Simulou consignado CLT e recebeu mensagem no WhatsApp? Isso pode ser ilegal

A concessão de empréstimo consignado para trabalhadores CLT, nova aposta do governo federal para disponibilizar o acesso ao crédito para trabalhadores, pode estar facilitando uma violação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Um leitor procurou o InfoMoney, na última semana, por ter sido abordado por três diferentes bancos por fora da Carteira de Trabalho Digital após ter feito simulações de empréstimo na plataforma E-Consignado.

Só que os únicos dados que o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) pode informar às instituições financeiras para quem faz a simulação na plataforma do governo são nome, CPF, margem do salário disponível para consignação e informações empregatícias – e não número de telefone ou outros contatos.

Uma dessas atitudes foi documentada. Imagens capturadas pelo leitor em seu celular mostram que, poucas horas após simular a contratação do empréstimo, recebeu uma mensagem em seu WhatsApp do Banco do Brasil, onde mantém uma conta corrente ativa.

Na imagem abaixo, é possível perceber que o texto apresenta informações específicas da proposta oferecida na CTPS Digital, como valor do empréstimo e das parcelas, além de um link que direciona o trabalhador à oferta disponível. 

Três capturas de tela referentes a simulação de empréstimo consignado: a primeira refere-se a tela inicial da CTPS Digital, após a simulação com diferentes ofertas; a segunda foi o contato feito pelo banco via WhatsApp; já o terceiro é referente ao link enviado por mensagem, que retorna à proposta feita na CTPS Digital. Foto: Acervo pessoal

Procurada para saber se o contato acima está de acordo com o que foi estabelecido pela MP 1.292/2025 e pela Portaria MTE nº 435/2025, a assessoria de imprensa do Ministério do Trabalho negou. “Essa conduta não está correta”, afirmou a equipe de comunicação.  

Além do BB, outras instituições financeiras também foram apontadas pela fonte por adotarem conduta semelhante — numa lista que inclui de bancos tradicionais a fintech. “Não temos conhecimento disso”, reforçou a assessoria do MTE. 

Vale dizer que, como a fonte não apresentou evidências das abordagens feitas por esses outros atores financeiros, seus nomes não serão citados nesta reportagem, tampouco foram procurados para esclarecimentos.

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Contato após simulação na carteira de trabalho digital 

Entre as normas que orientam o empréstimo consignado para trabalhadores CLT, o artigo 6º da portaria MTE nº 435/2025 diz que as informações pessoais do tomador de crédito e de seus vínculos empregatícios são obtidas do Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas (eSocial) e do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS).

Já em páginas oficiais do governo, a informação é de que apenas os dados necessários para a realização da proposta de crédito são partilhados: nome, CPF, margem do salário disponível para consignação e tempo de empresa. Não há qualquer menção a dados de contato, como número de telefone fixo, celular ou e-mail.

Junto a isso, o artigo 2º-A da MP 1.292/2025 ainda dispõe que a operacionalização desse tipo de consignado seja efetuada em sistemas ou plataformas digitais “mantidas por agentes operadores públicos”. Para os especialistas ouvidos pelo InfoMoney, essa disposição visa centralizar as autorizações em ambientes institucionais e seguros. 

Assim, o trabalhador fica mais protegido de práticas comerciais consideradas indevidas e do uso de dados sensíveis. Para Sergio Pelcerman, sócio da área trabalhista do Almeida Prado & Hoffmann, ao abordar o trabalhador com base em dados como o status de uma operação pendente — sem base legal clara ou consentimento explícito — a instituição financeira pode estar violando a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

“Ainda que a instituição financeira direcione o trabalhador para um ambiente público e oficial (como a CTPS Digital), a abordagem prévia realizada fora desses canais oficiais, especialmente em aplicativos de mensagens como o Whatsapp, pode configurar violação à norma.”

— Sergio Pelcerman, sócio da área trabalhista do Almeida Prado & Hoffmann

Segundo ele, esse tipo de conduta desvirtua a finalidade da medida provisória, que é garantir que a decisão do trabalhador ocorra de forma livre, autônoma e sem assédio externo. Além disso, Pelcerman lembra que, se não houver respaldo legal para a abordagem, o Código de Defesa do Consumidor pode considerar o envio de mensagens com viés comercial, fora dos canais oficiais, como assédio comercial ou prática abusiva.

Riscos à LGPD com consignado para trabalhadores?

A realidade é que as instituições bancárias, muitas vezes, já possuem dados pessoais dos brasileiros. Isso pode incluir informações como CPF, telefone e histórico financeiro em suas bases internas, obtidas em relacionamentos anteriores e com autorização dos titulares — para a abertura de conta, contratação de empréstimos, obtenção de cartão de crédito, entre outros procedimentos. 

Na avaliação de Alexander Coelho, sócio do Godke Advogados e especialista em Direito Digital e Proteção de Dados, à primeira vista, pode parecer inofensivo se o banco tentar cruzar dados internos com os cedidos pelos trabalhadores nas simulações, mas há o que chama de “pegadinhas jurídicas”. Ele frisa que a LGPD exige que o uso de dados, mesmo internos, respeite a finalidade original para a qual foram coletados. 

“Se o número de telefone foi fornecido, por exemplo, para uma abertura de conta, usá-lo para ofertar consignado, sem consentimento específico, pode desviar dessa finalidade. O trabalhador pode ter autorizado a consulta à margem consignável na CTPS Digital, mas isso não implica permissão para o banco vasculhar sua base interna e iniciar uma campanha de marketing personalizada.”

— Alexander Coelho, sócio do Godke Advogados e especialista em Direito Digital e Proteção de Dados

Outro alerta feito por Coelho é o risco de “enriquecimento ilícito” de dados. Isso pode acontecer se o banco cruzar informações da CTPS Digital (como margem consignável) com dados próprios (como hábitos de consumo), sem transparência ou autorização, podendo criar perfis comportamentais não-consentidos.

Para o especialista, no caso de abordagens bancárias fora do app da carteira de trabalho, o conflito jurídico não está no uso dos dados internos em si, mas na falta de transparência, consentimento e proporcionalidade. “Bancos precisam provar que o cliente concordou com esse tipo de abordagem, ou correm risco de sanções.”

Bancos podem mandar mensagem para o WhatsApp de clientes?

Havendo o consentimento prévio, seja para correntista ou não, o envio de comunicações no WhatsApp, por parte dos bancos, é permitido. “Trata-se de uma ferramenta usada para se comunicar com clientes, fazer ofertas de produtos, prospecção de negócios, e enviar alertas gerais”, explica Fábio Abranches, sócio-diretor do escritório Hondatar Advogados.

Contudo, em sua avaliação, não estará correto se alguma instituição financeira estiver fazendo uso do WhatsApp para promover a continuidade da contratação do crédito ofertado na CTPS. “Ela estará infringindo a LGPD e desvirtuando o que a norma do empréstimo consignado dispõe.”

Caso a abordagem externa ocorra sem a autorização do trabalhador, é cabível a denúncia junto ao MTE, bem como à Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), Procons, e ao Ministério Público do Trabalho (MPT).

“Tudo é muito novo, e estamos em uma fase experimental nesses primeiros dias. Acredito que o MPT vai se atentar bastante em relação à veracidade das informações e solidez das operações para que não haja nenhum desvirtuamento da lei.”

— Fábio Abranches, sócio-diretor do escritório Hondatar Advogados

O InfoMoney procurou o BB, apresentando os prints da simulação e contato no aplicativo de mensagens. Questionamos se o banco tem realizado contatos com trabalhadores que fizeram simulações por fora da plataforma oficial, se a operação realizada autoriza o envio de mensagens com reforço de propostas por canais externos à CTPS Digital e de qual base de dados foi obtido o número de telefone utilizado para o contato via WhatsApp.

Por meio de nota, a instituição reforçou que a partir da autorização de uso dos dados, ao fazer a simulação do crédito na CTPS Digital, “o trabalhador recebe as ofertas em até 24h, analisa a melhor opção e efetua a contratação no canal eletrônico do banco, conforme regras do Programa”.

“O BB disponibiliza aos clientes o retorno com as condições da proposta no aplicativo da CTPS Digital. Para continuidade do processo de contratação do empréstimo, que ocorre exclusivamente pelos canais bancários, o Banco do Brasil disponibiliza as opções de contratação via aplicativo BB e via WhatsApp, agregando conveniência e facilidade no atendimento”, diz o comunicado.

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A instituição ainda indicou a sua página dedicada ao consignado para trabalhadores. Nela, o BB informa quais são os passos necessários para a contratação do empréstimo, da simulação na CTPS Digital à efetivação no app do banco. Por lá, há também um call to action (técnica de marketing que visa incentivar o usuário a realizar uma ação) dizendo que “o BB tem a melhor oferta de consignado pra você”.

Para isso, o interessado, correntista ou não, deve preencher um formulário com dados como nome, CPF, telefone e e-mail. Aqui, o compartilhamento de informação é mais evidente e o que afasta qualquer questionamento sobre a LGPD está nas letras miúdas. “Ao se inscrever, você concorda em receber comunicações do BB”, diz o fim do questionário.

No entanto, a fonte que foi abordada no WhatsApp pelo BB afirma não ter preenchido o formulário em questão, e nem ter sido informada na simulação de que poderia ser procurada pelo banco fora da plataforma da carteira de trabalho digital.

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