China quer negociar, mas Xi Jinping não quer repetir Zelensky, diz Cláudia Trevisan

Cláudia Trevisan, diretora do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC) (Foto: Divulgação)

A volta de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos e a imposição de tarifas de até 145% sobre produtos chineses reacenderam a disputa comercial com Pequim. Mas, ao contrário do choque observado no primeiro mandato do Republicano, a China parece encarar o novo embate com maior preparo e firmeza — abrindo uma janela de oportunidades para o Brasil.

Em entrevista ao InfoMoney, Cláudia Trevisan, diretora do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), destaca que o impasse tem dado o tom na relação entre as duas maiores economias do mundo. Ambas se dizem abertas a negociar, mas nenhuma dá o primeiro passo para isso. 

“Xi Jinping não vai se expor como outros líderes que estiveram na Casa Branca e foram humilhados por um líder imprevisível. Definitivamente, ele não quer protagonizar uma cena igual à do Zelenski.”

Para Trevisan, a China está preparada para o novo ciclo de hostilidades comerciais, sobretudo por terem passado por situação semelhante no primeiro mandato de Donald Trump, entre 2017 e 2020. “Agora não houve surpresa. A escalada tarifária estava anunciada desde a campanha presidencial”, diz.

Mais do que uma disputa comercial, a especialista aponta que a tensão atual coloca em xeque a integração econômica que transformou o mundo nas últimas décadas. “Esse arranjo impulsionou um período de prosperidade global e tirou milhões da pobreza. Ver isso sendo desfeito é perder valor para todos. Inclusive para os EUA.”

Por outro lado, com as sanções americanas e as retaliações chinesas, o Brasil volta ao centro do tabuleiro, especialmente no agronegócio. Trevisan lembra que, depois das primeiras tarifas de Trump, o Brasil passou a exportar soja, algodão e carnes em volumes muito maiores. Hoje, já há notícias de que a China suspendeu importações de frigoríficos americanos e pode fazer o mesmo com o frango. 

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Ela também destaca o avanço dos investimentos chineses na América Latina, com o Brasil em posição privilegiada. “A China já investiu cerca de US$ 73 bilhões aqui, especialmente em energia e manufatura. Aqui temos mercado, recursos naturais e estabilidade relativa”, pontua.

Veja abaixo a entrevista completa com a diretora do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC).

InfoMoney: Qual tem sido a percepção do empresariado e da opinião pública chinesa sobre as tarifas dos EUA?

Cláudia Trevisan: É difícil generalizar em um país com mais de 1,4 bilhão de habitantes, mas é claro que o governo chinês tem respondido com retaliação desde o início.  Curiosamente, muitos chineses que conversei no ano passado preferiam uma vitória do Trump em vez de Joe Biden ou Kamala Harris, porque viam nele um isolacionista que enfraqueceria alianças dos EUA. Isso abre mais espaço para a China, que está tentando usar esse momento para projetar a imagem de um país que defende as regras do multilateralismo e da OMC (Organização Mundial do Comércio). 

IM: A China estava preparada para esse novo ciclo de tarifas?

CT: No primeiro governo Trump, houve mais surpresa de Pequim com as tarifas de importação. Agora, não. Durante a campanha presidencial, o republicano falava em elevá-las para 60% — que já eram consideradas absurdas. Agora está em 145% e, quando você olha as declarações dos porta-vozes chineses, eles dizem que o país não vai recuar. E há um impasse: de um lado a China diz que quer negociar, mas que não fará sob pressão; de outro os EUA dizem que a China quer um acordo, só que não sabe como fazer. 

IM: Essa postura tem relação com valores culturais chineses?

CT: Sim, a cultura da China é bastante marcada pelo princípio de “salvar a face”. Isso significa que é de valor para a liderança evitar a perda de respeito em situações públicas. Xi Jinping não vai se expor como outros líderes que estiveram na Casa Branca, e foram humilhados por um líder  imprevisível. Definitivamente, ele não quer protagonizar uma cena igual a Zelensky [o presidente da Ucrânia, que foi repreendido publicamente na Casa Branca]. Vale lembrar que estamos falando das duas maiores economias do mundo, que ao longo dos últimos 40 anos construíram laços econômicos muito profundos. São cadeias de produção altamente eficientes, que impulsionaram um período de prosperidade global — mesmo com suas desigualdades. Milhões de pessoas saíram da pobreza nesse processo de integração sem precedentes. Ver esse arranjo sendo desfeito agora, entrando em crise, significa perdas para todos. Inclusive para os próprios EUA.

IM: Diante dessas tensões entre EUA e China, novas oportunidades comerciais para o Brasil podem surgir?

CT: Acredito que sim, principalmente olhando para o primeiro mandato de Trump, quando ocorreu a primeira guerra comercial. Ele impôs tarifas sobre produtos chineses, e a China retaliou com tarifas sobre produtos americanos — especialmente os do agronegócio. Isso foi uma escolha política: os estados produtores nos EUA geralmente compõem a base do Partido Republicano. Em 2017, os EUA eram o principal fornecedor de alimentos para a China. Depois, o Brasil ultrapassou os EUA, especialmente na soja. Também passamos a exportar produtos que antes não exportávamos, como algodão. Hoje já há notícia de que a China suspendeu a importação de carnes de vários frigoríficos americanos, e estuda fazer o mesmo com o frango — sendo que os EUA são o principal fornecedor. 

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IM: Existe risco de o Brasil ser pressionado a escolher lados?

CT: Até agora, a guerra comercial não está exigindo que países escolham lados. Não há nenhuma pressão formal dos EUA para que os países parem de negociar com a China. Acho que a melhor postura para o Brasil é manter seu foco no interesse nacional. Temos relações estratégicas com os dois países. O vice-presidente Geraldo Alckmin, por exemplo, tem desempenhado um papel importante nesse diálogo com ambos os lados. Ele teve uma chamada com o ministro do Comércio da China. Ainda não vi o relato oficial, mas certamente a guerra comercial foi um dos temas.

IM:  Há espaço para a China ampliar investimentos estratégicos na América Latina?

CT: Tudo indica que sim. Com o aumento do protecionismo global, a tendência é que empresas chinesas ampliem seus investimentos no exterior. A China já é um investidor relevante no Brasil, com cerca de US$ 73 bilhões em estoque de investimentos. Os setores que mais receberam recursos foram os de geração, distribuição e transmissão de energia (45%), seguidos por petróleo e gás (30%). Se olharmos o número de projetos, o setor elétrico lidera, mas em segundo lugar vem a manufatura, que é um tipo de investimento que o Brasil gostaria de atrair mais. É difícil prever exatamente o que vai acontecer, mas o interesse chinês pelo Brasil está crescendo. 

IM: O que torna o Brasil atraente para a China em relação a outros parceiros comerciais?

CT: São inúmeros fatores. Primeiro, o Brasil é um país com grandes oportunidades de investimento em infraestrutura — e a China tem empresas competitivas nesse setor. Segundo, é um mercado com escala, então, se você está olhando para a América Latina, o Brasil é o principal mercado. É o país que tem maior PIB, maior população, maiores carências também em infraestrutura. Então, o Brasil representa um mercado relevante, com estabilidade política relativa em comparação com outros países da região. Também tem recursos naturais estratégicos, como minério, petróleo, e claro, o agronegócio — que interessa muito à China. E existe uma complementaridade econômica que é muito importante nessa relação. A China precisa de alimentos e energia. O Brasil tem isso a oferecer.

IM: Essa guerra comercial em curso pode acelerar a formação de blocos geopolíticos mais definidos? Você vê os BRICS saindo fortalecidos nesse cenário?

CT: Acho que ainda é muito cedo para cravar qualquer cenário. Não me arrisco a fazer previsões sobre que tipo de mundo sairá dessa guerra comercial. Acredito, sim, que caminhamos para um cenário mais fragmentado, mas como essa fragmentação vai se estruturar, ainda não sabemos. Tudo está acontecendo muito rapidamente.

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