PM diz que ritual com tom supremacista simbolizou superação de limites

São Paulo — A Polícia Militar (PM) afirmou, em nota divulgada à imprensa nesta quarta-feira (16/4), que o vídeo com tom supremacista publicado pelo 9° Batalhão de Ações Especiais de Polícia (Baep) foi produzido durante o encerramento de um treinamento noturno, “com o intuito de representar simbolicamente a superação dos limites físicos e psicológicos enfrentados ao longo da instrução”.

No material, pelo menos 14 policiais militares do batalhão de São José do Rio Preto e região, no interior de São Paulo, queimam cruzes e fazem gesto de saudação com tom que remete a rituais de grupos supremacistas, como práticas da Ku Klux Klan, nos Estados Unidos. O material, produzido durante a noite com o uso de imagens aéreas e trilha sonora, foi divulgado nas redes sociais da tropa nessa terça-feira (15/4), mas retirado do perfil, posteriormente.

“Em nenhum momento houve intenção de associação a ideologias de natureza religiosa, racial ou política”, diz a nota da Polícia Militar. “Ainda assim, diante da repercussão e da possibilidade de interpretações distorcidas, o vídeo foi imediatamente retirado do ar, e as circunstâncias de sua produção estão sendo apuradas internamente, com o devido rigor.”

Veja:

A PM também nega alusão a símbolos nazistas no comunicado. “A Polícia Militar repudia de forma veemente qualquer alusão a símbolos nazistas, bem como qualquer manifestação de intolerância, preconceito ou discriminação.”

Nessa terça, a corporação já havia informado que um procedimento foi instaurado para investigar as circunstâncias relativas ao caso, autodenominando-se como uma instituição legalista (veja nota na íntegra no fim de reportagem).

“A Instituição reafirma seu compromisso inegociável com a legalidade, o respeito aos direitos humanos e a defesa dos valores democráticos que orientam sua atuação há mais de 190 anos”, finaliza.

“Doutrina de Rota”

O coronel PM da reserva José Vicente da Silva,  ex-secretário nacional de Segurança Pública, definiu, em entrevista ao Metrópoles, como “muito diferente dos demais” o ritual dos policiais do 9° Baep. Para ele, o material expôs o que ele definiu como tentativa de uma “diferenciação sem sentido”:

“O que não tem sentido é que essas forças ditas especiais estão querendo se diferenciar das demais, como se fossem melhores, querendo mostrar um esforço diferente e, para isso, estão vestindo toda uma lógica que costumo chamar de ‘doutrina de Rota’. E infelizmente esses policiais acabam extrapolando, eles não fazem tanta parte assim do processo de prevenção das polícias e acabam querendo desprestigiar e reduzir a importância que tem o policiamento preventivo dos batalhões territoriais, como nós chamamos”, declarou.

Segundo o militar, os batalhões especiais, caso dos Baeps, “não são tão bons assim para o processo de prevenção” e os seus agentes não possuem “o mesmo conhecimento e interação com a população”, quando comparados com os PMs que atuam no dia a dia.

“Esses supostos heróis estão querendo se diferenciar dos demais. Eu não vejo sentido, isso deveria ser coibido, proibido, melhor dizendo, pelo comando da Polícia Militar, e parar com essa diferenciação absurda. Eu não vejo sentido, realmente… O soldado da PM faz um curso de 2.600 horas na formação. Daí, o Baep dá um cursinho de 30 horas e acha que vai formar um ‘PM plus’”, completou, em tom crítico.

Por outro lado, José Vicente da Silva entende que a posição do braço dos agentes, apontada como uma das polêmicas do vídeo por lembrar uma saudação nazista, é normal: “Colocaram o braço à frente, faz o juramento normal. Não é saudação [nazista]”, explicou.

“Coisa de Ku Klux Klan”

Já o especialista em segurança pública Rafael Alcadipani, também professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), afirmou ao Metrópoles que não considerou os movimentos dos braços dos policiais como sinais nazistas, embora tenha compreensão de que o movimento “tem essa conotação”. Para ele,  o gesto pode representar “o juramento de um rito de passagem”.

No entanto, Alcadipani considera o vídeo completamente inadmissível e que a gravação lembra práticas da Ku Klux Klan:

“Infelizmente, quando a gente vê uma coisa dessa a gente lembra coisa de Ku Klux Klan. Isso é completamente inadmissível. Uma força de segurança não poderia estar usando símbolos da organização, viatura, coisas do Estado para fazer um vídeo que parece coisa de Ku Klux Klan”, opinou o especialista.

O que é Ku Klux Klan

A Ku Klux Klan (KKK) surgiu nos Estados Unidos na segunda metade do século XIX, entre os anos de 1865 e 1866, na cidade de Tennessee, no sul do país.

Entre outras coisas, o movimento defendia ideias supremacistas brancas, promovendo atentados contra negros, recém-libertados pela 13ª Emenda Constitucional dos Estados Unidos. Brancos que de alguma forma defendiam os direitos dos negros também eram alvos dos ataques.

Ao longo dos anos de existência do grupo, os ataques continuaram se focando nos negros e incluíram os judeus a partir do século XX.

No ponto mais alto, o movimento contou com 4 milhões de membros na chamada segunda fase. Foi nessa época que a cruz em chamas se tornou um símbolo da Klan.

No vídeo divulgado e apagado pelo Baep, um dos elementos é justamente uma cruz pegando fogo.

Investigação de ato de “intolerância”

A Polícia Militar afirmou, na noite desta terça-feira (15/4), que repudia “toda e qualquer manifestação de intolerância” e que instaurou um procedimento para apurar as circunstâncias relativas ao vídeo.

Veja nota na íntegra:

“A Polícia Militar é uma instituição legalista e repudia toda e qualquer manifestação de intolerância. Assim que tomou conhecimento das imagens, a Corporação instaurou um procedimento para investigar as circunstâncias relativas ao caso. A Corporação não compactua com desvios de conduta e reforça que qualquer manifestação que contrarie seus valores e princípios será rigorosamente apurada e os envolvidos, responsabilizados.”

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