“Gaudí brasileiro” transforma casa de favela em castelo famoso. Vídeo

São Paulo — A entrada da antiga casa de Estevão Silva da Conceição, 67 anos, chama atenção de quem passa na Rua Herbert Spencer, na favela de Paraisópolis, zona sul de São Paulo.

Na fachada, uma quantidade imensurável de objetos como pratos, brinquedos e até uma máquina de escrever estão colados às paredes e ao teto. Colunas sinuosas construídas com pedras, duas grandes esculturas de cabeças de leão e uma cruz recepcionam quem dá um passo a mais em direção ao interior do imóvel.

O endereço cheio de cor, e abraçado por um imenso jardim que vai do térreo à laje, ganhou o apelido de castelo e virou ponto turístico na segunda maior favela de São Paulo. Há anos, dezenas de pessoas vão à Paraisópolis todos os meses para conhecer a obra, ainda inacabada, do “Gaudí brasileiro” — em referência ao famoso arquiteto espanhol Antoni Gaudí.

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Estevão e a esposa Edilene na frente do Castelo

Acesso à parte superior do castelo se dá por passagens entre partes do jardim, escadas de piscinas e vários objetos
O artista plástico estima que mais de 5 mil itens estejam colados às paredes
Castelo de Estevão completa 40 anos em 2025
Estevão finge atender telefone grudado à parede em uma das passagens para a laje
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Castelo de Estevão chama atenção entre os sobrados da Rua Herbert Spencer, em Paraisópolis

Jessica Bernardo / Metrópoles

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Estevão e a esposa Edilene na frente do Castelo

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Acesso à parte superior do castelo se dá por passagens entre partes do jardim, escadas de piscinas e vários objetos

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O artista plástico estima que mais de 5 mil itens estejam colados às paredes

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Castelo de Estevão completa 40 anos em 2025

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Estevão finge atender telefone grudado à parede em uma das passagens para a laje

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Estevão veio da Bahia, da cidade de Santo Estevão, e foi morar em Paraisópolis em 1985

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Estevão da Conceição constrói castelo desde 1985

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No local onde antes ficavam os quartos da casa, hoje fica um salão onde estão expostas peças criadas por Estevão

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A história da casa completa quatro décadas em junho. Foi no mês das festas juninas em 1985 que o baiano decidiu criar uma estrutura de metal para dar suporte à roseira que plantou ao se mudar para a favela na zona sul paulistana.

O artista plástico ainda se lembra quando chegou ao bairro e decidiu fazer uma moradia diferente das outras. “Todas as casas eram de madeira, escuras com a sujeira do tempo e da umidade. Eu pensei: ‘Vou fazer um barraco todo colorido, bem bonito, pintado’”.

Logo, Estevão começou a pintar as madeiras do barraco, que rapidamente viraria o mais colorido da rua.

Na sequência, plantou a roseira, que cresceu sem medo, e fez com que ele construísse uma armação de ferro para guiar as folhagens do “jardim suspenso”. A criação da estrutura é considerada por ele o primeiro marco na história de seu castelo particular.

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Foto antiga mostra roseira em frente à casa de Estevão

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Estrutura para apoiar roseira criada por Estevão

Arquivo pessoal

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Foto antiga mostra roseira em frente à casa de Estevão

Arquivo pessoal

Foi uma ideia pensada para driblar o calor em casa, no entanto, que fez com que o local começasse a ter a cara que tem hoje. Para tornar o imóvel mais fresco, o baiano decidiu criar paredes de pedras.

São elas quem dão ao visitante do espaço a sensação de que se está em uma espécie de castelo medieval no meio de São Paulo. Foram também elas que fizeram com que o artista plástico ganhasse o nome de Gaudí brasileiro, em referência ao arquiteto catalão Antoni Gaudí, quando seu trabalho ficou conhecido.

Os objetos colados nas paredes vieram depois das pedras. O primeiro prato foi parar lá sem grandes pretensões. A esposa de Estevão, Edilene de Souza Conceição, 50 anos, conta que a família almoçava ao redor da mesa quando uma das louças trincou. Estevão teve a ideia, então, de prendê-la à parede. “No outro dia ele chegou com o cimento e pronto”.

Depois desse, vieram mais pratos, além de canecas, celulares antigos, relógios, bolinhas de gude, e tudo o mais que Estevão achasse interessante para adicionar à decoração nada tradicional da casa. Edilene conta que ele passou a visitar bazares para comprar cacarecos que pudessem ser colocados ali.

“Não tem um bazar de São Paulo que ele não conheça”, diz a esposa. Ainda hoje, boa parte dos itens adicionados à construção são adquiridos em bazares de igreja, onde as quinquilharias são vendidas a preços baixos.

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Objetos que enfeitam a casa são adquiridos em bazares de igreja. Alguns poucos são doações de amigos e vizinhos

Laje do castelo ainda está inacabada, mas já tem estrutura montada para receber mais objetos
O artista plástico estima que mais de 5 mil itens estejam colados às paredes
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Primeiro prato usado na decoração da casa. Porcelana tinha trincado na ponta durante almoço de família

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Objetos que enfeitam a casa são adquiridos em bazares de igreja. Alguns poucos são doações de amigos e vizinhos

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Laje do castelo ainda está inacabada, mas já tem estrutura montada para receber mais objetos

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O artista plástico estima que mais de 5 mil itens estejam colados às paredes

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Moradia virou museu

Há poucos anos, a família deixou o imóvel. Desde então, o lugar funciona apenas como um museu, aberto de quinta à domingo, com ingresso a R$ 30. Estevão e Edilene recepcionam quem chega e contam as histórias da casa onde viveram até pouco tempo atrás.

A área onde antes ficavam os quartos foi transformada em um salão onde o artista exibe peças que estão à venda, como uma armadura que por pouco não foi levada à China por um comprador. O negócio acabou desandando.

Entre as paredes sinuosas do castelo, e com cuidado para não bater a cabeça, os visitantes sobem uma escada de piscina para chegar aos outros andares, onde o chão é feito de uma estrutura de ferro e arame, que liga um lado ao outro, e a decoração com os objetos variados continua.

No meio do caminho, é possível pegar uma folha de hortelã e uma jabuticaba, entre as várias espécies que crescem no terreno e abraçam o castelo.

Quem chega no alto da casa percebe, no entanto, que, tal a Sagrada Família de Gaudí, inacabada até hoje em Barcelona, na Espanha, a obra do artista brasileiro também continua em construção.

No dia em que recebeu a reportagem do Metrópoles, Estevão preparava a argamassa para “colar” máscaras e cascas de ovos na laje. A estrutura de metal para receber os próximos itens já está pronta.

Tal qual a Sagrada Família do Gaudí catalão, o castelo do brasileiro ainda está inacabado. Toda semana, Estevão prepara novos itens para colar nas paredes e teto

O baiano, que nunca tinha ouvido falar do Gaudí catalão antes de se tornar conhecido, já teve sua história contada em documentário, deu entrevista para personalidades, e até viajou para a Espanha, com tudo pago, para conhecer as obras do arquiteto que lhe emprestou o apelido.

Ficou famoso dentro e fora de Paraisópolis, onde vive até hoje. “Eu virei famoso, mas rico eu não tô”, diz ele.

Anos atrás, ele se aposentou após trabalhar por anos como porteiro, faxineiro, montador e outras profissões. Agora, passa os dias dedicando seu tempo livre à construção de seu castelo. “Me considero um artista plástico da Bahia”.

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