Falsa dívida do Imposto de Renda? Veja como criminosos se passam pela Receita Federal

Tela de celular com logo da Receita Federal para declaração de imposto de renda para pessoa física

Uma mensagem chega à caixa de entrada do seu e-mail. O remetente é a Receita Federal, informando sobre uma irregularidade fiscal com o Imposto de Renda do ano passado. Ao clicar no link indicado para verificar a ocorrência, a página pede o login no Gov.Br, mostrando a seriedade do assunto. Junto aos seus dados pessoais, uma dívida é apresentada e, para evitar o bloqueio do CPF, uma chave Pix para o pagamento é gerada. O alívio de se livrar da pendência com o Fisco é instantâneo, mas o que você não sabe é que foi vítima de um golpe.

Um levantamento feito pela Redbelt Security, consultoria especializada em cibersegurança, mostra que mais de 1,4 mil páginas simulando ser da Receita Federal estão no ar. Para se ter uma ideia, somente na primeira semana do período de declaração do IR, entre os dias 17 e 24 de março, foram criadas 234 páginas fraudulentas — uma média de 33 por dia.

Ao InfoMoney, o CEO da consultoria, Eduardo Lopes, explica que dois fatores reforçam as chances de o contribuinte ser induzido ao erro: o fato de muitas vezes os criminosos já terem acesso a dados prévios da pessoa e o aprimoramento de algumas ferramentas tecnológicas.

Sobre o primeiro ponto, Lopes lembra que vazamentos de dados dos brasileiros se tornaram frequentes e também insumos para golpes virtuais. “Muito se fala que a compra é feita na dark e deep web, o que soa como algo mais obscuro, quando, na verdade, é possível encontrar pendrives com essas informações na rua 25 de Março”, diz.

Em relação à tecnologia, os seus avanços vão desde a reprodução da aparência de páginas oficiais até a capacidade de garantir uma “boa” experiência do usuário (ou UX, no jargão de quem opera plataformas digitais). Nesses casos, sim, o especialista destaca o uso da dark web para a compra de templates de sites prontos e responsivos.

“A estrutura é semelhante a de um e-commerce, gerando o pagamento em poucos cliques. Como costuma ser Pix, pode haver um prazo de expiração de poucos minutos.”

— Eduardo Lopes, CEO da Redbelt Security

Trata-se de mais um gatilho, reforçando a necessidade da vítima em efetuar a ação sem pensar muito. Além disso, o valor, que pode variar entre R$ 100 e R$ 200, tende a ser acessível para quem declara o IR. “Quem não ficaria aliviado por se livrar rapidamente de um problema com a Receita?”, questiona Lopes.

Página se passando pela Receita Federal identificada pela consultoria. Foto: Redbelt Security

Crescimento do estelionato virtual

A utilização de meios digitais para induzir outra pessoa ao erro, visando obter vantagem ilícita, qualifica o crime de fraude eletrônica, previsto no artigo 171 do Código Penal. O chamado “estelionato virtual” acontece por meio de redes sociais, contatos telefônicos ou envio de e-mail, e pode levar à reclusão de quatro a oito anos.

“A criação de páginas falsas se passando pela Receita Federal, a fim de cobrar valores indevidos, enquadra-se perfeitamente no crime previsto”, aponta Alexander Coelho, sócio do Godke Advogados e especialista em Direito Digital e Proteção de Dados.

Ele frisa que a inclusão desse tipo de crime na legislação brasileira é recente, visando evoluir para acompanhar o avanço dos golpes virtuais. “Em 2021, o Congresso aprovou uma alteração no Código Penal, justamente para endurecer o combate a esses criminosos.”

Dados do Fórum de Segurança Pública mostram que as ocorrências registradas por ano devido a esse tipo de ação saltaram de 7.591 para 235.393 casos entre 2018 e 2023, um crescimento expressivo de 3.101%. Contudo, os mecanismos tradicionais de investigação não conseguem acompanhar com a mesma velocidade.

Coelho destaca que uma das principais barreiras é a facilidade dos golpistas se manterem em anonimato. Muitos deles usam servidores estrangeiros, dados falsos ou redes criptografadas para se esconder. Além disso, a burocracia e a lentidão na obtenção de dados por parte das plataformas dificultam investigações mais ágeis.

“A orientação é registrar o boletim de ocorrência imediatamente, preservando todas as provas (prints, e-mails e mensagens)”, diz o especialista. Deve-se, ainda, informar o banco ou instituição financeira envolvida e, se possível, buscar auxílio jurídico.

Quem caiu no golpe da falsa dívida do Imposto de Renda pode (e deve) registrar uma denúncia mais detalhada. “Se o golpe fizer referência ao nome da Receita Federal, registre a denúncia no site da autarquia, e notifique a Ouvidoria do Ministério da Fazenda.”

Golpes envolvendo o Imposto de Renda devem crescer ainda mais

As projeções da Redbelt Security são de que pelo menos de 2,5 mil a 3 mil páginas fraudulentas estejam no ar nos próximos 30 dias fingindo ser a Receita Federal. Essa, no entanto, ainda é a primeira fase dos golpes com o Imposto de Renda — neste caso, envolvendo o período da declaração. Depois, outra janela se abre para os golpistas: a etapa da restituição.

“A dinâmica é a mesma: a pessoa recebe uma mensagem, avisando sobre a pendência, e direciona para uma página que vai gerar o pagamento”, diz Eduardo Lopes, CEO da consultoria. Além de tentarem replicar a aparência dos sites oficiais, os endereços eletrônicos também são parecidos, com o uso do “gov” para reforçar uma suposta autoridade pública.

Veja a seguir alguns exemplos levantados pela Redbelt Security (atenção, não clique nesses endereços):

  • receitafederal-gov.org/
  • receitafederalgov.online/
  • receitafederalbrasil.site/
  • receitafederal-brasil.org/

Em seu site, o Fisco afirma que não envia comunicações por e-mail ou mensagens de texto apontando divergências em declarações do Imposto de Renda por meio de links. “A Receita Federal faz toda a comunicação oficial por meio do portal Gov.br ou pelo e-CAC (Centro Virtual de Atendimento)”, diz o comunicado.

Questionada pelo InfoMoney se tem promovido ações para lidar com esse tipo de ocorrência, a autarquia não se posicionou. Para Alexander Coelho, especialista em Direito Digital, falta um canal direto de denúncia e resposta rápida, que envolva Receita, Polícia Federal e órgãos de defesa do consumidor, para reduzir os danos e rastrear os golpistas.

“Quando o nome da própria administração pública é usado como isca, o mínimo que se espera é uma postura proativa para proteger o cidadão.”

— Alexander Coelho, sócio do Godke Advogados e especialista em Direito Digital e Proteção de Dados

Atenção à declaração do IR em 2025

Até o dia 30 de maio, quem teve rendimentos tributáveis acima de R$ 33.888,00 no ano passado deve fazer a declaração do Imposto de Renda em 2025. Confira aqui as regras de obrigatoriedade. São esperadas 46,2 milhões de declarações, 9% acima do recorde de 2024, quando foram contabilizadas 42,4 milhões.

Como foi mostrado nesta outra reportagem do InfoMoney, também há golpistas que agem emulando o Programa Gerador de Declaração (PGD), seja para capturar dados, seja para instalar aplicativos maliciosos.

Para fazer o download do PGD, as pessoas podem acessar o site da Receita Federal e clicar na opção “Baixar Programa”. No celular, o programa pode ser baixado também nas lojas oficiais dos aplicativos Android e iOS. Além disso, é possível fazer direto pela página oficial da Receita Federal, aba “Meu Imposto de Renda”.

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