Primeiras famílias começam a deixar favela do Moinho após protesto de moradores e tensão com a PM


Secretário diz que presença da PM do local é para evitar barricadas que impeça saída de famílias que já concordaram com a mudança. A ideia é que o local vire um parque estadual. Funcionários da CDHU iniciam remoção de famílias da Favela do Moinho, no Centro de SP, na manhã desta terça-feira (22).
TABA BENEDICTO/ESTADÃO CONTEÚDO
Depois de mais um protesto, o governo de São Paulo iniciou, na manhã desta quarta-feira (22), a remoção de parte das 820 famílias que vivem na Favela do Moinho, nos Campos Elíseos, no Centro de São Paulo.
A favela, erguida ao lado das linhas 7-Rubi (CPTM) e 8-Diamante (ViaMobilidade), está sendo desativada e dará lugar a um parque estadual. A área pertence ao governo federal e a cessão do terreno está em negociação com a gestão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) (veja mais abaixo).
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O governo de São Paulo também afirma que a área precisa ser desocupada por razões de segurança, devido à circulação dos trens. O início da remoção foi marcado por protestos e tensão por parte dos moradores que não desejam deixar o local — especialmente pela presença da Polícia Militar (PM), que chegou horas antes dos funcionários da CDHU.
Moradores da Favela do Moinho, no bairro Campos Elí¬seos, Centro de SP, realizam protesto contra a desapropriação de suas casas, na manhã desta terça- feira, 22 de abril de 2025.
RAUL LUCIANO/ATO PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
Só depois de quase três horas de protesto, os funcionários da CDHU conseguiram entrar para realizar a mudança de parte das famílias que já haviam manifestado interesse em deixar a favela. Os moradores temiam que a PM entrasse na comunidade para forçar uma reintegração de posse.
O secretário estadual de Desenvolvimento Urbano e Habitação, Marcelo Cardinale Branco, afirmou que os policiais militares chegaram ao local antes dos funcionários do governo para evitar que parte do grupo descontente ateasse fogo na entrada da favela e impedisse a remoção das primeiras famílias — como ocorreu na sexta-feira (18).
“A opção do comando da polícia, na minha opinião acertadamente, foi entrar lá primeiro e mais cedo. Eles não entraram na favela, ficaram do lado de fora para garantir que não houvesse barricadas e que não tocassem fogo embaixo do viaduto ou na entrada, para que a gente pudesse oferecer a opção às pessoas que querem sair da comunidade”, disse Cardinale Branco.
“As pessoas que querem fazer barricada, querem impedir o quê? Não é impedir a CDHU de entrar, é impedir que as pessoas que querem sair consigam sair. Isso é um cativeiro. Sinto muito, mas não é o que se preconiza em qualquer ação de uma comunidade que deseja proteger os seus. Me desculpe”, completou.
O secretário estadual de Desenvolvimento Urbano e Habitação, Marcelo Cardinale Branco, ao lado do vice-governador Felício Ramuth (PSD) e representante da Polícia Militar.
Reprodução/TV Globo
Segundo o secretário, 716 das 820 famílias que vivem na favela foram cadastradas pelo serviço social da CDHU já manifestaram interesse em deixar a comunidade. Esse número representa, segundo ele, 86% dos moradores.
Para viabilizar a saída, a gestão Tarcísio afirma que está oferecendo um auxílio-aluguel de R$ 800 para subsidiar a moradia dessas famílias até que habitações definitivas sejam construídas ou adquiridas pela companhia de habitação.
Desses R$ 800 mensais:
R$ 400 serão pagos pelo governo paulista
e outros R$ 400 pela Prefeitura de São Paulo.
Para ajudar na mudança, a gestão estadual também está oferecendo um auxílio-mudança de R$ 2.400, pagos em parcela única.
“Não tenho dúvida nenhuma que estamos resgatando a dignidade dessas pessoas e a liberdade. Eles vão ter muito mais liberdade para o seu dia a dia e a sua vida. A grande maioria dessas famílias já apontaram para o lugar que gostariam de ir definitivamente com as ofertas habitacionais da CDHU”, disse o vice-governador Felício Ramuth (PSD), que acompanhou de perto o primeiro dia de mudanças na favela.
Reclamação dos moradores
Leidivânia Serra Teixeira, moradora da Favela do Moinho, e os funcionários da CDHU que participam do início das remoções.
Montagem/g1/Reprodução/TV Globo
Além da presença da PM, os moradores protestaram contra a falta de garantias do governo de São Paulo para que as famílias continuem vivendo na região central.
A dona de casa Leidivânia Serra Teixeira, mãe de duas crianças matriculadas em escolas do Centro, teme que elas fiquem sem vaga por conta da mudança e do baixo valor do auxílio-aluguel.
“R$ 800 um aluguel, pra onde eu vou com oitocentos reais? Aqui no Centro não existe [imóvel nesse valor], não existe. Eu vou ter que me mudar pra muito longe, ter que tirar meus meninos da escola”, declarou.
“Nós não temos garantia de que vamos sair desse aluguel de R$ 800 e, depois, conseguir um apartamento próprio. Ninguém sabe se, daqui a 12 meses, eles vão cortar o auxílio-aluguel. E depois, vamos pra onde?”, continuou.
De acordo com o governo de São Paulo, até o momento cerca de 440 imóveis estão garantidos para as famílias do Moinho na região central. Cem desses imóveis já foram adquiridos pela CDHU e outros 340 estão em fase de contratação ou obras.
No entanto, de forma imediata, apenas 47 contratos estão prontos para serem assinados e repassados às famílias que deixarão a favela.
“Apesar de a gente não ter imóveis disponíveis para todas as famílias, temos uma estruturação muito consolidada, com unidades que serão entregues a partir de agora — algumas já prontas — ao longo dos próximos meses. E, na nossa opinião, é muito mais saudável que elas vivam de aluguel temporariamente até adquirirem um imóvel”, afirmou Marcelo Cardinale Branco.
“Todos tiveram a possibilidade de escolher para onde gostariam de ir, onde desejam começar uma nova etapa da vida. É um diálogo que começou com a comunidade há mais de um ano. Acredito que, pela primeira vez, temos a adesão de 86% das famílias a esse programa. Mantivemos esse diálogo por mais de um ano e conseguimos mostrar que há opções melhores para viver e criar suas famílias”, declarou.
Cessão do terreno
A área da Favela do Moinho pertence à União, ou seja, ao governo federal. Por esse motivo, não pode ocorrer reintegração de posse na região, apenas realocação — que é o que está acontecendo. Neste ano, o governo de São Paulo entrou com um pedido de cessão da área para transformá-la em um parque.
O processo ainda está em andamento.
Em nota enviada ao g1, a Secretaria do Patrimônio da União (SPU/MGI), por meio da Superintendência de São Paulo, confirmou que o Estado solicitou a cessão. No entanto, o processo de transferência do terreno está condicionado “à garantia do direito à moradia das famílias que vivem no local e depende de ajustes e complementações, por parte da CDHU/SP, no plano de reassentamento enviado em abril deste ano”.
O órgão afirmou ainda que as informações disponíveis sobre os locais de realocação — como endereço efetivo e prazo de entrega das unidades habitacionais — não estão claras.
“O governo federal apoia as ações de mudança das famílias que já possuem um novo endereço, como as que estavam programadas para esta terça-feira (22), desde que essa seja a efetiva vontade das famílias e que o processo ocorra sem intervenção de força policial.”
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