O medo é o método (por Luiz Paulo Vellozo Lucas)

Bob Woodward, jornalista do Washington Post, ficou famoso pelas reportagens investigativas sobre os abusos de poder cometidos pelo Presidente Richard Nixon. No inicio dos anos setenta, junto com Carl Bernstein outro jornalista do Post, fizeram um trabalho jornalístico decisivo para que o escândalo de Watergate fosse descoberto e investigado até seu desfecho com a renuncia de Nixon em 1974. A crônica deste episódio vergonhoso da politica norte americana foi registrada no livro Todos os Homens do Presidente que virou um filme espetacular com Robert Redford e Dustin Hoffman nos papeis principais.

Em setembro de 2018, Bob Woodward publicou um livro sobre Donald Trump chamado Fear: Trump in the White House. (Medo: Trump na Casa Branca) baseado em centenas de horas de entrevistas com fontes primárias, diários pessoais de colaboradores, notas de reuniões, arquivos e documentos. O livro cobre sua ascensão no Partido Republicano e a vitória nas eleições primárias, as eleições presidenciais contra Hillary Clinton e seu mandato na Casa Branca.

O livro retrata uma presidência caótica e disfuncional, com um processo decisório impulsivo e desinformado, resistente a orientações e também o papel exercido por pessoas chave do seu staff que trabalharam nos bastidores para conter danos e administrar as consequências dos impulsos presidenciais. O título do livro “Fear” remete a uma declaração do próprio Trump: “O verdadeiro poder – não quero nem usar a palavra- é o medo.”

Em excelente artigo no Estadão nesta semana, Pedro Malan diz que o futuro tornou-se mais incerto e perigoso com Donald Trump no poder. É assustador, diz Malan. Ele cita Amos Tversky: “mais assustador do que não saber algo é ser governado por quem acredita saber exatamente o que está acontecendo e o que fazer.”

Ao erradicar a confiança e plantar o medo, o governo Trump redefiniu a geopolítica mundial desmoralizando o sistema comercial, político e econômico institucionalizado no pós guerra. O sistema monetário de Bretton Woods adotou o dólar como principal moeda de referencia mundial lastreando seu valor em ouro, fixado em US$ 35 por onça. O sistema caiu em agosto de 1971 quando o governo Nixon anunciou a suspensão unilateral da conversão ouro/dólar. O mundo entrou então no sistema do câmbio flutuante onde as moedas são fiduciárias , isto é, são lastreadas apenas na confiança dos governos responsáveis por sua emissão.

Sem a amarra do padrão ouro/dólar a expansão da liquidez na economia mundial até os dias de hoje foi extraordinária permitindo um crescimento recorde da riqueza global. A base monetária global de meio trilhão de dólares em 1971 chega a US$ 129,3 trilhões em 2024. Os Estados Unidos ficaram com a parte do leão da riqueza mundial gerada para custear seu elevadíssimo padrão de consumo. Em 2024 o déficit comercial norte americano foi de US$ 918,4 bilhões e a divida pública US$ 35,8 trilhões equivalente a 124% do PIB do país. O mundo produz e financia o que os Estados Unidos consome graças ao tamanho e a força de sua economia, a credibilidade de suas instituições e a confiança em sua moeda. Os três atributos foram seriamente ameaçados pelas ações de Trump. E agora?

Agora, sem regras multilaterais respeitadas, tudo deve ser negociado em bases bilaterais entre os países, as grandes empresas globais e o governo norte americano. A funcionalidade do sistema de preços internacionais e o principio do fair trade foram feridos de morte pela nova política tarifária, declaradamente  destinada a reverter na marra o déficit comercial dos Estados Unidos. Tudo que é sólido se desmancha no ar, poderia afirmar orgulhoso o revolucionário neo-marxista Donald Trump.

Certamente a desconfiança do resto do mundo no governo norte americano trará consequências nos preços relativos de mercadorias, ativos financeiros e moedas fazendo com que os fluxos internacionais de bens e de capital se alterem. Os mercados continuarão globais e a riqueza mundial a ser produzida será menor e é garantido que os Estados Unidos não vão mais ficar com a parte do leão.

Neste tsunami econômico e político é curioso ver o declaratório de líderes do Lulopetismo a favor da globalização, do livre mercado e até do famigerado “consenso de Washington”. Menos frequente, mas também se pode observar  o contorcionismo intelectual de alguns poucos dedicados à defesa de Trump, quase sempre brandindo a bandeira dos ideais de liberdade do ocidente e os perigos do comunismo chinês.

Assustar-se e ter medo não é vergonha. Vergonha é se deixar enganar pela mitologia rasa e vulgar do autoritarismo e aceitar o desmonte dos avanços institucionais construídos globalmente a duras penas. A humanidade ainda terá que trabalhar muito para restaurar a confiança perdida em relações internacionais civilizadas e em um futuro de paz com uma  verdadeira governança global.

Resistir ao retrocesso é o ponto de partida.

 

*Engenheiro de Produção. Mestrado em Desenvolvimento Sustentável. Ex-Prefeito de Vitória-ES. Membro da ABQ-Academia Brasileira da Qualidade

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