Francisco: o pastor que revolucionou o século XXI

A morte de Jorge Mario Bergoglio marca não apenas o fim de um pontificado, mas o encerramento de uma era singular na história da Igreja. Em seus doze anos à frente do Vaticano, este primeiro Papa jesuíta e latino-americano redefiniu radicalmente o exercício do ministério petrino, transformando a cátedra de Pedro num púlpito global que amplificou a voz dos esquecidos. Seu maior legado foi demonstrar que, mesmo num mundo cada vez mais fragmentado, a linguagem da misericórdia poderia se tornar um poderoso instrumento de transformação política e social.

Quando os cardeais elegeram em 2013 um pastor que preferia ônibus a limusines e panelas simples a banquetes suntuosos, estavam rompendo não apenas com séculos de tradição europeia, mas com toda uma concepção teológica do poder. Francisco trouxe para o trono de Pedro a sabedoria crua das periferias existenciais — aquela teologia que se aprende mais nos cortiços de Buenos Aires do que nas bibliotecas do Vaticano. Sua origem marginal se refletiu em cada gesto do pontificado: enquanto seus predecessores redigiam encíclicas em latim, ele lavava os pés de refugiados muçulmanos e beijava o rosto de homens marcados por doenças estigmatizantes.

O verdadeiro gênio de Francisco foi sua capacidade de transformar o cotidiano em teologia viva. Sua visita a Lampedusa, em julho de 2013 — a primeira viagem de seu pontificado —, foi um gesto profético: lançou flores ao mar em memória dos milhares de migrantes que ali perderam a vida e denunciou a “globalização da indiferença”. Anos depois, ao apresentar no Vaticano dois coletes salva-vidas de migrantes resgatados no Mediterrâneo, descreveu-os como “símbolos da esperança afogada”. E ainda em 2013, o gesto simples de abraçar um homem desfigurado pela neurofibromatose falou mais sobre inclusão do que mil documentos eclesiásticos. Ali, diante de uma multidão, Francisco não apenas rompeu com o medo do corpo ferido — ele restaurou, com ternura, o rosto humano da fé.

Paradoxalmente, Francisco inovou através do retorno às fontes. Na economia, resgatou a tradição da justiça social; na ecologia, reviveu o franciscanismo radical; na pastoral, reatou com a misericórdia. Sua famosa declaração “Quem sou eu para julgar?” sobre pessoas homossexuais não representava uma ruptura, mas a redescoberta da essência evangélica que a Igreja por vezes esquecera. Seu chamado ao “cheiro das ovelhas” redefiniu radicalmente o ministério sacerdotal, trazendo os pés dos pastores de volta ao chão da realidade.

Enquanto as grandes potências investiam em arsenais bélicos, Francisco praticava uma singular “diplomacia do crucifixo”. Foi o mediador silencioso — e reconhecido — no histórico degelo entre Estados Unidos e Cuba em 2014, quando cartas pessoais e reuniões sigilosas promovidas pelo Vaticano ajudaram a restaurar laços diplomáticos após mais de cinco décadas de ruptura. Em 2023, diante da escalada do conflito em Gaza, usou publicamente o termo “genocídio” ao referir-se ao sofrimento da população civil palestina, provocando forte repercussão internacional e consolidando sua posição como uma das vozes morais mais firmes contra a violência indiscriminada. Seu instrumento? O soft power da fé, que provou ser mais eficaz que muitas estratégias geopolíticas convencionais.

Como escreveu São Paulo aos Gálatas: “A fé atua pelo amor” (Gálatas 5:6). E foi essa fé amorosa, desarmada e incansável que guiou Francisco. Uma fé que não se impunha pela força, mas se oferecia com ternura. Uma fé que desafiava estruturas não pela ruptura, mas pela compaixão. Uma fé que, ao invés de levantar muros, insistia em construir pontes.

No derradeiro ato de seu pontificado, ao recusar um funeral de Estado em favor de cerimônias simples, Francisco encerrou como viveu: transformando normas em mensagens. Seu caixão despojado repousará sobre a terra nua, ecoando seu mantra permanente: “Como eu gostaria de uma Igreja pobre para os pobres.”

O desafio que deixa ao seu sucessor é imenso. Como manter viva uma revolução carismática numa instituição de dois mil anos? Como equilibrar reforma e tradição num mundo mais polarizado que em 2013?

Francisco nos surpreendeu até o fim. Agora, cabe à história julgar se sua revolução da ternura foi um momento singular ou o início de um novo caminho para a cristandade. O mundo perde um líder incomum; os céus recebem um pastor que ousou repensar o que significava seguir o Cristo no século XXI.

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