Quem é o procurador-geral de Justiça que vai deixar o Ministério Público no fim do mês

Prestes a se aposentar depois de cinco décadas dedicas ao Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS), o procurador de Justiça Sérgio Guimarães Britto vai se despedir do órgão, que está sob seu comando desde o começo do mês, no fim de abril.

 Procurador Sérgio Guimarães Britto assumiu o comando do MP no início de abril | abc+



Procurador Sérgio Guimarães Britto assumiu o comando do MP no início de abril

Foto: Divulgação/MP

Em entrevista exclusiva, o morador de São Leopoldo relembra de fatos marcantes na sua trajetória. Além de atuar nas comarcas de São Leopoldo, Novo Hamburgo, São Sebastião da Caí e Ibirubá, foi assessor jurídico de dois procuradores-gerais e representou o MPRS por vários anos nos julgamentos da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça. Também integrou o Conselho Superior do MP e, por último, faz parte do Órgão Especial como decano, colegiado que tem a responsabilidade de tomar algumas das decisões máximas da instituição.

Estreia

A carreira de Britto no MP começou em agosto de 1974, quando fez concurso depois de se formar em Direito pela Unisinos, em São Leopoldo. “A Unisinos foi criada quando já estava cursando a metade do curso de Direito. Tive oportunidade de contar com excelentes professores que vinham de Porto Alegre e conviver com vários membros da ordem jesuíta, percebendo a sua grande cultura e a ênfase em formar profissionais com uma visão mais humanista da sociedade, legado que me inspira até hoje”, avalia. Antes, chegou a atuar como repórter por alguns meses na sucursal do Jornal do Comércio e trabalhou no Banco do Brasil.

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Em 2021, Britto, que nasceu em São Borja e completa 75 anos em 1º de maio, recebeu o título de Cidadão Leopoldense.

Sérgio Guimarães Britto | abc+



Sérgio Guimarães Britto

Foto: Divulgação/MPRS

Mais antigo procurador em atividade

Britto assumiu como procurador-geral de Justiça no dia 4 de abril, substituindo Alexandre Saltz, que se afastou do cargo para concorrer à formação da lista tríplice a ser enviada ao governador do Estado. A disputa é referente ao cargo de procurador-geral de Justiça, no biênio 2025-2027, que ocorre nos entre os dias 15 e 17 de maio. A posse de Britto se deu pelo fato de ser o procurador mais antigo em atividade na instituição. Com a aposentadoria de Britto, assumirá a Procuradoria-Geral o procurador José Pedro Machado Keunecke.

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Entrevista: “Coroamento de toda uma carreira dedicada ao serviço público”

Quais foram os principais desafios que enfrentou ao longo da carreira? Por quantas vezes já comandou o MPRS e o que isso representa?

Sérgio Guimarães Britto – No início, a organização do MP era muito precária no interior em razão do reduzido orçamento, e o promotor público (como se denominava na época) realmente era um homem só, sem poder contar com uma infraestrutura condizente com as suas atribuições na comarca. Por exemplo: não tínhamos sedes próprias e assessores como agora, e precisávamos contar com a boa vontade do Poder Judiciário para nos ceder uma sala para podermos trabalhar. No meu caso fui para o espaço onde era a despensa do fórum. Hoje, o promotor é um homem múltiplo, tendo a ampará-lo colegas na própria comarca ou muito próximos, com fácil comunicação, além de assessores, servidores e uma rede de informática que lhe coloca, em segundos, em contato com os principais sites jurídicos e de tribunais de todo o País. Agora, por disposição legal, é a segunda vez que comando o Ministério Público no Estado e vejo a oportunidade como um coroamento de toda uma carreira dedicada ao serviço público. Afora isso, encontro a instituição moderna, exemplarmente estruturada e atuando de forma firme e contundente em todos os segmentos da sociedade gaúcha em que a sua presença se faz necessária.

Como avalia a evolução do papel do Ministério Público? No que ainda pode melhorar?

Britto – Quando do meu ingresso no Ministério Público, o promotor de Justiça (denominação atual) era conhecido por processar criminosos e, principalmente, por sua atuação no Tribunal do Júri. Hoje, o nosso espectro de encargos, num breve resumo incompleto, envolve direitos humanos e cidadania, defesa do consumidor, meio ambiente, saúde pública, eleitoral, idoso, pessoas com deficiência, infância e juventude, patrimônio histórico, moralidade administrativa, ordem tributária, registros públicos, educação, e todos os interesses coletivos, afora a tradicional área criminal, cada vez mais intensa. Permanecemos vigilantes com tudo que acontece na sociedade gaúcha para desencadear a nossa intervenção.

Britto tem relação estreita com São Leopoldo desde 1952 e sua família adotou a cidade  | abc+



Britto tem relação estreita com São Leopoldo desde 1952 e sua família adotou a cidade

Foto: Fotos Divulgação/MP

Há alguma atuação ou caso específico que tenha marcado sua trajetória?

Britto – Sem dúvida, o caso mais marcante em que trabalhei foi a ação penal contra o então deputado estadual Antônio Dexheimer, acusado da morte do jornalista José Antônio Daudt, fato ocorrido em 05 de junho de 1988. Na época, como assessor jurídico do procurador-geral de Justiça, participei de todos os atos que levaram à sua absolvição por falta de provas. Relembro que a acusação tinha uma testemunha ocular, uma senhora surda-muda que reconheceu o réu como o autor do homicídio. Todavia, no seu depoimento em juízo, o perito designado não conseguiu traduzir com fidelidade o que ela queria expressar, ocorreram contradições e o seu testemunho não foi valorizado. Seja lá como for, o caso prescreveu figurando o crime no rol dos insolúveis.

Como é sua relação com São Leopoldo?

Britto – A minha ligação com São Leopoldo começou quando tinha dois anos de idade, em razão dos meus pais terem vindo morar na cidade em 1952. Toda a minha formação ocorreu aqui, em colégios públicos (Grupo Escolar Visconde de São Leopoldo e Colégio Estadual Pedro Schneider), e mais tarde na Faculdade de Direito da Unisinos. Fui também promotor de Justiça no município por longos anos, e só aceitei ser promovido para Porto Alegre em razão do procurador-geral de Justiça ter me convidado a integrar o seu gabinete como assessor jurídico. E toda a minha família reside na cidade.

O senhor também é autor de livros com temática espírita. Como surgiu esse interesse?

Britto – O interesse começou no início da década de 1990 em virtude da minha mulher frequentar com assiduidade o Centro Espiritual Boa Nova. Curioso, um dia fui até lá para saber o que acontecia nas sessões e constatei que a doutrina espírita, mais do que uma religião é uma filosofia de vida que explica com lógica as contradições da nossa passagem terrena, ao mesmo tempo em que mostra a necessidade imperiosa de evoluirmos como seres humanos e espíritos. Dos três livros publicados, dois dizem respeito à cura espiritual (“Cura Espiritual, Um Caminho para a Saúde Plena” e “Mensagens de Cura”), e o terceiro é uma coletânea de textos psicografados que podem ser lidos diariamente para entender e superar os obstáculos da jornada terrestre (“Boas Novas, Textos para um Novo Viver”). Em todos eles, basicamente, procuro demonstrar que a vida não se rege de forma integral por um determinismo divino, mas sim pelas nossas decisões do cotidiano que podem ser alteradas a qualquer momento na escolha de um novo percurso existencial.

Como equilibra sua atuação como jurista com a atividade de escritor? Tem novas obras em vista?

Britto – Nos últimos três anos o excesso de trabalho como procurador de Justiça lidando basicamente com homicídios, violência doméstica e tráfico de drogas em escala geométrica, não me tornou possível uma dedicação para a atividade de escritor espírita. Certamente com a aposentadoria obrigatória que se aproxima terei tempo para me debruçar sobre o espiritismo e as leis que regem a evolução humana, colocando a minha ótica.

Qual legado o senhor espera deixar com a sua aposentadoria e quais os planos para o futuro?

Britto – Espero deixar com a minha aposentadoria um exemplo de dedicação e zelo na carreira do Ministério Público para os novos promotores, sendo o primeiro membro a atingir 50 anos e 8 meses de labuta ininterrupta, e sempre me sentindo com elã para fazer mais e melhor. Ocorre que vou atingir brevemente a idade prevista na Constituição Federal para o jubilamento obrigatório, apesar de, pessoalmente, se fosse possível, preferisse continuar na atividade por mais algum tempo. No entanto, com o tempo livre, vou me dedicar mais à família, ler, estudar e escrever, passear e cuidar mais da saúde, mas sempre aberto para novos desafios. 

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