Banho em gelo não funciona para todo mundo e carece de evidências

A crioimersão virou tendência entre atletas, celebridades e entusiastas do bem-estar no Brasil. O prefixo “crio” tem origem no termo em grego para “frio” ou “gelado”, por isso é o nome técnico da prática que consiste em mergulhar o corpo em água extremamente fria por alguns minutos. Entre os benefícios estariam a diminuição a inflamação e a recuperação muscular mais rápida.

Em postagens nas redes sociais, os adeptos também alegam que a prática ajuda a lidar com o estresse e a manter a resistência física. Com tanta divulgação, a imersão em gelo tem se popularizado entre não atletas – somente no TikTok, a hashtag #icebath (banho no gelo, em português) tem mais de 220 mil citações. Diante do crescente interesse pela técnica, a ciência tem buscado entender os reais efeitos e benefícios da crioimersão.

Uma meta-análise publicada em janeiro na revista científica Plos One analisou 11 estudos de imersão em gelo, envolvendo um total de 3.177 participantes. Nesses trabalhos, os voluntários ficaram imersos em água com temperatura menor do que 15 graus por pelo menos 30 segundos, e os autores buscaram identificar se houve melhorias no sono, no estresse, na imunidade, na inflamação e no bem-estar.

A conclusão é de que a técnica causa um aumento temporário na inflamação imediatamente e uma hora após a imersão em gelo, sugerindo uma resposta inflamatória aguda. A princípio, isso pode até parecer contraditório, devido aos já conhecidos efeitos anti-inflamatórios do gelo, mas sinaliza uma reação do corpo ao frio estressor.

Além disso, os pesquisadores observaram uma redução significativa no estresse 12 horas após a imersão em água gelada. Mas não encontraram nenhum efeito imediatamente, uma hora, 24 horas ou 48 horas após a exposição ao gelo.

A revisão também sugere benefícios de longo prazo relacionados à melhora na imunidade, com uma redução de 29% nos afastamentos de trabalho por doença entre os participantes que fizeram a imersão em gelo. Houve ainda relatos de melhorias no sono e na qualidade de vida.

Os autores apontam, porém, que os efeitos são altamente dependentes do tempo de exposição e nem sempre são duradouros. Devido à ausência de dados a longo prazo, sugerem que mais estudos sejam feitos antes que a imersão no gelo possa ser amplamente recomendada.

Indicação ainda é controversa

Segundo a médica do Esporte Karina Mayumi Hatano, do Espaço Einstein de Reabilitação do Hospital Israelita Albert Einstein, a imersão no gelo tem sido mais amplamente difundida no esporte, pois o gelo é reconhecido por seus efeitos analgésicos e anti-inflamatórios.

Mas a indicação de forma ampla para não atletas ainda é controversa, justamente pela falta de evidências robustas dos benefícios. “O que existe de protocolo consolidado é aplicar gelo por 20 minutos no local onde aconteceu alguma lesão, para melhoria da dor e como anti-inflamatório naquela região específica. Importante ressaltar que isso vale para dor aguda e muscular”, explica Hatano.

Um dos problemas para a falta de recomendação dessa prática é o fato de a literatura científica ainda não ter conseguido estabelecer um protocolo de quanto tempo é preciso ficar dentro da banheira de gelo para alcançar os benefícios (considerando um tempo mínimo e máximo). Isso porque ficar tempo demais dentro da água extremamente gelada aumenta o risco de hipotermia e complicações, como arritmias e convulsões.

“A temperatura na banheira de gelo gira em torno de 10 a 15°C e o nosso corpo é regulado para uma temperatura de cerca de 36°C. Quando entramos na banheira de gelo, nossos vasos sanguíneos contraem, causando sensação de dormência, formigamento e alterações da pressão arterial”, alerta a médica.

Segundo ela, a expectativa do uso do gelo é a melhora da dor e a recuperação em curto prazo após a prática esportiva. “Você treina e usa a banheira de gelo imediatamente. Não adianta treinar hoje e fazer a banheira de gelo amanhã. Os benefícios não serão alcançados”, pontua.

Mesmo que várias pessoas estejam usando o banho de gelo em busca de benefícios, Hatano não recomenda a técnica por não atletas, especialmente sem acompanhamento.

“O benefício comprovado é de curto prazo e para quem treina muito, em alta intensidade. Mas a maior parte das pessoas não é atleta e não precisa desse tipo de recuperação. A ciência ainda tenta descobrir qual o protocolo ideal, o tempo correto e a melhor indicação. Estamos atentos para não ficarmos para trás, mas é preciso ter cuidado”, pondera.

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