Pós-graduação segue distante para negros

As ações afirmativas não são mágicas. O acesso à universidade não apaga séculos de desigualdade, ainda mais na pós-graduação. Um exemplo é o que acontece na UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais. No seu melhor ano, apenas 30% das vagas para cotistas foram ocupadas em mestrados e doutorados. Em Medicina, um em cada dez estudantes é negro. Há algumas explicações para isso além do racismo estrutural.

Vamos começar do geral para o particular. Segundo a PNAD Contínua 2019, entre pessoas de 18 a 24 anos, 6% dos brancos concluíram o ensino superior contra apenas 2,8% dos negros. Na pós-graduação, de acordo com dados do Capes de 2018, havia mais negros no mestrado (36 negros para cada 100 brancos) do que no doutorado (29 para cada 100). Vale salientar que essa presença depende do curso. Pretos são menos de 2% dos pós-graduandos stricto sensu na Odontologia e na Medicina. Já no Serviço Social são 14% e na Antropologia, 18%.

A primeira experiência de cotas na pós-graduação ocorreu em 2002, na Universidade do Estado da Bahia. Só em 2016, o Ministério da Educação emitiu uma portaria para a apresentação de propostas de ações afirmativas. Sem uma determinação de um modelo pela pasta, as universidades tiveram liberdade para escolher seus processos, o que permitiu variados formatos de inclusão.

A Universidade Federal de Minas Gerais aprovou sua política de inclusão para pessoas negras (pretas e pardas), indígenas e com deficiência para mestrados e doutorados em 2017, com os cursos reservando de 20 a 50% das vagas para esse grupo. Cada programa de pós-graduação decidiu esse percentual e a maioria aplicou percentuais próximos ao mínimo (20%).

Os resultados são pouco animadores A ocupação máxima de cotistas, de 30,4%, deu-se em 2021 nas vagas para mestrado. Em 2022, foram ocupadas 136 das 646 vagas reservadas nos mestrados (21,1%); no doutorado, ocupou-se aproximadamente uma a cada oito vagas reservadas (54 de 429 vagas).

Entre 2018 e 2022, de um total de 20.460 vagas na pós, cerca de 5. 500 foram reservadas a candidatos negros. O déficit de ocupação das vagas reservadas foi de 4.271 vagas (2.383 vagas não ocupadas no mestrado e 1.888 no doutorado). Por que desses resultados? Essa pergunta é respondida pelo artigo “Cotas na pós-graduação: a experiência da Universidade Federal de Minas Gerais” de Bianca Drielly Mendes e Ana Paula Karruz, publicada ano passado na Revista Sociologia e Política da UFPR (Universidade Federal do Paraná)

O trabalho aponta “a resistência dos programas em acolher novos interesses de pesquisa (por exemplo, temas relacionados à negritude); a deficiência das ações de fomento à permanência, com a pouca oferta de bolsas de estudo e seus baixos valores; manutenção de aulas diurnas, conflitantes com as necessidades do pós graduando que necessita trabalhar”; falta de proficiência em línguas estrangeiras e os racismos individual, institucional e estrutural

A maioria das desistências foram de pessoas negras que não conseguiram bolsas de estudo. “Historicamente, as normas das agências de fomento exigiram que o bolsista se dedicasse integralmente às atividades da pós. Mas o perfil mudou. Alguns dos alunos e suas famílias têm sobrevivido com as bolsas”. Um mestrando de classe média-alta tem a oportunidade de estudar porque seus pais têm condições de sustentá-lo financeiramente. Os alunos mais pobres não. Esse seria um dos motivos da pós-graduação ser tão elitizada no Brasil.

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