Sibéria: A Bomba-Relógio Climática (por Felipe Sampaio)

Aproveitando que a Guerra Fria parece ter saído de moda, Vladmir Putin faria bem em voltar sua atenção para a bomba natural sobre a qual seu reinado está localizado. Se a Sibéria continuar derretendo, a Rússia já era, levando junto boa parte do mundo como nós o conhecemos. Acontece que é na Sibéria que fica a maior parte da superfície terrestre chamada permafrost.

O permafrost é a porção de solo permanentemente congelado que se encontra no Ártico e na sua vizinhança – como Sibéria e Groelândia -, mas também em regiões elevadas do Alasca, Tibet e Canadá. Estamos falando de terrenos encharcados com água congelada, onde se forma o cimento natural que solidifica uma pasta de terra, rochas e matéria orgânica, que chega a ter 1,5km de profundidade em alguns locais. A idade de todo esse “gelo permanente” pode variar de uns poucos milênios a 4 milhões de anos. A camada mais profunda é mais antiga e mais estabilizada. Porém, ultimamente até ela vem sendo afetada pelo aquecimento global.

A perspectiva de que esse picolé geológico mais antigo derreta tem tirado o sono dos cientistas, porque nele estão guardados enormes perigos para o meio ambiente e a humanidade. O permafrost tem sido chamado de “bomba-relógio de carbono” pelos especialistas, porque seu ritmo de degelo é imprevisível. Como esse gelo antigo tem apresentado elevação de temperatura três vezes acima da média global, seu descongelamento tanto pode ser gradual, como pode colapsar abruptamente.

Enquanto isso, Putin ainda crê nas vantagens de curto prazo que o derretimento da Sibéria traria para a economia russa (ou a dele, é difícil distinguir). Por exemplo: o acesso a novas reservas de petróleo e gás, a exploração de jazidas de minerais estratégicos e terras raras, a expansão de áreas agricultáveis e a abertura de novas rotas marítimas. Contudo, a ansiedade do Kremlin por lucros de curto prazo para si pode resultar na inexistência de um longo prazo para todos, a começar pela própria Rússia.

O primeiro problema é que, quanto mais o planeta aquece, mais rápido a Sibéria derrete e mais rápido o planeta aquece, criando-se um ciclo climático catastrófico de amplitude planetária. Diversas fontes científicas como o IPCC e as Nações Unidas já concordam que os depósitos de gelo antigo, principalmente na Sibéria, armazenam dezenas de bilhões de toneladas de CO2 e gás metano que serão liberados na atmosfera acelerando o aquecimento global a níveis irreversíveis, que podem inviabilizar a vida no planeta.

Em segundo lugar, quando o permafrost se liquefaz, toda a infraestrutura rodoviária, ferroviária, industrial, energética, urbana e de oleodutos que foi assentada sobre o solo congelado se deforma, afunda ou desmorona, implicando em custos bilionários com manutenção, reconstrução e outras adaptações. Isso já está acontecendo no norte da Rússia, Alasca e Canadá (80% das infraestruturas críticas da Sibéria, por exemplo, estão no permafrost).

Some-se a essas consequências outros efeitos inusitados, como a liberação de microrganismos letais congelados, mais antigos do que a humanidade (a bactéria do Antraz, por exemplo, ressurgiu com o degelo atual causando um surto na Sibéria).

Embora distante, nem a nossa Terra da Santa Cruz escapará do derretimento da Sibéria, que afetará o regime de chuvas e estiagens na Amazônia e em todo o País, assim como resultará na elevação dos níveis dos oceanos afetando as nossas cidades costeiras. Apesar do estresse dos mercados, o tarifaço do Trump ainda não é o maior problema do mundo.

 

Felipe Sampaio: cofundador do Centro Soberania e Clima; atuou em empresas, organismos internacionais e 3º setor; foi diretor do Instituto de Estudos de Defesa no ministério da Defesa; dirigiu o sistema de estatísticas no ministério da Justiça; é chefe de gabinete da secretaria-executiva no ministério do Empreendedorismo.

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