Ex-vendedora e empresária: quem são alunas que debocharam de paciente

São Paulo — As estudantes de medicina investigadas por injúria após exporem em um vídeo uma paciente do Instituto do Coração (Incor), como revelado pelo Metrópoles, costumavam compartilhar parte de sua rotina nas redes sociais. A repercussão do caso, porém, fez com que as duas jovens dificultassem o acesso ou tirassem do ar seus perfis.

Residente em Cotia, na Grande São Paulo, e filha de empresários, a estudante Gabrielli Farias de Souza (foto de destaque, à esquerda), de 23 anos, estuda medicina na Universidade Anhembi Morumbi, cuja mensalidade é de R$ 12.979.

Antes de iniciar seu curso na área da saúde, ela afirmou, em um texto compartilhado no LinkedIn (rede social voltada ao mercado de trabalho), que “num futuro distante” gostaria de se tornar “uma advogada renomada”, acrescentando ter como foco “o direito em geral e individual e a justiça”.

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Vídeo foi tirado do ar

Alunas expuseram caso de paciente
Estudantes mencionam informações inverídicas, segundo família de paciente
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Uma das alunas chega a zombar da quantidade de transplantes aos quais Vitória foi submetida

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Alunas expuseram caso de paciente

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Estudantes mencionam informações inverídicas, segundo família de paciente

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Reprodução/TikTok/Arquivo Pessoal

O Metrópoles apurou que a jovem têm três empresas registradas em seu nome, cujos capitais sociais somam R$ 360 mil. Em uma delas, Gabrielli tem como sócio o irmão de 25 anos.

Com segmentos distintos, como estética e beleza, comércio varejista de madeira e artefatos, além de serviços combinados de escritório e apoio administrativo, as três empresas apresentam o mesmo endereço em seus registros, no centro de São Paulo.

A aluna mineira

A outra estudante de medicina envolvida na polêmica é Thaís Caldeira Soares Foffano (foto de destaque, à direita), de 26 anos, natural de Minas Gerais. Ela se apresenta em uma rede social como “acadêmica” do 9º período do curso de Medicina da Faculdade da Saúde e Ecologia Humana (Faseh), em Belo Horizonte. A mensalidade da instituição é de R$ 12.442.

Antes disso, a estudante trabalhou como auxiliar de departamento em uma empresa de empreendimentos e construções e, em 2018, como vendedora em tempo integral em uma livraria.

O Metrópoles enviou mensagem para as duas, na terça-feira (9/4), abrindo espaço para que se manifestassem sobre o caso, ou por meio de seus advogados. Elas não responderam até a publicação desta reportagem.

Em nota encaminhada à reportagem nesta quarta-feira (9/4), a Secretaria da Segurança Pública (SSP) afirmou que o caso é investigado como injúria, por meio de um inquérito policial instaurado pelo 14º DP (Pinheiros). “A mãe da vítima foi ouvida e as diligências seguem visando o devido esclarecimento dos fatos, bem como a responsabilização dos envolvidos”.

Vídeo:

 

O caso

As duas estudantes de medicina postaram um vídeo, tirado do ar na terça-feira (8/4) do TikTok (assista acima), no qual expõem a paciente Vitória Chaves da Silva, 11 dias antes de a jovem de 26 anos morrer de insuficiência renal, em 28 de fevereiro, no Instituto do Coração (Incor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

Metrópoles havia publicado, em 2023, o ineditismo no caso de Vitória, que foi submetida a três transplantes de coração. Até então, os procedimentos do tipo no Brasil eram limitados a dois.

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Foto de Vitória pouco antes de seu primeiro transplante, aos 6 anos

Foto tirada em 2016, após o segundo transplante de coração de Vitória
Mãe e filha no Instituto do Coração de São Paulo
Vitória aguarda pelo terceiro transplante de coração
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Foro tirada logo após o primeiro transplante de Vitória, quando ela tinha 6 anos

Arquivo Pessoal

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Foto de Vitória pouco antes de seu primeiro transplante, aos 6 anos

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Foto tirada em 2016, após o segundo transplante de coração de Vitória

Arquivo Pessoal

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Mãe e filha no Instituto do Coração de São Paulo

Arquivo Pessoal

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Vitória aguarda pelo terceiro transplante de coração

Arquivo Pessoal

No vídeo, apesar de não falarem o nome da paciente, as alunas Gabrielli Farias de Souza (no vídeo, de cabelos loiros) e Thaís Caldeiras Soares Foffano (no vídeo, à direita, de cabelos escuros) mencionam os três transplantes cardíacos e indicam quando os procedimentos foram feitos — na infância, na adolescência e no início da maioridade, o que coincide com o caso de Vitória.

No vídeo, Gabrielli dá detalhes dos procedimentos aos quais Vitória foi submetida. “A segunda vez ela transplantou e não tomou os remédios que deveria tomar, o corpo rejeitou [o órgão] e teve que transplantar de novo, por um erro dela [Vitória]. Agora ela transplantou de novo, [o corpo] aceitou, mas o rim não lidou bem com as medicações.” Logo depois, Thaís afirma que a paciente “acha que tem sete vidas”.

A postagem, feita em 17 de fevereiro, foi visualizada por pouco mais de 212 mil pessoas, o suficiente para um amigo reconhecer o caso de Vitória e enviar uma mensagem de texto à família da amiga, no último dia 3, como relatou Giovana Chaves dos Santos, de 19 anos, irmã da paciente.

A exposição revoltou a irmã e a mãe da paciente, Cláudia Aparecida da Rocha Chaves. Elas decidiram registrar um boletim de ocorrência e acionaram o Ministério Público de São Paulo (MPSP), além do Incor.

Vitória morreu 11 dias depois do vídeo, devido a um choque séptico e insuficiência renal crônica. A morte ocorreu um ano após o terceiro transplante de coração e dois anos depois de um transplante de rim, órgão que ficou comprometido durante o tratamento cardíaco da jovem.

Mãe contesta declarações

Cláudia, mãe de Vitória, contestou as declarações das estudantes. “O que elas dizem é inverídico e temos provas de tudo, de que ela [Vitória] seguia o tratamento à risca”, diz a mãe.

“A gente sempre acompanhou a Vitória. A gente sabia o quanto ela lutava para viver, né? Tanto é que tem um monte de ofício na promotoria de a gente pedindo ajuda com medicação, com passagem para vir no tratamento. Ela nunca faltou a uma consulta sequer, né? E minha filha tinha sede de vida. Tudo o que ela queria era viver. Aí vem uma pessoa e diminui a história dela, eu não aceito, quero Justiça”, desabafou Cláudia.

O que dizem Incor e USP

As estudantes têm sido procuradas pelo Metrópoles desde terça-feira, sem sucesso. O espaço está aberto para manifestação.

Em nota, o Incor afirmou não divulgar dados de pacientes. A instituição afirmou, ainda, repudiar “veementemente” atitudes que violem os princípios da ética e confidencialidade. O instituto acrescentou que apura “rigorosamente o caso mencionado”, ressaltando que “adotará todas as medidas cabíveis”.

Procurada, a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) disse que as alunas atualmente não têm qualquer vínculo acadêmico com a universidade ou com o Incor. As estudantes estavam no hospital em função de um curso de extensão de curta duração (um mês). “Assim que foi tomado conhecimento do fato, as universidades de origem das estudantes foram notificadas para que possam tomar as providências cabíveis”, diz nota.

“Internamente, a USP está tomando medidas adicionais para reforçar junto aos participantes de cursos de extensão as orientações formais sobre conduta ética e uso responsável das redes sociais, além da assinatura de um termo de compromisso com os princípios de respeito aos pacientes e aos valores que regem a atuação da instituição”, completa o texto.

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