Caminhos da Colônia propõe reencontro com o tempo por trilhas e memórias em meio à natureza

Entre subidas e descidas, cercados por matas, casas centenárias, cachoeiras e trilhas de chão batido, cerca de 150 pessoas se propuseram a viver um tipo diferente de descanso no último final de semana. Um repouso sem o conforto do sofá ou da rede, e que exige fôlego, persistência e, principalmente, tempo: o descanso que só o movimento lento da caminhada pode oferecer.

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22ª edição do Caminhos da Colônia – Durch die Strassen der Kolonie reuniu 150 participantes | abc+



22ª edição do Caminhos da Colônia – Durch die Strassen der Kolonie reuniu 150 participantes

Foto: Dário Gonçalves/GES-Especial

Foi assim que a 22ª edição da tradicional “Caminhos da Colônia – Durch die Strassen der Kolonie”, de Dois Irmãos, realizada nos dias 12 e 13 de abril, mais uma vez transformou paisagens conhecidas em descobertas surpreendentes. No roteiro, também um desafio unia muitos dos caminhantes: a busca por vencer desafios pessoais ao completar os 41 quilômetros desta edição.

“Esse evento, eu considero único na região, pois engloba uma caminhada longa, com pernoite, unindo aspectos turísticos, culturais, físicos, mentais e sociais. Ao final, brindamos com chopp e spritzbier artesanais. Tivemos apoio com ambulância, carros de suporte, jantar com bandinha típica… É um desafio que recompensa”, descreve o organizador e professor do Departamento de Desporto de Dois Irmãos, Astério Mombach.

A primeira edição foi realizada em 2003, saindo de Dois Irmãos e indo para Gramado. Naquela ocasião, a volta foi realizada de ônibus. Nos anos seguintes, a Durch die Strassen der Kolonie já fez roteiros para cidades como Igrejinha, Feliz, Nova Petrópolis e Três Coroas. “Além disso, criamos rotas circulares, como nesta edição deste ano. Os trajetos englobam caminhos de interior dos municípios, muitos deles ligados à Rota Romântica”, acrescenta Mombach.

Conexão com o passado e a natureza

A saída da 22ª edição ocorreu na manhã de sábado (12), na Praça do Imigrante, em Dois Irmãos. Durante o percurso, os caminhantes passaram por pontos históricos como a Cascata São Miguel e o Núcleo de Casas Enxaimel em Ivoti. No km 18, por volta das 11h30, a caminhada chegou à Sociedade Atiradores de Picada 48 Baixa, em Lindolfo Collor, onde foi feita a primeira parada coletiva para almoço e descanso.

Patrícia e Marco Lehnen, Jeferson Stuberger, Deise Backes e Leandro Gomes foram os primeiros a chegarem na parada do Km 18 | abc+



Patrícia e Marco Lehnen, Jeferson Stuberger, Deise Backes e Leandro Gomes foram os primeiros a chegarem na parada do Km 18

Foto: Dário Gonçalves/GES-Especial

Foi lá que alguns dos participantes conversaram com a reportagem e contaram o que os motiva a percorrerem tantos quilômetros a pé. Na sombra da sede da Sociedade Atiradores, os primeiros grupos que chegaram ao ponto de descanso contavam sobre a experiência com suor no rosto, mas com brilho nos olhos.

Para Patrícia Lehnen, 48 anos, de Dois Irmãos, o que torna a caminhada especial é a receptividade do caminho. “Onde a gente para, as pessoas são bastante receptivas. Fazem disso um verdadeiro evento mesmo.” O marido, Marco Lehnen, 51, completa: “Eu gosto muito de ver as casas históricas, a origem dos alemães.”

Já a quem está pela primeira vez, como Jeferson Stuberger, 27 anos, de Santa Maria do Herval, a experiência é uma superação pessoal: “Já tinha começado a correr, mas nunca fiz algo assim. É um desafio, uma conquista”, afirma. Sua amiga Deise Backes, 53, de Dois Irmãos, participa pela segunda vez e destaca o envolvimento da comunidade: “Muitas famílias se envolvem, isso é muito bonito.”

Já Leandro Gomes, 52, analista de tecnologia de Campo Bom, escolheu a caminhada como uma forma de fugir da rotina acelerada. “O melhor é esse contato com a natureza, sair da agitação da cidade. Eu passo todos os dias pela RS-239 e pela BR-116, e de carro a gente não vê nada. Na caminhada, tu percebe coisas que de outra forma passariam batido. Nem tiro fotos, prefiro a contemplação, fica tudo na memória”, conta.

Respirar ao ar livre, e ver toda a história que se formou através dos séculos é uma recompensa perfeita para quem passa os dias em frente ao computador. “O trabalho com a cabeça é o dia inteiro. Então, conseguir parar de pensar nisso e simplesmente caminhar é ótimo”, completa.

Entre os rostos conhecidos da caminhada está também Jeane Patrícia Staudt, 56, de Novo Hamburgo. “A gente tem um grupo de caminhadas há 7 anos. Caminhamos terças e quintas, mas isso aqui não tem explicação. É troca com outras pessoas, é energia da natureza.” Nelson M. Rodrigues, 59, de São Leopoldo, resume em poucas palavras o que o encanta: “Gosto de ver a natureza e as antiguidades.”

Nelson M. Rodrigues é participante assíduo | abc+



Nelson M. Rodrigues é participante assíduo

Foto: Dário Gonçalves/GES-Especial

Recordista

Entre os participantes da 22ª edição, um nome carrega consigo a própria história do evento: Cerilo Schnorr, 69 anos, de Sapiranga, é o único que participou de todas as edições da Caminhos da Colônia desde a sua criação, em 2003. A relação com a caminhada, no entanto, começou ainda antes. “Eu jogava bola, mas já não aguentava mais correr. Então, em 2001, comecei a caminhar sozinho. Depois de um tempo, formamos o Grupo Porrada. Nosso grupo caminhava muito, por isso o nome”, conta, sorrindo.

Com o tempo, o grupo cresceu, mas também envelheceu. Antes da pandemia, era comum reunir de 15 a 20 pessoas em caminhadas de fim de semana. “Agora estamos caminhando menos quilometragem e mais devagar. Aos poucos, estamos conseguindo trazer gente nova para junto”, explica. Nesta edição, inclusive, foi a que mais reuniu integrantes do Porrada desde o retorno das atividades após a pandemia.

Cerilo Schnorr participou de todas as edições até aqui | abc+



Cerilo Schnorr participou de todas as edições até aqui

Foto: Arquilo Pessoal

Apesar das mudanças ao longo dos anos, Cerilo segue firme no propósito e no prazer de caminhar, especialmente pelos caminhos do interior. “O que mais me atrai é que eu vim da colônia. Para quem é urbano, talvez não perceba tanto, mas eu valorizo muito as casas antigas, o jeito das comunidades, o modo como as pessoas se relacionam”, diz. Para ele, as caminhadas são muito mais do que um exercício físico. “O mais importante é a convivência, a amizade. Isso envolve saúde também, física e mental. Na minha idade, vai diminuindo o círculo de amizades, então essas caminhadas são uma forma de manter o convívio.”

A caminhada também é um ponto de encontro entre gerações. “Nós éramos dez irmãos, três já faleceram. Meu irmão mais velho caminhava comigo, mas faleceu, e agora o filho dele, meu sobrinho de 60 anos, passou a participar também. A minha esposa, Ana Rosa Ceretta Schnorr, de 64, às vezes também caminha”, conta. Ao lado dela e dos amigos, Cerilo segue acumulando histórias e quilômetros. “Nós fomos feitos para conviver com os outros, não para ficar isolado, finaliza.

No ritmo da colônia

Há quem veja na caminhada algo mais do que o desafio físico. É o caso de Norberto Kuhn, de 55 anos, morador de Novo Hamburgo. No passado, já quis ser o primeiro a contemplar o percurso, mas hoje o objetivo é outro: “Já tive essa fase mais competitiva, de querer chegar na frente. Hoje é um caminho mais “slow”, com paradas, sem pressão. O importante é completar. E o legal é que a cada ano o trajeto muda, o que mantém tudo sempre novo.”

Guilherme Schmidt e Joseani Ribeiro, ambos com 39 anos e amigos de Norberto, vieram de Campo Bom. Para ela, foi a primeira vez, mas certamente não será a última.

Guilherme Schmidt, Joseani Ribeiro e Norberto Kuhn em frente à uma das mais antigas casas enxaimel de Lindolfo Collor | abc+



Guilherme Schmidt, Joseani Ribeiro e Norberto Kuhn em frente à uma das mais antigas casas enxaimel de Lindolfo Collor

Foto: Dário Gonçalves/GES-Especial

O primeiro dia terminou com jantar e pernoite na Comunidade São João, em Picada Feijão (Ivoti), embalado por bandinha típica alemã. No domingo (13), os grupos retomaram a caminhada até a chegada na Praça do Imigrante, em Dois Irmãos, por volta das 13h30. Foram 41 quilômetros em dois dias, entre paisagens que mesclam o verde das matas com as lembranças arquitetônicas de quem construiu as primeiras vilas da região. “Teve sol, chuva, mormaço, mas a recompensa veio para quem persistiu”, resume Astério.

Caminhar lentamente por esses caminhos não é apenas uma atividade física. É também um reencontro com o tempo e com o que, muitas vezes, deixamos de ver. Entre casas enxaimel, salões antigos, trilhas de chão e comunidades acolhedoras, cada passo revela mais do que a paisagem. Revela também histórias, silêncios, encontros e reencontros.

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