Papa Francisco deixa encíclica que marcou a relação entre fé e meio ambiente

Morreu nesta segunda-feira (21), aos 88 anos, o papa Francisco. Primeiro pontífice latino-americano da história, ele deixa um legado marcado por gestos de aproximação com os pobres, abertura ao diálogo inter-religioso e um firme posicionamento diante da crise ambiental global, de acordo com a MetSul Meteorologia.

Parte central desse legado é a encíclica Laudato Si’, publicada em 24 de maio de 2015. O documento se tornou referência no debate mundial sobre o meio ambiente, justiça social e responsabilidade coletiva diante da “Casa Comum”.

Papa Francisco demonstrava preocupação com o meio ambiente | abc+



Papa Francisco demonstrava preocupação com o meio ambiente

Foto: Vatican Media

“Laudato Si” relembra o conteúdo e a importância da carta papal que, quase dez anos após sua publicação, segue sendo um chamado universal à ação diante das mudanças climáticas e da degradação ambiental.

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“Louvado sejas”

O título Laudato Si’ faz referência ao Cântico das Criaturas, escrito por São Francisco de Assis, padroeiro da ecologia. No documento, ele propõe o conceito de “ecologia integral”, que ultrapassa os limites da ciência ambiental e articula os temas ecológicos com desigualdade, pobreza, cultura e espiritualidade. Para Francisco, não é possível proteger o meio ambiente sem enfrentar as injustiças sociais que perpetuam a miséria e a exclusão.

Diagnóstico da crise

Dividida em seis capítulos, a encíclica abre com um diagnóstico contundente da situação do planeta. O papa fala da poluição do ar e da água, da perda da biodiversidade, do esgotamento dos recursos naturais e do impacto direto dessas crises sobre as populações mais vulneráveis. Critica o consumismo, a cultura do descarte e um modelo econômico centrado no lucro e no acúmulo, que despreza os limites ecológicos da Terra. “A Terra, nossa casa, parece transformar-se cada vez mais num imenso depósito de lixo”, afirmou Francisco logo nas primeiras páginas do texto.

Em seguida, o papa amplia o olhar e discute as raízes humanas da crise ecológica, destacando que a Terra é um dom de Deus que deve ser cuidado com responsabilidade. Aponta para o uso descontrolado da tecnologia, a ideia de domínio sobre a natureza e a lógica de exploração que rompe o equilíbrio entre o ser humano e o meio ambiente. Para ele, a crise ecológica também é uma crise moral e espiritual, fruto de um distanciamento dos valores da sobriedade, da compaixão e do cuidado.

No capítulo central da encíclica, o papa propõe a ecologia integral como um caminho para restaurar a harmonia entre o ser humano, a sociedade e a natureza. Ele afirma que os problemas ambientais estão profundamente ligados aos problemas sociais, e que qualquer resposta séria à crise climática precisa considerar os contextos de pobreza, desigualdade e exclusão. “Não há duas crises separadas, uma ambiental e outra social, mas uma única e complexa crise socioambiental”, escreveu.

Propostas de ação

Nos capítulos finais, Francisco propõe ações concretas para governos, empresas e indivíduos. Defende o fortalecimento de acordos internacionais sobre o clima, políticas públicas sustentáveis, incentivos a economias de baixo carbono e o investimento em energias limpas.

Também convoca os fiéis, e todos os cidadãos, a repensarem seus hábitos, valorizando estilos de vida mais simples e conscientes. Fala da importância da educação ambiental, da cultura do cuidado e da responsabilidade intergeracional: “Que tipo de mundo queremos deixar a quem vai suceder-nos, às crianças que estão a crescer?”

A Laudato Si’ teve ampla repercussão desde seu lançamento. Divulgada poucos meses antes da Conferência do Clima de Paris (COP21), em 2015, influenciou negociações internacionais e foi citada por líderes religiosos, cientistas e chefes de Estado. O documento também motivou novas iniciativas dentro da própria Igreja, como o Movimento Laudato Si’ e o chamado à conversão ecológica das comunidades católicas.

Papa lamentou vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul

Governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite entregou camisetas de clubes gaúchos ao Papa Francisco em 2024 | abc+



Governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite entregou camisetas de clubes gaúchos ao Papa Francisco em 2024

Foto: Vatican Média; Divulgação

Meses antes de o Rio Grande do Sul enfrentar, em 2024, a maior catástrofe climática de sua história, que ceifou centenas de vidas e deixou cidades inteiras submersas, o papa Francisco já havia demonstrado solidariedade diante dos impactos das mudanças extremas no clima. Em setembro de 2023, quando fortes chuvas provocaram uma enchente devastadora no estado, especialmente no Vale do Taquari, o pontífice enviou uma mensagem de apoio aos gaúchos afetados.

A tragédia ocorrida naquele mês causou mais de 50 mortes e afetou diretamente cerca de 120 mil moradores, segundo a Defesa Civil. Diante do cenário de destruição, o papa se manifestou por meio de um telegrama assinado pelo cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado do Vaticano, e endereçado ao arcebispo de Santa Maria e presidente do Regional Sul 3 da CNBB, dom Leomar Antônio Brustolin.

Escrita em português, a mensagem expressa “solidariedade orante” às comunidades atingidas, além de preces pelas vítimas fatais e pelas famílias desabrigadas:

“O papa Francisco, com sua paternal solicitude, quer assegurar a Vossa Excelência e aos demais bispos do regional, dos sufrágios que oferece pelo eterno descanso das vítimas fatais, bem como das preces que eleva ao altíssimo pelas famílias desabrigadas, desejando que a reconstrução das localidades atingidas ocorra de maneira rápida e eficaz”, diz parte do texto, que também concede a bênção apostólica a todos os afetados pelas enchentes.

Já em maio do ano passado, quando o estado vivia sua principal tragédia climática e mais de 180 pessoas perderam a vida, Francisco disse estar rezando “pela população do estado do Rio Grande do Sul, atingido por grandes inundações”. De sua janela, no Vaticano, o Santo Padre também disse orar para que o Deus acolhesse os mortos, confortasse os familiares e aqueles que tiveram que sair de suas casas.

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