Qual crime alunas que zombaram de transplantada podem responder?

São Paulo — As alunas de medicina Gabrielli Farias de Souza e Thaís Caldeiras Soares Foffano serão investigadas pela Polícia Civil pelo crime de injúria. Foram elas que expuseram e zombaram de uma paciente, de 26 anos, do Instituto do Coração (Incor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, chamada Vitória Chaves da Silva.

Segundo o código penal, o crime de injúria, detalhado no artigo 140 da Constituição Federal, prevê a detenção de um a seis meses, ou multa. A pena pode ser agravada para até um ano, caso seja constatada alguma violência acompanhando o crime.

De acordo com a Secretaria da Segurança Pública (SSP), o caso é investigado por meio de inquérito policial instaurado pelo 14° Distrito Policial (Pinheiros). “A mãe da vítima foi ouvida e as diligências seguem visando o devido esclarecimento dos fatos, bem como a responsabilização dos envolvidos”, informou a pasta.

Gabrielli e Thaís serão investigadas após um vídeo gravado pelas duas ter viralizado no TikTok. O material chegou à mãe de Vitória, Cláudia Aparecida da Rocha Chaves. Na gravação, apesar de não falaram o nome da paciente, as estudantes mencionam os três transplantes cardíacos e indicam quando os procedimento foram feitos — na infância, na adolescência e no início da maioridade, informações que coincidem com o caso de Vitória.

Veja o vídeo:

A postagem, feita em 17 de fevereiro, foi visualizada por pouco mais de 212 mil pessoas, o suficiente para um amigo reconhecer o caso de Vitória e enviar uma mensagem de texto à família da amiga. A repercussão do caso fez com que o vídeo fosse tirado do ar nessa terça-feira (8/4).

“Um transplante cardíaco já é burocrático, já é raro, tem a questão da fila de espera, da compatibilidade, mil questões envolvidas… Agora, uma pessoa passar por um transplante três vezes, isso é real e aconteceu aqui no Incor e essa paciente está internada aqui”, afirma Thaís no vídeo.

Na postagem, Thaís ainda comenta que ela e a colega iriam se encontrar com Vitória em seguida. “A gente vai subir lá em cima [sic] e tentar conversar com essa paciente transplantada por três vezes.”

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Vídeo foi tirado do ar

Alunas expuseram caso de paciente
Estudantes mencionam informações inverídicas, segundo família de paciente
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Uma das alunas chega a zombar da quantidade de transplantes aos quais Vitória foi submetida

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Alunas expuseram caso de paciente

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Estudantes mencionam informações inverídicas, segundo família de paciente

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Reprodução/TikTok/Arquivo Pessoal

Antes do encontro, Gabrielli dá detalhes dos procedimentos aos quais Vitória foi submetida. “A segunda vez ela transplantou e não tomou os remédios que deveria tomar, o corpo rejeitou [o órgão] e teve que transplantar de novo, por um erro dela [Vitória]. Agora ela transplantou de novo, [o corpo] aceitou, mas o rim não lidou bem com as medicações.” É nesse momento que Thaís afirma que a paciente “acha que tem sete vidas”.

Vitória morreu nove dias depois do vídeo, devido a um choque séptico e insuficiência renal crônica. A morte ocorreu um ano após o terceiro transplante de coração e dois anos depois de um transplante de rim, órgão que ficou comprometido durante o tratamento cardíaco da jovem.

Família contesta declarações

Cláudia, mãe de Vitória, contestou as declarações das estudantes. “O que elas dizem é inverídico e temos provas de tudo, de que ela [Vitória] seguia o tratamento à risca”, diz a mãe.

“A gente sempre acompanhou a Vitória. A gente sabia o quanto ela lutava para viver, né? Tanto é que tem um monte de ofício na promotoria de a gente pedindo ajuda com medicação, com passagem para vir no tratamento. Ela nunca faltou a uma consulta sequer, né? E minha filha tinha sede de vida. Tudo o que ela queria era viver. Aí vem uma pessoa e diminui a história dela, eu não aceito, quero Justiça”, desabafou Cláudia.

Após o episódio, a mãe registrou um boletim de ocorrência e acionou o Ministério Público de São Paulo (MPSP).

O que dizem Incor e USP

As estudantes têm sido procuradas pelo Metrópoles desde terça-feira, sem sucesso. O espaço está aberto para manifestação.

Em nota encaminhada à reportagem, o Incor afirmou não divulgar dados de pacientes. A instituição afirmou, ainda, repudiar “veementemente” atitudes que violem os princípios da ética e confidencialidade. O instituto acrescentou que apura “rigorosamente o caso mencionado”, ressaltando que “adotará todas as medidas cabíveis”.

Procurada, a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) disse que as alunas atualmente não têm qualquer vínculo acadêmico com a universidade ou com o Incor. As estudantes estavam no hospital em função de um curso de extensão de curta duração (um mês). “Assim que foi tomado conhecimento do fato, as universidades de origem das estudantes foram notificadas para que possam tomar as providências cabíveis”, diz nota.

“Internamente, a USP está tomando medidas adicionais para reforçar junto aos participantes de cursos de extensão as orientações formais sobre conduta ética e uso responsável das redes sociais, além da assinatura de um termo de compromisso com os princípios de respeito aos pacientes e aos valores que regem a atuação da instituição”, completa o texto.

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