HÁ 20 ANOS – Sai fumaça preta da primeira rodada para eleger novo Papa

Qualquer jornalista daria um braço para poder acompanhar, rodada a rodada de votação, o que está acontecendo desde hoje à tarde na Capela Sistina. Em vão. Ninguém sabe o que se passa (para compensar, em nenhuma outra eleição, é tão fácil fazer previsões, das mais óbvias às mais ousadas: ninguém tem a menor obrigação ou o mínimo compromisso de acertar).

A fumaça preta das três da tarde (oito da noite em Roma) revelou apenas que os cardeais ainda não elegeram o o sucessor de João Paulo II. Não se esperava mesmo que ele fosse escolhido já, no primeiro dia do conclave. A primeira rodada (ou escrutínio) permite uma avaliação de forças. E serve para homenagens a figuras respeitadas, mas que não têm chance de conseguir a maioria.

Foi assim na eleição de Albino Luciani, o Papa João Paulo I, em 1978. O conclave começou a votar na manhã do dia 26 de agosto, um sábado (os 111 cardeais estavam fechados na capela Sistina desde a noite da véspera). Eram necessários 75 votos para eleger o Papa. Segundo informações que vazaram depois do conclave, Giuseppe Siri, o candidato da Cúria e dos conservadores, teve 25 votos na primeira rodada. Luciani teve 23. O italiano Sérgio Pignedoli teve 18 votos e os demais se dispersaram (o brasileiro Aloísio Lorscheider teve dois votos – um deles, diz-se, seria o do próprio Luciani).

A vantagem de Siri era apenas aparente. Na semana anterior, o cardeal Giovanni Benelli, de Florença, tinha costurado uma aliança entre os cardeais renovadores – principalmente europeus não italianos e latino-americanos – e alguns italianos moderados, de centro. O objetivo era isolar os conservadores do grupo de Siri. Esses pretendiam desfazer os avanços do Concílio Vaticano II, promovido por João XXIII e Paulo VI.

Ganharam a primeira votação, mas Benelli, Lorscheider e os demais cabos eleitorais de Luciani sabiam que esse resultado não contava. Estava combinado que os moderados dariam seu primeiro voto a Siri, em homenagem ao colega italiano, e que os renovadores do Terceiro Mundo também poderiam gastar votos de cortesia.

As coisas só começam a ficar quentes no segundo escrutínio. Nesse, Luciani mais do que dobra seus 50 votos (algumas fontes falam em 53, outras em 55). Siri perde um voto e fica com 24. Pignedoli também cai e Lorscheider sobe para 12 votos. A aliança dos renovadores e dos moderados mostrava que tinha gás de sobra e os conservadores da Cúria percebiam que estavam isolados. Seu candidato bateu no teto na primeira votação.

Almoço e sesta. Quando os cardeais recomeçam a votar, no meio da tarde, acontece o que os líderes da aliança contra Siri tinham planejado. No terceiro escrutínio, os eleitores de Lorscheider e Pignedoli (e mais alguns italianos moderados) correm para Luciani. Ele fica a cinco ou seis votos dos 75 necessários. Na quarta rodada de votação, finalmente, Luciani é eleito João Paulo I com cerca de 90 votos.

O núcleo duro dos eleitores de Siri – cerca de 20 cardeais – vota em branco, em protesto (pelo jeito, a Cúria desconfia até do Espírito Santo). E o brasileiro Lorscheider recebe um voto solitário até o fim. Todo mundo tem certeza de que foi o de Luciani.

 

(Publicado aqui em 20 de abril de 2005)

Adicionar aos favoritos o Link permanente.