como macacos e bichos-preguiça, vítimas de choques elétricos da rede da concessionária Light, que atua na cidade.

A partir da pressão exercida por apoiadores da organização não governamental, o caso chegou ao MP do Rio e ganhou visibilidade. Por meio da articulação do instituto com o Congresso Nacional, o deputado federal pelo Rio de Janeiro Marcelo Queioz (PP) apresentou projeto de lei 564/2023. A proposta exige adaptações e melhorias nas redes, além de responsabilizar as concessionárias pelos custos do resgate e do tratamento dos animais.

“A concessão da energia é federal, então, é importante uma legislação nacional para ter mais impacto e força. Isso pressiona por investimentos em pesquisa, prevenção, mapeamento de risco”, pontua o presidente do Vida Livre, Roched Seba. Ele pondera que para as próprias concessionárias o conflito é prejudicial. “O acidente com animais não é vantajoso porque gera prejuízo, interrupção de energia.” Por isso, a Light deve lançar em breve um projeto inédito no país para diagnosticar o tamanho do problema e propor ações de conservação.

O que prevê o projeto de lei federal

Entre as medidas defendidas estão a colocação de cones ou similares na parte superior de postes localizados em zonas de conflito, a criação de corredores ecológicos para trânsito de animais silvestres, a correção de falhas técnicas na instalação e manutenção de equipamentos.

Pelo projeto, empresas públicas e privadas deverão adotar as medidas preventivas em até 120 dias após a sanção da futura lei, sob pena de multa de R$ 1 mil por dia. Arcarão ainda com o resgate e o tratamento dos animais que sofrerem acidentes, sob pena de multa não inferior a R$ 20 mil, valor a ser atualizado anualmente.

“É cada vez mais necessário a adoção de técnicas e de dispositivos de segurança que evitem que os animais que estejam transitando em áreas florestadas e com linhas de transmissão sofram acidentes”, afirma Queiroz. No entanto, após quase dois anos de tramitação, o projeto aguarda parecer do relator da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Cmdas). Após, ainda precisará ser analisado pelas comissões de Minas e Energia, de Finanças e Tributação, de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Ações para mitigação evitam mortes nas rodovias

Onde tem expansão urbana, tem estrada. E as rodovias que conectam pessoas podem ser um obstáculo para o deslocamento da fauna e para a qualidade do próprio habitat. Mestre em Ecologia, a bióloga Bibiana Terra Dasoler integra o Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (Nerf) da Ufrgs e aponta os principais impactos na vida silvestre. “As fatalidades ocasionadas por colisões entre veículos e fauna são o impacto mais visível e estudado, sendo frequentemente considerado o mais grave”, admite.

Além dos atropelamentos, ela cita que há registros de mortes por barotrauma – lesão causada por diferenças de pressão atmosférica entre o ambiente externo e o interior do corpo – e aprisionamento. Aponta ainda impactos indiretos trazidos pelas estradas, como o aumento da caça e a disseminação de doenças devido ao acesso facilitado. Bibiana pondera que outras consequências podem estar sendo pouco dimensionadas.

“A perda de qualidade do habitat pode ser o mais significativo para a biodiversidade. Isso pode ocorrer de forma direta, devido à supressão da vegetação para a construção da rodovia, ou de forma indireta, decorrente da ocupação humana no entorno, que leva a mudanças no uso e cobertura do solo, reduzindo a qualidade ambiental para diversas espécies”, analisa a bióloga. Fatores como poluição sonora, contaminação química por herbicidas, erosão e fragmentação de habitat também afetam a vida silvestre.

No Rio Grande do Sul, a maioria das rodovias foi construída antes da exigência de medidas de mitigação, com isso, poucas decisões específicas para o cuidado com a fauna foram tomadas, de acordo com Bibiana. No entanto, é possível contornar a situação. “Algumas estruturas de drenagem existentes podem ser adaptadas para esse fim, desde que sejam instaladas cercas direcionadoras para impedir o acesso dos animais à pista e conduzi-los até essas passagens”, aponta.

A especialista observa que adaptações adicionais podem ser necessárias, como a inclusão de passarelas secas dentro das drenagens, permitindo que os animais atravessem sem precisar entrar na água. Mas pontua que é fundamental ter estudos para identificar quais os grupos são impactados e quais melhorias são necessárias. “Além de sabermos onde elas devem ser implementadas para garantir maior efetividade.”

Passadores aéreos facilitam a travessia segura de animais adaptados a viver em árvores | abc+



Passadores aéreos facilitam a travessia segura de animais adaptados a viver em árvores

Foto: Edivan Ros /Divulgação EGR

Todas as espécies sofrem

A bióloga aponta que todos os grupos de animais são afetados, incluindo invertebrados, como insetos, embora ainda sejam pouco estudados. Entre os vertebrados, a fauna de pequeno porte é a mais impactada, principalmente os anfíbios. “Já animais de maior porte chamam mais atenção devido ao risco que representam para motoristas em caso de colisão, podendo resultar em acidentes graves, incluindo óbitos humanos.”

Entre os mamíferos de médio porte, Bibiana indica que gambás e graxains são atropelados com mais frequência, mas diversas espécies ameaçadas também são afetadas, como felinos, roedores, veados e primatas. “No nosso Estado, onde a fauna já se encontra reduzida, capivaras são uma das espécies silvestres que mais preocupam em relação à segurança viária”, avalia a bióloga. Ela cita ainda o risco que cães representam. “Apesar disso, os esforços para limitar sua presença nas estradas são limitados.”

Ações têm sido adotadas, mas é possível fazer mais

Bibiana admite que algumas iniciativas têm sido implementadas no Estado. “Embora ainda de forma tímida em relação à extensão das rodovias mitigadas e à abrangência das espécies beneficiadas”, pondera. Cita como exemplo algumas rodovias que possuem passagens aéreas para primatas, como nas áreas urbanas de Porto Alegre, ERS-118 sob responsabilidade do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer) e ERS-040 sob responsabilidade da Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR).

Algumas rodovias administradas pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) também receberam adaptações, com cercas e passagens secas em estruturas de drenagem, protegendo mamíferos em lugares como a Área de Proteção Ambiental (APA) do Ibirapuitã e o Taim. Em rodovias que foram duplicadas, como a BR-101 e BR-116, algumas medidas foram adotadas, mas Bibiana avalia que a abrangência ainda é limitada.

“Na Rota do Sol, por exemplo, apenas um quilômetro recebeu medidas voltadas para a fauna de pequeno porte, como répteis e anfíbios. Em algumas dessas situações, a implementação ocorreu devido a ações judiciais movidas pela sociedade civil organizada”, exemplifica a pesquisadora. Ela alerta que à medida que rodovias mais antigas são regularizadas, novas exigências ambientais têm levado à adoção gradual de ações de mitigação.

Medidas de proteção precisam considerar espécies-alvo

A pesquisadora aponta que a literatura considera a adoção de cercas a estratégia mais eficaz para reduzir os acidentes, pois impedem que os animais acessem a pista, evitando colisões. “No entanto, é essencial que sejam projetadas considerando as espécies-alvo, pois diferentes grupos necessitam de cercas com especificações distintas. Por exemplo, uma com malha larga pode impedir a passagem de animais de grande porte, mas não de pequenos vertebrados”, observa.

Bibiana salienta que o uso da estrutura ainda é restrito a espécies de risco à saúde humana ou a algumas de interesse de conservação, com alternativas sendo testadas, mas que carecem de mais estudos. Ela recomenda que as cercas sejam associadas a estruturas de travessia, permitindo que os animais atravessem a rodovia com segurança. “Um exemplo interessante são as pontes de cordas desenvolvidas pelo grupo Macacos Urbanos para os bugios, que se mostraram uma solução viável para permitir a travessia segura desses primatas.”

Passagens aéreas servem como travessia segura para bugios | abc+



Passagens aéreas servem como travessia segura para bugios

Foto: Mariano Pairet/PMU

Daer afirma que tem agido para proteger animais silvestres

Além da implantação de placas de sinalização ambiental, o Daer afirma que instala travessias aéreas ou inferiores em locais indicados nos monitoramentos. Diz ainda que busca adequar os dispositivos de drenagem, com o intuito de possibilitar uma passagem seca para a fauna, seja por meio de um degrau em bueiros celulares ou do prolongamento de pontes.

Na Rota do Sol, a autarquia informa que ao longo de toda a extensão do segmento entre a localidade de Tainhas, em São Francisco de Paula, e a BR-101, em Terra de Areia, foram executados dispositivos de proteção à fauna para diferentes grupos, com galerias, pontilhões, prolongamento da ponte com cercas direcionadoras. Com destaque para o trecho em que a rodovia atravessa a Reserva Biológica Mata Paludosa, em Itati, onde o foco de proteção são os anfíbios. Neste lugar foram implantadas cercas bloqueadoras que impedem o acesso dos animais à pista e cinco travessias de fauna aéreas e seis passagens inferiores, visando a proteção de anfíbios, entre os quais, espécies endêmicas e ameaçadas de extinção.

Ainda conforme o Daer, as estruturas construídas possibilitam o livre trânsito nas passagens inferiores, sob a pista, por várias espécies de mamíferos e répteis que possuem nestas travessias um local seguro para ir e vir de um lado ao outro da unidade de conservação.

Já na ERS-118, trecho Lami-Itapuã, foram implantadas nove passagens de fauna aéreas em pontos estratégicos de localização de caminhos preferenciais, onde bugios atravessam a rodovia. Esta região se caracteriza por possuir grande concentração do bugio-ruivo. Nessa rodovia, o Daer desenvolve o trabalho em parceria com o Programa Macacos Urbanos.

Na RSC-153, entre Vale do Sol e Sinimbu, há alguns anos foram executadas duas passagens aéreas destinadas à travessia de bugios, bem como cercamento de proteção para que os animais não entrassem na pista. E na ERS-126, no trecho denominado contorno do município de Ibiraiaras, foram implantadas passagens inferiores do tipo galeria, com cercamento direcionador da fauna. A medida visa a proteção de anfíbios em locais úmidos e também de répteis, mamíferos e aves, que podem se beneficiar de alguma forma.

No trecho da ERS-020, entre Cambará do Sul e São José dos Ausentes, em alguns pontos já foram construídas passagens de fauna sob a rodovia e outras estão previstas com o avanço das obras. A implantação é decorrente de um estudo com monitoramento da fauna do entorno, onde se pode determinar as espécies e prováveis locais de deslocamentos pela rodovia. Isso tem sido preponderante para definir a localização das passagens de fauna. Também está prevista a implantação de travessias aéreas, que podem ser usadas por primatas como bugios e atender outros animais escaladores. Posteriormente, na fase de operação da rodovia, poderá ser aferida, por novos monitoramentos, a efetividade dessas travessias.

O Daer informa ainda que trabalha para viabilizar a contratação da execução de monitoramentos periódicos da fauna atropelada, em suas rodovias pavimentadas, conforme diretrizes do órgão estadual licenciador, a Fepam.

O que diz a EGR

A EGR informa que além do serviço direcionado para a manutenção asfáltica dos segmentos viários, estabelece diretrizes protetivas relacionadas ao meio-ambiente e aos animais. Por meio do Programa de Educação Ambiental e Comunicação Social (Peacs), a estatal afirma que promove ações de conscientização para aprimorar a comunicação entre a estatal e seus públicos de interesse. Desde 2019, passou a divulgar regularmente matérias informativas sobre a realização das atividades e sensibilizar para os cuidados e riscos ambientais com diversas publicações e campanhas.

Por fim, a EGR esclarece que faz o atendimento de resgate de animais na pista e em situações de risco, mas frisa que o recolhimento e encaminhamento do animal não faz parte das atribuições da estatal, por necessitar de convênios com os órgãos competentes.

Construção de galeria e passagens de fauna subterrâneas previnem acidentes em rodovias federais  | abc+



Construção de galeria e passagens de fauna subterrâneas previnem acidentes em rodovias federais

Foto: Dnit/Divulgação

Dnit garante que adota medidas para prevenir e mitigar impactos à fauna

O Dnit informa que adota diversas medidas para prevenir e mitigar impactos à fauna silvestre, incluindo ações de monitoramento e programas de educação ambiental. Segundo o órgão, no Rio Grande do Sul, as rodovias federais em operação estão passando por um processo de regularização ambiental vinculado à autorização de operação emitida pelo Ibama. Ela prevê a execução de um Programa de Monitoramento, Prevenção e Controle de Atropelamentos de Fauna Silvestre, que está sendo implementado gradualmente.
Além disso, o Dnit afirma que vem adotando estratégias que combinam infraestrutura e monitoramento ambiental para reduzir atropelamentos de animais e manter a conectividade entre fragmentos de habitat.

Na BR-290, por exemplo, estão sendo implementadas adaptações em bueiros para que funcionem como passagens secas, possibilitando a travessia de animais terrestres sob a rodovia. Além disso, os projetos das novas pontes contemplam dispositivos de passagem de fauna, promovendo deslocamentos seguros para as espécies e contribuindo com a manutenção dos corredores ecológicos.

No trecho do Rio Capivari, estão previstas passagens aéreas voltadas à fauna arbórea. Essas ações estruturais são complementadas por programas de monitoramento da fauna e bioindicadores, os quais já identificaram a presença de espécies como graxaim-do-campo, bugio-ruivo, falsa-coral e azulão, reforçando a importância ecológica da região.

Já na travessia urbana de Santa Maria (BR-158 e BR-287), uma passagem inferior para fauna silvestre, do tipo bueiro, foi parcialmente implantada no quilômetro 1, no trecho conhecido como Cerrito, aguardando finalização. O local foi identificado como ponto de ocorrência significativa de atropelamentos, o que reforçou a necessidade de intervenção. Também está prevista a implantação de um projeto de sinalização de áreas ambientalmente sensíveis. A iniciativa tem o objetivo de alertar motoristas sobre a presença de animais silvestres, contribuindo para a redução de atropelamentos.

Assim como na BR-290, também são executados programas de monitoramento e controle de atropelamentos, realizados em parceria com a equipe de gestão ambiental local. Esses programas permitem avaliar a efetividade das medidas adotadas e embasar tecnicamente a implementação de novas soluções.

Ao longo dos 8,3 quilômetros das obras da BR-285, em São José dos Ausentes, a rodovia contará com seis passagens de fauna: duas pontes adaptadas e quatro galerias subterrâneas, destinadas a manter a conectividade dos habitats e evitar o atropelamento de animais. As estruturas são complementadas por cercas direcionadoras, que visam conduzir os animais até o local seguro de travessia.

No caso das obras de duplicação da BR-116, entre Guaíba e Pelotas, além da implantação de passagens de fauna, o Dnit pontua que o manejo adequado de espécies ameaçadas de extinção também é uma importante medida protetiva adotada. No decorrer dos estudos e das ações de monitoramento do empreendimento, foram identificadas no território espécies ameaçadas de extinção da família dos rivulídeos – conhecidos como peixes-anuais.

Devido à necessidade de proteção desses exemplares, o projeto sofreu alterações que eliminaram a influência de escavações e aterros em um trecho da rodovia. A cada três meses, as áreas em que os animais foram registrados às margens da estrada são ainda avaliadas, o que resultou, recentemente, na translocação de um charco temporário contendo ovos da espécie, permitindo a sobrevivência desses indivíduos. O Dnit destaca ser pioneiro nessa técnica, que já foi aplicada com sucesso nas obras de duplicação da BR-116/392, no trecho Pelotas-Rio Grande.

Assim como o bugio, papagaio-charão se alimenta do pinhão das araucárias | abc+



Assim como o bugio, papagaio-charão se alimenta do pinhão das araucárias

Foto: Roberto Tomasi/Divulgação

Projeto de conservação de papagaio é aliado da araucária e do bugio

Na natureza, iniciativas para conservação de uma espécie, como no caso do bugio, acabam protegendo uma série de outras. Exemplo desta conexão acontece entre o Nordeste gaúcho e o Sudeste catarinense. Por lá, há 34 anos existe um programa de proteção ao papagaio-charão, que só é encontrado no Rio Grande do Sul e parte de Santa Catarina.

Esta história começa na década de 1980, nos Campos de Cima da Serra, na cidade de Muitos Capões. No município, era comum a migração no outono-inverno dos papagaios, que circulam entre a Campanha e o Norte do RS, para a Estação Ecológica de Aracuri. Eles iam em busca do pinhão fornecido pelas araucárias. Mas ao longo dos anos 80, a presença da espécie foi diminuindo e ficou a pergunta: o que aconteceu com o papagaio-charão?

Foi então que pesquisadores do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da Universidade de Passo Fundo (UPF) e da Associação Amigos do Meio Ambiente (AMA) começaram a investigar o tema. Expedições foram iniciadas e, seguindo as pistas deixadas pela natureza, o grupo encontrou toda a população da espécie em 1995, na época perto de 9 mil aninais, entre as cidades de Painel e Urupema, em Santa Catarina, onde a oferta de araucárias e pinhões era maior.

“Assim, entendemos o motivo deles deixarem o Rio Grande do Sul no outono-inverno. O que afetou foi o desmatamento das araucárias para o plantio da agricultura. Aqui não tinha mais floresta suficiente para produzir pinhões, a semente do pinheiro brasileiro, que serve de alimentos para o papagaio-charão e mais 70 espécies, inclusive o bugio”, explica o biólogo e pesquisador da UPF, Jaime Martinez, que idealizou o projeto Charão.

A partir desta conclusão, a mobilização pelo “papagaio gaúcho” e pelo “pinheiro brasileiro” ganhou força. O projeto conseguiu comprar uma área de floresta com araucária no Planalto da Serra catarinense, onde todo o pinhão produzido na área fica disponível para o charão e toda fauna silvestre.

Além da preocupação em garantir o alimento, a iniciativa zela pela reprodução do animal. Caixas-ninho foram instaladas em áreas onde a espécie costuma se reproduzir. A intenção é imitar os ocos de árvores utilizados pelo papagaio. “O charão não faz ninhos, ele procura estas cavidades, que acontecem em árvores mais velhas. E são justamente estas as aproveitadas como madeira. Então, tivemos a ideia de simular isso, e está dando certo”, conta Martinez.

Com alimento e reprodução assegurados, foi preciso pensar em estratégias de educação ambiental. Cursos de valorização do pinhão, distribuição de material educativo sobre o assunto a crianças e estímulo ao plantio de araucárias como atividade econômica, evitando a colheita nas florestas e a escassez do alimento do charão, estão entre as medidas adotadas. “Conseguimos a diminuição da captura de filhotes nos ninhos, prática que era comum, mostrando o avanço de um processo educativo”, pontua Martinez.

Preservação das araucárias e do pinhão é fundamental para o charão e 70 outras espécies | abc+



Preservação das araucárias e do pinhão é fundamental para o charão e 70 outras espécies

Foto: Haroldo Palo/Divulgação

De 9 mil para 25 mil aves

A partir do conjunto de ações, a população do papagaio-charão saltou de 9 mil para 25 mil exemplares. Ainda assim, pelo território restrito onde a espécie circula, a ameaça de extinção existe. “A questão climática nos preocupa porque ela interfere na própria existência da araucária, que serve de alimento para tantas espécies, como diferentes tipos de aves, quati, veado-catingueiro, bugio”, alerta Martinez.

O pesquisador observa que até quem não depende diretamente da semente é prejudicado com a escassez das araucárias. “Quem não come o pinhão, mas se alimenta de pequenos roedores, também se beneficia, como é o caso do gato-do-mato, graxaim, corujas, serpentes. É toda uma cadeia.” E esta relação é antiga. “O nosso pinheiro brasileiro é mais antigo que os dinossauros, provavelmente era alimento para os herbívoros. Os dinossauros se foram, mas as araucárias ficaram, servindo de comida para uma gama grande da fauna silvestre. É nossa árvore da vida.”

Operação Mata Atlântica em Pé combate o desmatamento do bioma e protege a fauna | abc+



Operação Mata Atlântica em Pé combate o desmatamento do bioma e protege a fauna

Foto: MPRS/Divulgação

Manter a Mata Atlântica de pé é fundamental para a fauna silvestre

As florestas de araucárias integram a Mata Atlântica, bioma que abrange cerca de 15% do total do território brasileiro, em 17 estados, mas é um dos mais ameaçados do País. Hoje, restam apenas 24% da floresta que existia originalmente, sendo que somente 12,4% são florestas maduras e bem preservadas.

Na tentativa de manter o bioma e as araucárias em pé, bem como toda a fauna que depende dele, do bugio ao papagaio, a Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa), com o apoio dos Ministérios Públicos de 17 estados que possuem cobertura do ecossistema, desenvolve desde 2017 a Operação Mata Atlântica em Pé. A iniciativa é voltada ao combate ao desmatamento e à recuperação de áreas degradadas

O Rio Grande do Sul integra a cooperação nacional. Além do MP, participam da operação no Estado a Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema), o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), Instituto-Geral de Perícias (IGP) e o Comando Ambiental da Brigada Militar (Cabm).

Procuradora de Justiça Ana Marchesan está à frente da Operação Mata Atlântica em Pé no RS | abc+



Procuradora de Justiça Ana Marchesan está à frente da Operação Mata Atlântica em Pé no RS

Foto: MPRS/Divulgação

Coordenadora do Centro de Apoio Operacional de Defesa do Meio Ambiente do MP/RS, a procuradora de Justiça Ana Marchesan aponta que apenas no ano passado as multas geradas pelo desmatamento ilegal somaram mais de R$ 36,9 milhões. Ela salienta que a tecnologia tem sido aliada no processo. Por meio do MapBiomas Alerta, alertas e relatórios da constatação de desmatamento são gerados, facilitando a fiscalização pelo MP e demais autoridades. A plataforma é uma iniciativa de universidades, empresas de tecnologia e organizações não governamentais que realizam o mapeamento anual da cobertura e do uso do solo no País.

“Elevou o status da fiscalização ambiental. Recebemos as fotos dos satélites já com laudo simplificado da situação. Aqui no centro de apoio montamos um kit e remetemos ao colega da promotoria onde aconteceu o desmatamento, para ele instaurar as providências civis e criminais cabíveis”, detalha. Durante a Operação Mata Atlântica, uma comissão define os casos mais graves e vai a campo.

A procuradora avalia que o esforço conjunto tem surtido efeito. Nos últimos anos, o número de alertas de desmatamento para o Rio Grande do Sul tem caído. “De 1.956 em 2022, caíram para 996 em 2023 e chegaram a 371 no ano passado”, contabiliza. Ana lembra, no entanto, que no ano passado boa parte do desmatamento da Mata Atlântica foi fruto da cheia histórica.

“Recebemos vários alertas cuja causa foi evento climático extremo. Perdemos muita mata nativa, especialmente da Mata Atlântica, por deslizamentos. Estamos concentrando estes casos e vamos tentar parceria com a Embrapa para fazer um mapeamento e acertar com os promotores de Justiça das regiões mais impactadas um projeto que venha buscar a recuperação destas áreas”, adianta.

A procuradora destaca que manter o bioma de pé é fundamental para preservação da fauna silvestre e reduzir os conflitos entre homem e animais. “A fauna vai se abrigar nos seus habitats. Se tu remove a cobertura vegetal natural, os animais vão migrar para outros lugares totalmente inadequados. A gente pode olhar nas nossas cidades. Está cheio de macaco, gambá, um monte de bicho que não seria típico do meio ambiente urbano.”

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