Bagres e tubarões: a hierarquia cruel e cara entre anestesistas do DF

A revelação dos bastidores do cartel dos anestesistas do Distrito Federal, alvo de investigações da Polícia Civil, expõe um esquema sustentado há décadas por integrantes da Cooperativa dos Médicos Anestesiologistas do DF (Coopanest-DF). Documentos e depoimentos reunidos na apuração mostram uma estrutura marcada por abusos de poder, ameaças veladas e práticas de segregação entre os próprios profissionais da área.

No centro da engrenagem, os médicos anestesistas eram divididos entre sócios-majoritários e sócios-minoritários. Esses últimos, informalmente chamados de “bagres”, eram submetidos a uma rotina de sobrecarga e recebiam pagamentos muito inferiores aos valores efetivamente faturados pelos serviços executados.

De acordo com testemunhos, como a demanda por anestesiologia é ampla no DF, os sócios-majoritários repassavam parte dos procedimentos aos “bagres”, também denominados “colaboradores”. Esses profissionais assumiam plantões noturnos, fins de semana e cirurgias complexas — mas recebiam apenas valores fixos por hora, sem qualquer participação nos lucros.

Um dos depoimentos aponta que, enquanto o sócio-majoritário embolsava os valores gerados pelos boletins anestésicos, o “bagre” recebia apenas o chamado “valor de plantão”, que variava de R$ 1,2 mil a R$ 3 mil por 12 horas de trabalho. Em alguns casos, procedimentos realizados por um “bagre” poderiam gerar R$ 30 mil à cooperativa, dos quais apenas R$ 1,2 mil eram pagos ao profissional — o restante era destinado aos sócios do grupo.

“Anestesistas recém-formados ou que chegam de fora do DF só conseguem atuar em hospitais privados se aceitam a condição de ‘bagres’ e com autorização do grupo que domina o hospital”, afirmou uma testemunha.

De “bagre” a sócio — por um alto custo

A condição de “bagre” não era, porém, definitiva. Segundo relatos, após três a cinco anos atuando no grupo, o profissional poderia ser convidado a se tornar sócio-majoritário.

Para isso, era necessário pagar uma cota que poderia variar entre R$ 1,8 milhão e R$ 3 milhões, a depender do hospital e do faturamento da unidade.

A transferência da cota também ocorria em casos de aposentadoria de um sócio, quando ele vendia sua participação a outro anestesista. No entanto, o processo de escolha era seletivo: chefes do grupo evitavam convidar mulheres e priorizavam os profissionais que mais assumiam plantões pesados, liberando os sócios das escalas mais exigentes.

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